O filme de Quentin Tarantino "Era uma Vez ... em Hollywood" é sua obra mais reflexiva. O filme se passa nos dias que precedem o assassinato da mulher de Roman Polanski, a deliciosa Sharon Tate. Vamos aos detalhes.
Na comunidade hippie em que vive Charles Mason e seu harém de meninas brancas de classe média, constantemente drogadas, a violência travestida de "I love you" escorre pelas paredes imundas do buraco em que vivem, assistindo à TV.
Quando Cliff, personagem de Brad Pitt, entra nesse buraco, caminhando em meio ao lixo acumulado em toda parte (mas, lembre, tudo permeado por "paz e amor"), uma rápida imagem chama a sua atenção: a de um rato preso gritando de dor numa ratoeira ao lado do fogão. Essa cena é paradigmática da imagem que o filme passa da contracultura.
A historiadora Gertrud Himmelfarb no seu "One Nation, Two Cultures" já nos havia chamado a atenção para o fato que a contra cultura nunca foi sobre paz e amor.
Ela foi sim, em muito, um movimento de enorme violência escondido atrás de boa música, da recusa da Guerra do Vietnã e do sexo fácil. A contracultura não foi um exercício amplo de paz e amor, foi um grande surto de ódio contra a vida social, regado a boa música, drogas e sexo barato.
Imagine você, um "regular guy", dando carona a uma gostosinha de shortinho curtinho e ela lhe oferecendo uma chupada enquanto você dirige seu carro (outra cena envolvendo Brad Pitt). Que cara não guardaria uma simpatia secreta pela contracultura ganhando boquetes de graça assim no meio do trânsito? Voltemos ao ratinho.
A indiferença profunda pelo sofrimento alheio aqui não trata de bebês, cachorrinhos e gatinhos. Toca o fundo do poço: entende-se que ratoeiras sejam usadas para pegar "ratos sujos", mas deixar o animal agonizar gritando enquanto você fuma maconha, toma ácido e vê TV? Você consegue imaginar algo mais típico do "sistema" do que ficar "bundando" em frente a uma TV?
A contracultura foi o primeiro grande exemplo de mau caratismo juvenil travestido de combate ao mundo injusto. De lá para cá, o modus operandi "aliviou", mas a farsa continua a mesma. Sob o signo da recusa ao "sistema", a preguiça ganha ares de crítica social. E o grande tédio que marcou a contracultura se aprofundou em direção ao suicídio, à melancolia e ao ativismo mimimi.
Outro traço evidente da contracultura apresentada por Tarantino é a infantilização que se tornou uma epidemia de lá para cá. Adultos que sonham em ser a bobinha da Sharon Tate no filme (hoje sonhando em ser uma estrelinha no YouTube) ou o deprimido Dalton (DiCaprio) vendo que a fama é espuma. Esse é um detalhe essencial desse Tarantino –o mundo virou Hollywood, um parque temático de farsas festivas.
O ar de faz de conta do cinema hollywoodiano, que escondia o desespero de um monte de gente que toparia qualquer sofá para chegar à fama, se fez contrato social contemporâneo. Ao contrário do que o ativismo político de gênero faz pensar, hoje não só atores topam qualquer sofá para chegar à fama, a busca do sofá se tornou um direito de todo cidadão na sua furiosa busca pela autoestima e pela fuga da irrelevância.
A agonia, o vazio, o tédio, a banalização das drogas e o desprezo pela vida cotidiana são a grande herança da contracultura –afora, claro, a boa música e os jeans. Ela foi o primeiro grande produto do capital fingindo que é contra si mesmo. "Liberando" meninas para boquetes nos carros de estranhos, a contracultura desaguou num grande tédio assexuado e num debate infinito sobre quem pode e tem o direito de comer quem ou o que.
A velocidade com a qual Polanski dirige seu supercarro cool, ao lado da deliciosa Sharon Tate, com o vento batendo no rosto, simboliza como nada a ilusão de liberdade que aquela época legou ao mundo.
A sensação de poder e sucesso, os bacanais que eram mais sono, larica e preguiça, se impuseram como cotidiano de um monte de gente que elevou a adolescência a um paradigma da vida.
O horror ao burguês, na verdade, escondia o mau caratismo da preguiça como falsa crítica social.
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