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As eleições de 2022 nunca vão acabar. O Brasil viverá em agonia política de forma permanente, inclusive com a religião entrando na luta pelo espaço político, como a Europa viveu séculos atrás. Religião e ódio sempre foram parceiros na história. Mesmo que esse ódio seja um ódio bem-intencionado. As eleições, cada vez mais, serão como gladiadores numa arena se matando, enquanto o povo berra à sua volta.
Não vou falar de política hoje. Quero chamar a atenção para uma ideia de um filósofo húngaro-americano, John Kekes, no seu livro Wisdom (“Sabedoria”), sem tradução no Brasil. Para pensar a política hoje, e tudo mais, faz-se necessário que reconheçamos as condições que a modernidade nos impõe. Quais são essas condições da modernidade?
A pluralidade de valores aniquilou por completo a ilusão de que exista, como se diz em filosofia moral, “o bem” a ser buscado de forma unívoca
A modernidade, cantada em prosa e em verso, é um período histórico – grosso modo, os últimos 300 anos – marcado por uma utopia da vida racional e científica, da gestão política e social dos problemas do mundo, da tentativa de superação das clivagens religiosas dentro do corpo social, da aceleração do tempo nas relações cotidianas devido ao capitalismo e à Revolução Industrial, do domínio da agenda econômica sobre as outras realidades da vida, da crença de que somos indivíduos fazendo escolhas, da saturação da informação nos meios de comunicação – conhecido como “mídias”. Existem também rupturas estéticas que impactam uma elite de ilustrados. Essas rupturas estéticas só aumentam em impacto quando passam à moda, ao design industrial e ao consumo.
Falar de condições da modernidade é apontar como ela condiciona nossa vida. Nossa vida moderna se dá dentro de parâmetros – ou condições – como os descritos acima. Ninguém escapa desses parâmetros. Você pode se dar melhor ou pior dentro do jogo determinado por essas regras, parâmetros ou condições.
Mas há outras. A modernidade gerou uma enorme incerteza na vida. Gerou também uma enorme pluralidade de valores – não gosto muito dessa expressão “valores”, que é quase tão vazia quanto “energia”, mas vá lá. A pluralidade de valores morais significa que existem tantos valores positivos e negativos quanto os atores sociais quiserem. Quase um bazar de valores. Valor hoje é coisa de branding e marketing, logo, de consumo.
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A modernidade também gerou uma utopia de que a vida iria progredir de forma plena – o que não aconteceu, afora os avanços tecnocientíficos e de gestão que geraram contradições éticas e políticas enormes. A tal “ambivalência” de Zygmunt Bauman (1925-2017).
A pluralidade de valores aniquilou por completo a ilusão de que exista, como se diz em filosofia moral, “o bem” a ser buscado de forma unívoca. “Ética”, ainda que tenha se transformado num hit de vendas no mundo corporativo, está quase lá, em vacuidade, junto com “energia” e “valores”. Dizer ética hoje é quase dizer nada. Ou é dizer “compliance”, que significa evitar passivos trabalhistas de conduta dos colaboradores que atrapalham, por consequência, os negócios e o branding das empresas – e blablablá.
Não existe solução para a sensação de incerteza e desorientação moderna
A pluralidade de valores associada à incerteza – ninguém sabe para onde vai a política, o mercado, a educação, a ciência, as mídias, todos atravessados por essa tal pluralidade – gera um mal-estar específico que nos condiciona de modo disruptivo – isto é, a utopia moderna não se realizou. Esse condicionamento é ansiogênico, o que é bom negócio para o mercado da saúde mental. Gera contencioso, o que é bom para os advogados e os juízes.
Não existe solução para sensação de incerteza moderna. Quem disser o contrário mente. A revista Foreign Affairs, na sua edição de setembro e outubro, trata da “era da incerteza” em geopolítica.
Suspeito de que a modernidade seja um surto psicótico do Homo sapiens que sempre foi monstruosamente contido pelo meio à sua volta e que agora atingiu um nível de potência ativa nunca visto antes. Somos um trem desgovernado em aceleração crescente, se deslocando em direção ao nada, como me disse certa feita o filósofo alemão Peter Sloterdijk, em sua casa, enquanto fumávamos charutos.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos