| Foto: Anemone123/Pixabay
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O novo livro do escritor francês Michel Houellebecq, "Anéantir" –aniquilar ou nadificar–, é um esboço da condição contemporânea.

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Do terrorismo disseminado de forma global e digital, sem identidade ideológica evidente, da inutilidade dos especialistas em segurança nacional, da "marketização" absoluta da política, da canalhice vaidosa da mídia, dos caprichos alimentares, dos "espaços para legumes" nos parques ao sofrimento dos indivíduos cada vez mais isolados numa sociedade à deriva, ainda que tomada pela expectativa do amor como possibilidade, "Anéantir" é um tratado sobre o outono da máquina social moderna.

Como diz o sociólogo alemão marxista Wolfgang Streeck, a obra de Houellebecq é um dos melhores painéis do Ocidente capitalista decadente sem horizontes utópicos à mão. Insuperável no diagnóstico da ontologia banal do contemporâneo, sua obra mostra como o humanismo secular fracassou maravilhosamente.

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Aliás, como disse o filósofo alemão, Peter Sloterdijk, numa entrevista para a Folha de S. Paulo no ano 2000, o Ocidente é uma autoestrada em aceleração em direção ao nada.

"Anéantir" é um verbo em francês que carrega no seu radical a palavra "néant", que significa nada. Sim, há um estremecimento ontológico, além de sociológico, na obra de Houellebecq. O nada no romance é polissêmico, como é na filosofia sempre. Pode-se repousar no nada místico, como se desesperar no nada das coisas, das pessoas e suas vidas.

Como toda cosmologia melancólica, sua obra olha o mundo ali onde ele fracassa. No caso específico de "Anéantir", a entrada da morte individual destrói qualquer valor ou significado do cotidiano dos vivos. Daí nasce o caráter peculiar desta obra para com a evolução do roteiro: o que fica de pé diante do nada com nome próprio?

Sem ideologias que sirvam de justificativa para não constatar o impasse em que vivemos depois de tanto blábláblá ideológico, o iconoclasta francês avança com sua fúria peculiar contra o ridículo do vazio existencial e político contemporâneo e sua ontologia do desejo livre para nada.

O termo "anéantir", e seu substantivo "anéantissement" – aniquilamento ou nadificação –, entrou definitivamente para a terminologia filosófica e teológica francesa no século 14 pelas mãos da mística cristã, queimada como herege em Paris em 1310, Marguerite Porete, autora do livro "Le Miroir des Âmes Simples", traduzido em português como "O Espelho das Almas Simples".

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Marguerite Porete era originária da mesma região – ao redor da comuna medieval de Valenciennes, no norte da França – onde vive a mística Cécile, uma das personagens do núcleo de protagonistas do enredo cujo sobrenome familiar é Raison – razão.

A erudição filosófica e teológica de Houellebecq salta aos olhos de quem conhece o pensamento francês no seu viés pessimista histórico. Um fato que fica claro nas obras do autor é como os ditos progressistas de hoje mentem mais do que os ditos conservadores. Essa economia da mentira no pensamento público já fora identificada pelo filósofo inglês John Gray, autor do livro "Straw Dogs" traduzido em português como "Cachorros de Palha". A presença sombria, neste último romance, do pensador Joseph de Maistre, que viveu entre os séculos 18 e 19, reforça a filiação anti-humanista de Houellebecq.

Para o autor, o humanismo racionalista é um fracasso como vínculo social e moral. A obra coletiva, organizada por Caroline Julliot e Agathe Novak-Lechevalier, lançada em 2022, joga uma luz importante para quem quer ler Houellebecq para além do óbvio.

"Misère de l'Homme sans Dieu, Michel Houellebecq et la Question de la Foi" – miséria do homem sem Deus, Michel Houellebecq e a questão da fé – discute a fundo os elementos espirituais na obra do autor.

A cosmovisão do autor é uma descendente direta do pensamento do filósofo Blaise Pascal do século 17. São várias as citações do filósofo neste último romance, aliás. Para além das análises cruéis acerca dos impasses sociais contemporâneos, Houellebecq é um pensador atento ao que poderíamos chamar uma teologia da saudade do amor e de Deus.

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