O deboche, a retórica, as armadilhas em entrevistas, o pedido de cabeças de colegas na bandeja e outras coisas do tipo inundam o pensamento público hoje.| Foto:
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A molecagem como método de pensamento e de expressão tem se imposto ao pensamento público. Egressa das redes sociais, ela contamina cada vez mais a mídia profissional.

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O deboche, a retórica, as armadilhas em entrevistas, o pedido de cabeças de colegas na bandeja e outras coisas do tipo inundam o pensamento público hoje. Um fenômeno que só reforça essa percepção é a saturação na mídia de militâncias em geral. Molecagem e militância têm se dado muito bem.

O espectro de temas em que a molecagem como método age é largo. A começar por Bolsonaro e seus asseclas. "Não sou coveiro" e "país de maricas" são exemplos de molecagem no tratamento da pandemia. Mas há exemplos menos óbvios –à direita ou à esquerda, a guerra cultural é, basicamente, o universo dos moleques.

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No contexto do debate sobre escravidão e racismo, por exemplo, vale notar que o debate exige cuidado e corre risco de desbunde. A guerra cultural, como toda polarização típica do ambiente linguístico das redes sociais, escorrega facilmente para usos retóricos de temas que são complexos.

A direita, como sempre, tende a tecer elogios do capitalismo e da meritocracia onde não é possível fazer isso. No que tange à escravidão, o papel do capitalismo dos séculos 18 e 19 foi sempre o de colocar os africanos no lugar de objetos, com consequências de cauda longa, mesmo que algumas exceções tenham, sim, ocorrido.

Por outro lado, o uso de uma linguagem um tanto estetizante calcada em expressões como "nojo", "vômito" ou "passar mal" revela um parentesco com a semântica das redes sociais ou do clássico Painel do Leitor do jornal Folha de S. Paulo (onde essa coluna é originalmente publicada). Isso nada mais é que o ethos autoritário dos comentários sendo protagonista do pensamento.

No fundo da molecagem como método há um déficit de discernimento travestido de crítica. Sem a leveza da ironia, essa retórica inviabiliza o entendimento da realidade.

Pode-se criticar duramente posições e pensamentos. O fenômeno da molecagem como método é de outra cepa, contudo. Uma de suas características é o recurso do argumento ad hominem temperado com um certo deboche, mesmo que com um grau de indignação.

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O argumento ad hominem se caracteriza por um ataque à pessoa e não àquilo que ela apresenta como conteúdo. Trata-se de uma ferramenta largamente conhecida e praticada. Na linguagem mais popular seria como falar mal de alguém em vez de se ater ao que esse interlocutor afirma.

A molecagem ad hominem difere do conhecido argumento ad hominem porque ela vem carregada do "lugar de fala" das redes sociais, um ambiente em que raramente a discussão não é ad hominem. E esse ambiente é diferente dos espaços profissionais anteriores porque o mundo ali se transforma num grande Twitter de idiotas mal-educados, no qual o recurso do argumento ad hominem é a regra, portanto, é normalizado como pensamento.

A molecagem chegou até à mídia científica. A revista científica britânica Lancet usou termos como "corpos com vagina" para se referir a mulheres. Pessoas podem sentir o que quiserem em termos sexuais, mas só a molecagem pode levar a sério a ideia de que mulheres não são mais mulheres.

A militância sempre teve vocação à baixaria com metafísica. Com as redes sociais, esse comportamento vai se tornando a única forma de pensamento público. Aqui não me refiro apenas à militância de causas importantes. Refiro-me à militância por escolas sem açúcar, por escolas sem partido, pela proibição de falas do tipo "mulheres menstruam" ou "mulheres engravidam" ou pelo uso de expressões como "vômito de bile" no lugar de argumentos. Idiotas, até na mídia, começam a dizer coisas como "pessoas que menstruam".

Vejamos outro exemplo, agora à direita. Você já percebeu que, quando algum jovem com 30 anos fica muito rico no mercado financeiro ou desenvolvendo algum produto digital, ele logo fica muito idiota e boçal? Logo começará a falar em meritocracia, anarcocapitalismo ou libertarianismo.

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A imprensa sempre teve uma vocação reprimida ao ridículo, mas que se escondia por trás da ideia de busca por audiência. O grande público sempre teve vocação ao medíocre. Hoje essa ideia se traduz no que chamamos de engajamento nas redes sociais. A molecagem é uma dessas formas, para além do bem ou do mal.