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Luiz Felipe Pondé

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de 'Dez Mandamentos' e 'Marketing Existencial'. É doutor em filosofia pela USP

Estupidez, progresso e cansaço

Ícones / Aplicativos " 05-06-2017 " Alguns ícones de aplicativos mais baixados. Na foto, Aplicativo do WhatsApp. (Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo)

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"De repente, tornou-se indiferente pra mim não ser moderno", disse Roland Barthes (1915-1980). Que libertação! Chega a hora em que devemos investir num gesto de fôlego: encontrar nosso lugar no mundo. O culto à modernidade é uma prisão.

E se essa indiferença for, hoje, um gesto de recusa displicente ao ridículo da fé moderna? Falarei de duas formas sobre esse culto moderno: a fé em si mesmo e a fé no progresso.

A indiferença sem objeto pode nos levar à ideia de um estado místico ou simplesmente à ideia de um estado de alienação completa em relação ao mundo. Não é dessa indiferença sobre a qual falo.

Em termos contemporâneos, arriscaria dizer, com razoável consistência, que a indiferença em relação ao apego à modernidade –apego este tão ridiculamente cantado em prosa e verso pela Semana de Arte Moderna de 1922 e seu umbigo futurista– significa uma diminuição do nível de ansiedade.

E para tal, se existir algum princípio passível de ser enunciado, ele seria o seguinte: desista de controlar todas as coisas e desista de ter sucesso.

Ou uma máxima derivada diretamente da anterior: desista do autoconhecimento como chave do sucesso. A submissão da ideia de autoconhecimento ao conceito de sucesso é uma das chaves da falácia da cultura contemporânea.

Como alguém pode enunciar um princípio tão ousado na era do BBB como paradigma do coaching emocional? Em breve, não existirá mais muita diferença entre a psicologia e o marketing, seja este de teor ideológico, seja este focado no modelo do Linkedin.

Feita tal digressão, com a intenção expressa de indicar que a indiferença em relação à modernidade passa necessariamente pela desistência do sucesso e pela aceitação do fracasso do controle métrico sobre as coisas, nos indaguemos agora qual seria a fé na modernidade. Essa fé pode se apresentar de várias formas.

Não se trata de fazer uma defesa do retorno à vida natural. Nunca há retorno, a menos que acontecesse uma destruição radical das condições materiais que possibilitam a vida moderna –o que, em sã consciência, ninguém deseja.

A indiferença em relação à modernidade se refere à recusa do ato de fé em si, atribuído à máquina social moderna de mundo, vista como um bem em movimento acumulativo de felicidades.

A obra do sociólogo francês Alain Ehrenberg, no meu entender, aponta para um dos tipos de crise de fé na máquina social moderna e ilumina uma das formas referidas acima. No seu livro "La Fatigue d'Être Soi: Dépression et Société", Ehrenberg indica um dos equívocos dos modos de regulação da vida na sociedade moderna.

O contemporâneo nos chama a sermos indivíduos autônomos e responsáveis por nossas vidas, numa espiral acelerada. Nesse cenário, as relações entre as pessoas são marcadas pela demanda, cada vez mais alta, de "high performance" e sucesso.

Ehrenberg definirá a depressão de caráter social como, justamente, o reverso desse desempenho. Nós fracassamos necessariamente em nos tornarmos esses indivíduos autônomos e responsáveis.

A expressão que o sociólogo usa é "insuficiente" –e aqui ele recolhe a grande tradição agostiniana do século 17 francês. O ser humano é insuficiente para enfrentar o mundo. Sempre, em todas as vezes.

Na modernidade, passamos a acreditar que, inclusive pelos psicofármacos, pela educação e pela psicologia, poderíamos chegar à "high performance", cheios de felicidades e de sucessos.

Essa ideia de acúmulo de sucessos e felicidades nos leva a outra face da fé moderna: a fé no progresso. Em 1937, Robert Musil (1880-1942) proferiu uma conferência em Viena, em que ele chamava a atenção para o risco presente no progresso, na medida em que este carrega em si uma grande semelhança com a estupidez.

Essa conferência, intitulada "Sobre a Estupidez", está publicada no Brasil pela editora Âyiné. Nela, Musil falava, já em 1937, que, como tínhamos acumulado muito progresso até então, o risco de aumento da estupidez era imenso.

De lá para cá, o progresso só aumentou. Basta olhar o mundo corporativo para ver como a estupidez e o progresso sempre se dão muito bem.

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