O dinheiro ri da nossa cara do alto de sua condição de senhor absoluto do real. Sua atitude é semelhante àquela da morte descrita por Joseph Conrad no seu clássico livro "Coração das Trevas": a morte é uma guerreira sem pressa, certa da sua vitória, nos aguarda com um sorriso na face, do alto da sua potência absoluta. Blasé na sua condição de guerreira sempre vitoriosa. Daí sua ausência de pressa em vencer.
O dinheiro é um mestre blasé. Nós podemos ter pressa em acumulá-lo. Ele não tem nenhuma, uma vez que sabe do fato irredutível da nossa realidade: ele compra tudo, menos a eternidade. A morte ainda é a senhora absoluta. Ele compra tudo. Não da forma grosseira como se entende essa fórmula. Sua vitória se dá mais dentro da filosofia dos afetos do grande Nelson Rodrigues: "Dinheiro compra até amor verdadeiro". Lugares lindos, lentidão dos gestos, poder da generosidade.
A capacidade de encantar é da natureza do dinheiro. Sua delicadeza é tal que aqueles que se arremessam a buscá-lo de forma grosseira ou a ostentá-lo de forma abusiva acaba por perdê-lo – ou mesmo que consiga mantê-lo, o fará às custas da sua elegância.E todos considerarão você um rico brega que nada merece, mesmo que tenha dinheiro. Este continuará a se multiplicar em seu negócio, mas o excluirá da comunidade de amados.
Durante a pandemia, o dinheiro nada de braçada. Uma das suas formas menos discretas é o desejo de ser celebridade. Há pessoas por aí rezando por uma segunda onda avassaladora da Covid-19, a fim de manter seu avatar na mídia e, com isso, angariar patrocínios.
O dinheiro ri, desde o Hades, da miséria desses muitos, que como um Aquiles de bolso, sonha com a imortalidade miserável dada pelo algoritmo que mede a tração do tráfego nas redes.
O dinheiro ri da fé.
Os muitos dinheiros que são gastos em nome da grande obsessão espiritual que atravessa as fronteiras ideológicas –ou mesmo fronteiras de classe social– olham pra trás, num gesto de "longa duração", como dizia o historiador francês Fernand Braudel, e se reconhecem na pré-história: os picaretas que interpretam sonhos com os mortos o fazem desde antes da descoberta da técnica prometeica do fogo.
O dinheiro dado aos deuses, e seus burocratas, encanta o mundo porque este navega à deriva da contingência e esta é a mãe de todas as ansiedades.
O dinheiro ri do ridículo da educação.
Pressionada pelo inexorável avanço da vida como produto, as escolas nada podem fazer além de se curvarem à falsa ideia de que elas devem servir ao mercado. Tendo desistido da formação dos mais jovens, as escolas se fazem "agências de inovação" para gerações deprimidas.
Mesmo os professores, essa classe pobre e humilhada que, quanto mais velha, menos uso tem, caminha, se arrastando pelo mundo, como diria o filósofo Horkheimer, como uma espécie abandonada, à procura de alguns trocados ou restos das mesas dos ricos que os desprezam, apesar de dizerem o contrário.
Quem gostaria de ver sua filha casada com um professor?
Falando de jovens, falemos da juventude. Na mesma medida em que vivemos cada vez mais –em que falamos de novos idosos, como um mercado emergente de consumo, aqueles entre 50 e 80 anos, feliz produto do avanço médico e sanitário, este também uma dádiva do dinheiro–, os jovens biológicos vão descobrindo, assim como quem reconhece habitar um pesadelo, que a juventude passa cada vez mais rápido.
E mesmo você com 25 anos já sabe que não tem mais o corpinho que tinha aos 17.
Toda a história da cosmética e da estética dermatológica devora como uma moira grega as mulheres, cada vez mais empoderadas.
Enfim, o dinheiro ri daqueles que juram ser contra ele. Ou que supõem existir um dinheiro do bem ou do mal.
A afirmação de que no capitalismo tudo que é sólido desmancha no ar acaba por se constituir, ela mesma, num mercado, no qual o cinismo do dinheiro se faz um modelo de como ganhar mais dinheiro.
Entre todos, os mais baratos são aqueles que afirmam não ter preço. Melhor confiar nos mercenários confessos. Hoje em dia, a graça da confissão comove.
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