Sabe-se que o mundo corporativo está sendo chamado a compor o tecido republicano da sociedade contemporânea.
O Estado, sabidamente, não consegue mais dar conta das demandas de uma sociedade em crescente complexidade e com marcada tendência entrópica. De qualquer forma, não se pode negar a validade, por parte das empresas, de assimilar demandas sociais. É um processo sem volta.
Temas como diversidade, antirracismo, cuidados com a chamada segurança psicológica e similares – tudo compõe essa rede de demandas. Uma pedra no sapato do mundo corporativo será, cada vez mais, a assimilação das pessoas chamadas 50+. Qualquer empresa contrata um homem trans ou uma mulher trans com 25 anos, o difícil é contratar pessoas mais velhas.
É claro, o marketing, a grande ciência da mentira sistemática no século 21, continuará a fingir que a foto de um colaborador com 60 anos, vestido com roupa de ioga, significa a assimilação em escala de pessoas mais velhas no mundo corporativo. Mentira, pura e simples.
Uma questão, dentro dessa rede de demandas, é o universo contido no jargão "inteligência emocional". Conceito trabalhado por scholars de vocação ao mercado, visa criar uma ciência da gestão das emoções, grosso modo.
A intenção, portanto, como tudo o que transita pelo universo corporativo, é o resultado, o sucesso, a produtividade, a competitividade, mesmo que o conteúdo venha empacotado para presente.
Aqui vale um recuo. O movimento romântico, cujo epicentro, na segunda metade do século 18 e no século 19, foi a região que mais tarde veio a se constituir na Alemanha, se colocou criticamente em relação ao racionalismo universalista do Iluminismo francês. O lema desse Iluminismo poderia ser resumido na máxima "tudo pela razão". A racionalidade na sua face burguesa evoluiu para "tudo pela produção".
Primeira grande ressaca com a modernidade burguesa, o romantismo trouxe, entre outras características, a ideia da vida afetiva como lugar de sofrimento devido à pressão racionalista, técnica e instrumental. Não por acaso, a psicologia profunda, o inconsciente, a ideia de vida interior, os estudos modernos de religião, devem muito ao romantismo, mais do que esses profissionais imaginam.
A contradição essencial aqui é que a assim chamada vida das emoções, descendente direta do fenômeno romântico, vai de encontro – é, portanto, contrária – à lógica produtiva da sociedade burguesa. A vida emocional romântica é uma espécie de sintoma reativo à obrigação de se ser bem-sucedido em tudo o que se faz.
Vale salientar que, para a filosofia, desde a Grécia antiga, as emoções – o pathos – sempre foram vistas como uma contradição para a vida racional, um problema a ser enfrentado pela inteligência humana para que não caíssemos na armadilha de uma vida irracional, dominada pelas paixões.
Enfim, afora essas rápidas observações históricas, o fato é que a vida das emoções não é um recurso óbvio para a imposição da produtividade em todos os níveis.
As emoções não são agentes evidentes na vida da prosperidade. E aqui surge, a meu ver, uma contradição essencial para o jargão conhecido como inteligência emocional.
A chamada inteligência emocional pretende fazer das emoções um recurso para resultados, core da vida corporativa. A intenção é fazer uma gestão das emoções a fim de melhorar a carreira, os ganhos das empresas e similares.
Basta checar o trânsito do termo inteligência emocional em qualquer buscador.
As palavras-chave dialogam exatamente com campos como gerenciamento das emoções, torná-las eficazes, controle das emoções, busca de ferramentas automotivacionais, otimizar as relações interpessoais, enfim, fazer a gestão das emoções com o propósito da prosperidade.
Eis a falácia básica do projeto. A formatação das emoções para a sua gestão instrumental é patogênica no final do dia. Quando até os seus medos devem ser produtivos, não há esperança nem para a vida verdadeira do medo. A tendência é a geração de uma falsa vida das emoções que visa mais o marketing do que a vida real, se é que ela ainda existe.