Sim, direi eu: é óbvio que existe o inteligentinho de direita. Eles sairão logo do armário. Você está acostumado a me ver usar a expressão “inteligentinho” sem qualquer atributo, mas, quando falava, eu me referia ao inteligentinho de esquerda. O inteligentinho de esquerda chora com a própria bondade de coração, que transborda pelas rodas de sua bike importada. Por onde passa, é uma inundação de lágrimas que jorram por conta de sua imensa consciência global. O inteligentinho de direita se acha a pessoa mais esperta do mundo e tem certeza de que o homem não foi à Lua. Apenas ele sacou isso em seu irrelevante apartamento de classe média. Julga que tudo foi uma armação e que a filmagem (descobriu nas redes!) foi feita na Islândia!
O inteligentinho de esquerda vai votar com livros (mas não os lê, necessariamente); o de direita acha que a urna é manipulada pelo PT. Em uma coisa o inteligentinho de esquerda bate o de direita de longe: o de esquerda pega muito mais mulher. O de direita carrega um certo cheiro de mofo. O de esquerda começou sua carreira de truculência muito antes do de direita (inclusive contra profissionais da Folha de S.Paulo), mas acha que sua truculência é contra “gente que merece”. O de direita parece aqueles bichos presos em jaulas há anos e que agora saem com sede de sangue. O de esquerda tem amigos chiques em todos os países chiques do mundo (apesar de não falar quase nenhuma língua estrangeira). O de direita, de fato, crê que as redes sociais bastam ao mundo como ferramenta de informação. Se em 2013 eram os “picaretas ninjas” que achavam que a guerrilha com o celular ia salvar o mundo, agora são os bolsominions que pensam a mesma coisa. Os de esquerda ganham dinheiro de bancos para fazer documentários sobre pobre e bandido gourmet; os de direita, coitados, pedem esmola na rua.
Mas deixemos o inteligentinho de esquerda ir brincar no parque hoje e odiar seu ódio. Pode levar um livrinho também, como levou para as urnas. O assunto hoje são os inteligentinhos de direita. O mal que eles podem fazer à administração Bolsonaro e, portanto, ao país. Os de esquerda esculhambam a esquerda porque não sabem se devem odiar o shopping ou se beijar nele. A esquerda pós-centro acadêmico quer um shopping para chamar de seu. O grande pecado dos inteligentinhos de esquerda é a bondade que assumem ser natural deles, e o dos de direita é a inteligência que assumem ser natural.
Umas das pragas da administração Bolsonaro serão seus inteligentinhos a propor coisas idiotas. Mas hoje quero focar em uma em especial: xingar a imprensa. Chego a suspeitar que quem propõe ao Bolsonaro xingar a Folha deve estar na folha de pagamento do PT. A dificuldade típica de um inteligentinho é lidar com a ambivalência e as nuances da realidade. Ele é infantil. O de esquerda, no que tange à moral em especial; o de direita, no que tange à inteligência em si.
Sim, grande parte dos jornalistas foi formada pela esquerda e é, ainda que em alguns casos vagamente, de esquerda. A maioria esmagadora dos professores em universidades trabalha, descaradamente, pelo PT e PSol. Os professores do seu filho provavelmente pregam conteúdos de esquerda e seu filho crescerá petista. Grande parte do Ministério Público e da Justiça do Trabalho é de esquerda. Mas a Folha não é de esquerda. Nem outros veículos da imprensa. São empresas cujo negócio final é ter clientes que buscam informação e ter lucro com isso.
Pode haver contaminação ideológica em muitos agentes da mídia? Claro, assim como há entre padres, pastores, psicanalistas, artistas (quase todos, nesse caso, porque mamam nas tetas dos editais) e intelectuais. Por exemplo, a mídia é infinitamente melhor do que a universidade em termos de caráter. A pluralidade da Folha é tão óbvia (claro, não para você se você for um inteligentinho que não enxerga um palmo diante do nariz) que a Folha é a principal responsável pela maior parte da abertura na imprensa brasileira para discussões que vão além da pauta da esquerda. É duro ter de dizer o óbvio. Mas, hoje em dia, o óbvio dito é quase tocante, devido ao grau de estupidez que corre como sangue nas redes sociais.
Se a administração Bolsonaro continuar a xingar a Folha e outros veículos, vai provar que é incapaz de entender o lugar da mídia na democracia: fazer a vigília da liberdade. Quem quer autoajuda faz workshops de coaching. Quem quer crescer lê jornais.
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