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Dissociação é um termo em psicologia que descreve uma espécie de fragmentação da vida psíquica ou do comportamento. Alguém pode, por exemplo, viver uma vida dupla, sem ter plena consciência do que está fazendo. Ou praticar algo completamente dissociado do resto de sua vida, tampouco tendo plena consciência disso.

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Filmes já criaram assassinos em série que eram excelentes pais e maridos. Ou uma excelente mãe e esposa pode ter casos amorosos em viagens a trabalho como se nada tivesse a ver com sua vida familiar. Pai, marido e assassino frio. Mãe, esposa e promíscua.

Muitos especialistas entendem que algum grau de dissociação se faz necessário para suportar as enormes contradições que a vida "normal" nos impõe.

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Talvez só Deus e seu intelecto infinito (como diria Descartes no século 17), e, por tabela, sua consciência infinita, suportaria uma integração absoluta de todas as dimensões infinitas da vida e suas antinomias (contradições insolúveis).

No plano dos mortais como nós, dissociação demais –todos concordam– seria patogênico.

Refiro-me hoje a um tipo específico de dissociação que acomete as gerações mais jovens, principalmente ao adentrarem o mercado de trabalho.

Independentemente desse tipo de dissociação, vale lembrar que no grande romance "Pais e Filhos", de Ivan Turguêniev, do século 19 (e que só ele merece uma coluna), o jovem Bazárov, primeiro grande niilista da literatura russa, representante da geração dos anos 1860 na Rússia, os liberais radicais e ancestrais dos bolcheviques, já nasceu doente.

Melancólico, dissociado afetivamente, cheio de ressentimento e autoengano, o jovem, que depois virou calça jeans, já nasceu doente. Mas, voltemos a nossa pauta de hoje.

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Os jovens que adentram o mercado de trabalho hoje vivem uma dissociação que pode ser caracterizada da seguinte forma: o mercado que os recebe oferece, no plano estético ou sensorial, um ambiente de trabalho que parece uma balada.

O ambiente parece um lounge, um "everlasting" êxtase (um êxtase sem fim), com horas flexíveis de trabalho, home office descolado, ambientes de relaxamento, colegas lindas, a saúde como modelo de vida escorrendo pelas academias, causas sociais veganas de espírito, promessas de carros caros, "rooftops" com vista para o futuro, trabalho em diversos países do mundo, enfim, o trabalho e o mundo como um imenso parquinho ao alcance deles.

A vida será muito mais legal, livre, feita de escolhas e divertida do que a de seus pais e mães, atordoados, tristes e ridículos (querendo ser jovens).

Já tentei dizer para pais e mães que os filhos e filhas deles acham ridículo quando eles querem ser jovens, mas esses tolos não escutam a sempre discreta voz da razão.

Na verdade, esses jovens vivem e viverão num mercado de trabalho mais agressivo, mais competitivo, mais violento, mais sem limites, com mais demandas e mais metas 44 horas por dia. A exigência de competência será muito maior em todos os níveis, ainda que empacotada para presente.

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A dissociação patogênica aqui, dito de forma resumida, é: apesar de aderirem a uma vida "saudável", criativa e "rotinafree", os jovens –aqueles mesmos que fazem mimimi quando se fala de matadouros de gado– marcham, docilmente e felizes (sonhando com iPhones e capitais globais) para matadouros com pufes, ioga e comida orgânica.

O chamado marketing de causas ajuda muito nesse processo dissociativo que cobrará um alto preço em ansiolíticos e antidepressivos. Uma leitura que pode ajudar é "Winners Take All" (Vencedores levam tudo), de Anand Giridharadas, publicado pela editora Alfred A. Knopf, em 2018. Nesta obra, o autor mostra como o engajamento social das grandes marcas é para inglês ver.

Mas esta batalha é perdida. A lógica produtiva atingiu o nível simbólico dos contos de fadas e as antigas princesas medievais hoje são mulheres que trabalham 200 horas por dia, felizes por serem cativas.

Olho para o passado recente da pandemia e vejo como já nos seus primeiros dias o mercado do coronavírus se organizava ao redor dos delinquentes e dos conscientes.

A pandemia mostrou que nem um vírus está a salvo.

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