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A presença do elemento irracional no mundo é uma constante. A filosofia, desde sua origem, tem uma vocação a supor a existência primeira e última de uma racionalidade que governaria as coisas do mundo, e, dentre elas, o homem. Deus, logos, natureza, cosmos, enfim, todos esses conceitos, de uma forma ou outra, encarnam esse princípio de razão.

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Podemos dizer, portanto, que vivemos sob a expectativa desse princípio de razão vencer as contradições. Kant, com seu princípio de razão suficiente no século 18, e Hegel ,com sua ousada hipótese de que todo o real é racional, no século 19, são grandes manifestações dessa forma de pensamento.

Essa suposição implica o desdobramento do princípio de racionalidade em várias dimensões da vida e do mundo. Haveria, portanto, uma racionalidade econômica, uma racionalidade política, uma racionalidade científica, uma racionalidade psicológica, uma racionalidade histórica, uma racionalidade social, uma racionalidade moral.

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O ceticismo grego já havia colocado em dúvida a racionalidade do conhecimento, e, portanto, criticado o fundamento das teorias supostamente verdadeiras –por meio do uso do método de contrapor teorias opostas sobre a mesma coisa e mostrar como elas se anulam mutuamente. Tomemos um exemplo de racionalidade apontado acima: a política. O senso comum acredita muito mais nesse princípio de racionalidade do que o filósofo cético, simplesmente porque o senso comum é ignorante com relação aos limites reais de qualquer prática racional.

A simples observação do comportamento do eleitor na democracia desmancha qualquer suposição de racionalidade em seu comportamento. A irracionalidade reina quase absoluta. O eleitor não se informa de nada, não tem tempo nem memória para isso, opta por ser pragmaticamente ignorante quanto à política –alguns entendem que haveria aí uma opção racional pela ignorância por conta da inutilidade do voto de cada pessoa em si–, é eticamente condescendente com corrupção por parte dos seus favoritos, deposita nos candidatos todo tipo de tara e ignorância no momento de suas escolhas.

Para além disso, há o elemento irracional na personalidade do líder. Supor que o homem de estado estará sempre atuando a partir de princípios racionais de decisão quanto a ganhos, perdas, cálculo de riscos, diminuição de sofrimento da população, otimização de recursos ou resolução de problemas na gestão pública, é uma ilusão. Somente iniciantes pensam assim.

A obra do cientista político Robert Jervis (1940-2021) se dedica, justamente, aos elementos irracionais no comportamento dos líderes. "How Statesmen Think, Psychology of International Politics" (como pensam os homens de estado, a psicologia da política internacional) é um exemplo, aplicado ao campo da geopolítica, de como elementos psicológicos atuando sobre os homens de estado podem impactar decisões.

Tivesse Winston Churchill (1874-1965) outra personalidade, a história da resistência a Hitler (1889-1945) teria sido outra nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial? Caso Vladimir Putin fosse menos rancoroso com a humilhação que a Rússia sofreu por parte dos americanos no período pós-soviético, teria ele conduzido melhor a crise com a Ucrânia?

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Para Jervis, as opiniões que as pessoas têm sobre o mundo, as coisas, as outras pessoas e os eventos à sua volta, e entre elas também os poderosos homens de estado, não são propriamente pautadas pelo princípio racional de querer compreender o mundo e solucionar problemas ao seu alcance.

Na verdade, as opiniões e as crenças que animam os homens de estado são carregadas de expectativas que transitam pelo conforto emocional que essas opiniões e crenças propiciam a eles –assim como pela economia da sua autoestima diante de outros líderes e assessores.

Enfim, elas servem às necessidades psicológicas que eles têm como pessoas que se deixam levar por intuitos irracionais diante do cargo que ocupam e da responsabilidade deles esperada.
Enfim, assumir que o exercício do poder seja uma prática prioritariamente racional é se enganar sobre a política como ela é.