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Luiz Felipe Pondé

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de 'Dez Mandamentos' e 'Marketing Existencial'. É doutor em filosofia pela USP

Catástrofe

(Foto: Pixabay)

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"Contra a estupidez, até os deuses lutam em vão", disse o romântico Friedrich Schiller (1759-1805). Voltaremos já a esta citação. Antes, uma pequena nota de contexto.
Assim como sabíamos, o Brasil mergulha numa certa "normalização" –as aspas aqui são essenciais– em meio à peste. Com o avanço caótico da vacinação, a situação se torna menos apocalíptica, ainda que não menos catastrófica. A morte continua reclamando sua paga em cadáveres. Mas o grosso da população não está nem aí, pois precisa tocar a vida e pagar as contas, como sempre foi. O Brasil continua sendo um país canalha.
A citação acima abre o capítulo 6, "Psicologia da Incompetência Política", do novo livro do historiador Niall Ferguson "Doom, The Politics of Catastrophe" pela Penguin Press, 2021 –a ser publicado no Brasil com o título "Catástrofe" pela Planeta em setembro. Segundo ele, grandes tragédias naturais são também criações humanas. Não há tragédia natural pura. E a incompetência política é um clássico que se repete.
Ferguson é um historiador anti-hegeliano. O que isso quer dizer? G.W.F. Hegel (1770-1831), um dos maiores filósofos da história da filosofia, acreditava que a história tem uma racionalidade que se materializa ao longo do tempo. Isso quer dizer que a história tem um sentido e que podemos compreendê-lo.
Ser anti-hegeliano quer dizer que a história não tem sentido algum, que não está indo para lugar nenhum, que andamos em círculos, que a contingência cega reina ao longo do tempo, e que, portanto, como se diz na Dinamarca, "só se pode prever o passado". E, olhe lá, talvez os russos é que tenham razão, "não se pode prever nem o passado". Quem vence narra a história.
Mas dizer que a contingência cega reina ao longo do tempo não significa dizer que esse reino seja um reino absoluto. Fazer história é, justamente, identificar uma certa casuística dos acontecimentos e daí aprender o que é possível aprender. O que, por sua vez, não significa que aprendamos.
Vale dizer que o livro não é um livro apenas sobre a pandemia atual, apesar de, evidentemente, tratar dela. Trata-se de uma pesquisa sobre catástrofes.
A obra é uma bela peça de análise de como a história mostra o entrelaçamento que une a natureza e o comportamento humano (social e político) em meio às catástrofes. Dito de outra forma: no caso específico de pestes, elas só se espalham graças ao movimento dos homens. Elas pioram ou não, graças ao modo como os homens reagem a ela individualmente, coletivamente, politicamente e burocraticamente.
A epidemiologia é uma ciência médica com uma face voltada para as biológicas e outra para as humanas. Quando se pensa apenas na face biológica, se esquece que o homem habita a sociologia em grande parte. Logo, a lida com a epidemia depende de como as sociedades se organizam. O Brasil é uma catástrofe histórica, logo, aqui a pandemia é pior, como todo mundo já sabia.
A humanidade já teve várias pestes e nunca estamos, de fato, preparados para elas. Logo, não aprendemos muita coisa com os eventos passados.
Um dos pontos altos do livro é quando Ferguson mostra como a burocracia médica dos Estados estava despreparada para lidar com a pandemia. Mas aqueles países mais ricos e mais organizados, é claro, se saem melhor pelas razões de sempre.
Enquanto em Davos, em janeiro de 2020, os ricos discutiam o aquecimento global, o coronavírus estava na Europa e se espalhando a jato pelo mundo. E é muito provável que continuemos despreparados para eventos como esses. E os ricos se sairão sempre melhor e os pobres continuarão a morrer do mesmo jeito, enquanto melosos juram amor a solidariedade global.
Vale apontar que Ferguson sabe se colocar muito bem diante das obsessões e do senso comum da intelligentsia mundial: apesar de todo mundo chique xingar Donald Trump e Boris Johnson, foram eles que deram o pontapé inicial para o que, de fato, tende a debelar a pandemia, as vacinas. Enquanto os idiotas da pandemia discutem se "acreditam" ou não nas vacinas, as farmacêuticas, como sempre, é que nos salvaram.

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