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O cansaço pode ser uma virtude, como já suspeitava Albert Camus (1913-1960). São muitas as razões para estarmos cansados. Na política então, estamos a ponto de ter de volta a gangue do PT porque a gangue bolsonarista parece pior agora.
O Brasil vive seu ocaso político: a classe política é um lixo, a elite sempre oportunista com pitadas de solidariedade gourmet, o pensamento público orgânico do PT se prepara para retomar sua hegemonia na máquina de produção de conteúdo, a extrema direita baba com sua idiotia social. O Brasil mergulha na debilidade mental como "zeitgeist", o espírito do tempo.
Mas melhor do que a virtude do cansaço é a possibilidade de não ter pressa na vida. Essa condição não é apenas uma liberdade para com os afazeres cotidianos, mas, também, uma forma de liberdade interior das mais sofisticadas. Difícil não ter pressa no mundo da velocidade da produção.
Felizes aqueles que não têm pressa – por isso não precisam se cansar com nada –, pois deles será o reino dos céus. Chegarão lá descansados. Se o cansaço é uma virtude diante do absurdo (Camus, de novo), a não necessidade de ter pressa é um ativo essencial. Um comportamento de luxo. G.K. Chesterton (1874-1936) falou algumas vezes na sua obra do luxo que era ficar na cama até mais tarde. Cansaço, ausência de pressa, preguiça –virtudes irmãs de alguma forma. Vícios no mundo da ética motivacional.
Sempre foi fácil perceber a elegância de alguém que não tem pressa. Deixar uma pessoa passar na frente na fila, sem afetação, ficar sentado horas num café lendo um livro sem fingir que o está lendo. Aliás, esse gesto está entre os maiores fetiches dos que gostariam de gostar – redundância proposital – de ler e de ir a Paris para ficar lendo num café, mas que, na verdade, correm ou para um outlet ou para um concerto para fingir erudição musical.
Se a ausência de pressa é um ativo, quais seriam suas condições de possibilidade? Antes de tudo, você pode ter um temperamento mais blasé e menos interessado na lógica estratégica interesseira que domina as relações. Mas esse temperamento em si, para se instalar de modo elegante na duração do tempo de uma vida, depende de um suporte material prévio. Dito em outras palavras, a elegância de não ter pressa depende, em grande medida, de você ter ou não ter grana. Um blasé com grana é elegante, um blasé sem grana é um maconheiro idiota.
A grana corre transversalmente em todos os casos da elegância de não ter pressa. Mas existem atenuantes. Por exemplo, a opção de não ter filhos se soma à elegância de não ter pressa porque pessoas vulneráveis não dependerão de você por anos a fio, e aí, você até pode ter menos grana do que o povo cheio da grana, simplesmente porque gastará menos. Se você tiver pais vivos, e eles não tiverem grana, possivelmente, você terá que ter pressa para gerar grana. Se eles forem ricos ou já mortos, esse problema está resolvido.
A falta de pressa como vivência é como respirar ar puro. Você decide melhor sobre as coisas e usufrui mais da mulher que ama. A vida interior é o local onde se dá o efeito mais sofisticado da falta de pressa. Só ela, a vida interior, proporciona uma apreciação estética do cotidiano para além do banal. A percepção dos objetos que compõem o mundo à nossa volta, quando desprovidos da obrigação da funcionalidade, os torna mais belos. Assim como uma mulher que você não olha apenas como objeto do sexo, mas como alguém que encanta, sem pressa, sua vida.
Talvez uma das áreas em que a falta de pressa possa revelar sua elegância de forma mais clara é no envelhecimento ou amadurecimento – apesar da tentativa de fazer das pessoas mais velhas umas retardadas mentais alegres atrapalhar a percepção desse fato. A elegância estaria, justamente, vinculada ao fato de que de nada adianta mais ter pressa, só se for pressa para morrer. O repouso na finitude anunciada deveria nos dar a todos a falta de pressa, o luxo de não ser mais escravo do sucesso em absolutamente nada. A insustentável leveza pura do ser que desistiu do olho do mundo sobre si.