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Quarentena
| Foto: BigStock

Ninguém sabe nada sobre esse vírus. Essa frase vem à cabeça de qualquer um que preste atenção a muito do que trafega pelas mídias desde o início dessa pandemia.

O ceticismo é uma tradição grega. Sextus Empiricus (séculos 2 e 3 d.C.) era médico e filósofo, e representa um tipo de ceticismo baseado na percepção de que as contradições teóricas tendem a expor as inconsistências das mesmas. O ceticismo é a ruína da crença no conhecimento –por isso, muitas vezes, associa-se o ceticismo ao niilismo.

Sua prática era conhecida como empírica e se caracterizava pela dúvida em relação às disputas entre as teorias médicas de então (que hoje seriam objeto de escárnio) e pela aplicação estrita do que hoje seria chamado de protocolos bem-sucedidos no cotidiano.

À época, um médico empírico aplicaria o que sempre funcionou para um caso específico, tipo vômitos e diarreias, sem se perguntar a razão do sintoma. A anamnese iria na direção de saber coisas como o que o paciente fez antes, o que comeu e bebeu, se isso já aconteceu várias vezes, a que horas do dia costumavam ocorrer esses eventos. E aplicaria tratamentos que funcionaram em casos semelhantes.

Dessa medicina brotou um tipo de ceticismo que observa as diversas teorias, analisa suas contradições, e opta por procedimentos que sempre deram bons resultados no caso em questão.

Voltemos aos dias atuais. Não fosse pela quase memória nula da maioria das pessoas, a ciência sairia chamuscada dessa pandemia, e teríamos um surto de ceticismo.

É claro que entender o que está acontecendo hoje é como aprender o mecanismo de uma nova turbina de um avião em velocidade de cruzeiro. Mas, as pessoas que ouvem o que os especialistas em pandemias falam, tomam cada palavra como um prêmio Nobel, quando, na verdade, a inconsistência é a norma no caso do conhecimento de fato acumulado até agora.

Há um outro aspecto envolvido na comunicação de qualquer coisa relacionada à pandemia: o aspecto pedagógico. Se alguém disser que furar um olho diminui o risco de contágio, as pessoas farão fila pedindo ao farmacêutico para furar seus olhos. Por isso, todo cuidado é pouco.

Exemplos de vaivém. Pisar no chão já foi um risco monstruoso. Informações científicas de ocasião afirmavam que o vírus sobrevivia em toda superfície entre uma hora e 72 dias. Comer frutas lavadas não bastavam, lavá-las com Pinho Sol seria o mais seguro. Pisar na rua seria quase mortal: o apocalipse zumbi finalmente aconteceu. A OMS faz parte do circo: hoje medicamento X não vale, amanhã vale. E atenção: respirar pode fazer mal à saúde! Quanto à sobrevivência do vírus no ar, a possibilidade é de algo entre duas horas e 30 dias.

A ciência sempre foi controversa, mas a sensibilidade social tem vocação a buscar certezas, logo, a paciência é zero pra esse vaivém. O que eu quero saber é se posso andar de elevador e pronto! Se tiver que sair, devo comprar pela Amazon a roupa com que os astronautas foram à Lua?

Não há nenhuma certeza sobre os dados em jogo. Os modelos, portanto, são vagos. Fala-se em aumento de casos aqui, queda ali. O Brasil é segundo lugar aqui e sexto ali. Há subnotificação de casos aqui e ali. Um dia milhões morreriam, inclusive no Brasil, agora milhares já morreram. Mas, calma! Muitos ainda podem morrer.

Países modelos não estão usando máscaras ou apenas usam em locais fechados. Terá isso a ver com a imunidade de rebanho? Impossível: confinamento atrasa a imunidade de rebanho. Ou terá a ver com a eliminação do vírus via testagem e isolamento vertical? Tem países isolando bairros periféricos pra impedir que pobres contaminem ricos? Alguém sabe dizer algo de definitivo sobre a fisiopatologia do vírus?

E afinal, como anda a pandemia na África? Será que a onda de antirracismo vai tirar a África da invisibilidade epidemiológica de sempre? Duvido. Derrubar estátuas é hobby de riquinho. O mundo é um circo.

E alguém pergunta: afinal, por que confinar? Resposta cética: porque sempre se fez isso na história da humanidade e, aparentemente, ajuda a diminuir o contágio.

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