Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Luiz Felipe Pondé

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de 'Dez Mandamentos' e 'Marketing Existencial'. É doutor em filosofia pela USP

Idosos

Vaticínio de Cassandra

(Foto: Wikimedia Commons)

Ouça este conteúdo

Não se pode mais – ainda bem – atacar alguém por causa de sua orientação sexual, sua cor de pele ou sua religião. É uma falta de modos. Como mastigar de boca aberta, peidar ou arrotar a mesa. Mas é possível xingar alguém de tiozão com propriedade intelectual presumida e justificativa ideológica sustentada.

Não há muita saída para os idosos. A categoria de idoso repousa sobre a noção de idade avançada, a partir dos 65 anos e, no mercado de trabalho, dos 45 anos.

Se você for rico ou relevante, a categoria de idoso-lixo não é aplicada de forma imediata a você. Como se o dinheiro e o sucesso profissional adiassem o reconhecimento dessa condição de lixo etário. E isso de fato acontece. Ser velho é estar fora da cadeia de relevância.

Claro que a idade implica mais adoecimento, o que demanda dinheiro e cuidados. Idosos pobres são um refugo social claro. É justamente o aspecto social e econômico que dá o tom do desprezo intelectual e ideológico dirigido a essa população refugo.

Idosos morrerão antes dos jovens. Salvo no caso de acidentes de percurso, terão menos espaço de trabalho. Receberão menos investimentos. Terão menos disposição para participar na violência do mundo corporativo e do circo produtivo contemporâneo.

Você pode, tranquilamente, identificar a invalidade do que diz alguém a partir da sua idade e relacionar suas ideias a coisas ultrapassadas, seu universo a um mundo que já morreu. Ninguém vai te considerar um reacionário se você comparar alguém mais velho a um idiota maluco.

Está inscrito na condição moderna enquanto tal a não legitimidade da idade avançada – "o sujeito é um medieval".

Para escapar dessa falta de legitimidade, você deve parecer "em dia" com o que pensa e diz a parcela mais recente, digamos, da humanidade. Um exemplo disso são os pais ridículos que querem ser mais recentes no mundo do que seus filhos. A própria ideia de progresso implica a desqualificação dos mais antigos na face da Terra.

Mesmo grupos como os negros, as mulheres, os trans ou os gays –sem entrar no mérito do debate– conseguem fazer frente a desqualificação que sofrem porque, além do seu traço identitário, são jovens. Pelo menos aqueles desses grupos que importam e são ativistas, na sua maioria.

Nelson Rodrigues usava a expressão "razão da idade" para descrever um fenômeno nascente por volta dos anos 1960, de sempre se dar razão aos jovens.

Podemos usar esse seu conceito em sentido reverso, como está na moda dizer hoje. Razão da idade reversa significaria, assim, que você pode jogar pedra em alguém desqualificando-o como "tiozão". A sensação estética de que velhos fedem a mofo se transformou em um argumento intelectual.

Hoje tudo é polarização. Na universidade, nas redes sociais, nas entranhas desta Folha. Aliás, virou modinha entre os inteligentinhos querer decidir quem deve ou não escrever nesta Folha. Uma vergonha.

O ethos da polarização é o silêncio da ideia. Este mesmo silêncio que destruiu o pensamento na universidade se alarga e se aprofunda. O medo da ideia assolará o debate público.

Fosse eu pensar em termos identitários sobre a polarização entre jovens e velhos, seria obrigado a afirmar que só velhos podem falar de assuntos que envolvem velhos como sujeitos sociais e políticos. Nesse caso específico, a polarização não se constitui porque os velhos não têm lugar de fala, só para gemer e dizer idiotices.

Dizem os mais velhos que o Diabo está nos detalhes. Na forma como você xinga alguém, posso identificar sua pertença moral. O ódio é o melhor marcador moral que existe. A condição de lixo está presente na falta de legitimidade estrutural da relação entre idade avançada e discurso legitimado. Aqui, o drama não está no passado, mas no futuro.

A valorização do futuro em detrimento do passado implica a desvalorização da ação realizada – a vida de uma pessoa real – em favor de uma vida que nada fez de fato –a vida de quem acabou de chegar no mundo. Eis a tragédia do contemporâneo, essa época banal e ruidosa.

A passagem do tempo é mortal – redundância proposital. Independente de sua identidade social, você, um dia, pagará a conta.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Tudo sobre:

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.