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Luiz Felipe Pondé

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de 'Dez Mandamentos' e 'Marketing Existencial'. É doutor em filosofia pela USP

Falsa virtude

Hipocrisia, moral e política

(Foto: Unsplash)

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A substância da moral pública é a hipocrisia. Quando Nelson Rodrigues (1912-1980) dizia "mintam, mintam por misericórdia", ele se referia à necessidade de que mintamos em família para salvar o dia a dia das desgraças que podem vir à luz se rompermos os vínculos protetivos proporcionados pela mentira e pela ignorância.

Esses vínculos da mentira misericordiosa nos protegem dos efeitos nefastos das verdades indesejadas. Nelson fala aqui de nossa incapacidade de viver sob a luz das verdades sobre nós mesmos. Nelson é o maior moralista da literatura brasileira. Moralista em filosofia não é alguém que "caga regra", mas, sim, um especialista em natureza humana.

Por sua vez, quando o moralista francês La Rochefoucauld (1613-1680) dizia que "a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude", ele se referia à farsa e à presunção de virtude onde há, na verdade, fingimento. É dessa hipocrisia que falo hoje.

Deus e Cristo "parecem gostar" de mulheres vadias e homens maus, justamente porque não são fingidos e a sociedade aponta o dedo acusador para eles.

A suspeita de que a manifestação pública das virtudes seja pura farsa vem de longa data, seja de Jerusalém, seja de Atenas.

Na Bíblia, quando os israelitas precisam encontrar alguém de coração puro em Jericó, antes da conquista da cidade, Deus diz que a prostituta Raab é a única pessoa confiável em meio à população. Jesus Cristo defende a adúltera de seus acusadores questionando quem ali seria sem pecado o suficiente para atirar a primeira pedra na infeliz – salvando-a, assim, do apedrejamento até a morte –, e a trata com respeito e doçura.

O mesmo Cristo promete ao bom ladrão, São Dimas, o paraíso diante do fato que ele tem plena consciência de que é um pecador.

Prostitutas, adúlteras e ladrões são figuras bíblicas clichês de pecadores santos. Deus e Cristo "parecem gostar" de mulheres vadias e homens maus, justamente porque não são fingidos e a sociedade aponta o dedo acusador para eles. Nelson Rodrigues e Fiódor Dostoiévski (1821-1881) seguem essa tradição de suspeita dos publicamente virtuosos em suas obras.

Na Apologia a Sócrates, texto de Platão (427-348 a.C.) em que Sócrates (470-399 a.C.) faz sua própria defesa diante da acusação da democracia ateniense contra ele, o fundador da filosofia descreve sua vida como sendo a busca de desmascarar aqueles que mentem sobre o que dizem saber, ou por pura ignorância ou por pura farsa pública. Sócrates com sua ironia desfaz a hipocrisia daqueles que fingem ser sábios e virtuosos diante da cidade.

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Nada mudou desde então. E, provavelmente, nunca mudará. A farsa pública da moral domina a política, as religiões institucionais, os vínculos sociais, as relações profissionais e familiares, o mundo corporativo e os poderes da República, e tudo mais que o homem toca.

A força da hipocrisia como moral pública reside justamente no fato da possibilidade de humilhação, destruição e perda de patrimônio que a violência da maioria das pessoas tem sobre o infeliz acusado de falta. Além, claro, do gozo específico de ver o outro sangrar enquanto você posa de virtuoso.

Nosso mundo contemporâneo tem suas próprias farsas públicas. Nossas modas morais são exemplos claros de ativismo da hipocrisia como moradia da falsa virtude. O cancelamento é apenas um dos exemplos.

Um dos traços da hipocrisia como substância da moral pública está na cobrança contínua de que nada manche seu perfil com suspeitas de pecado mortal contra a norma pura do dia.

Exemplos: a pureza antirracista, a pureza antitransfobia, a pureza antissexista, a pureza politicamente correta, a pureza da cobrança pelo voto declarado no Lula – cobrança típica de espíritos da inquisição –, a pureza da defesa do "marco civilizatório" – novo fetiche dos petistas –, enfim, toda exigência de pureza moral ou ideológica é marca da falsidade das virtudes públicas.

A hipocrisia moral social sempre esteve mais vinculada ao ambiente religioso, como bem mostrou o filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard no século 19. A partir do momento em que a política tomou o lugar da graça como redenção do mundo – a partir da Revolução Francesa – ela passou a acolher essa forma de hipocrisia no seu seio.

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