É conhecida a obra do antropólogo francês Pierre Clastres, morto prematuramente em 1977 (nasceu em 1934), intitulada “A Sociedade contra o Estado”, um estudo sobre índios da floresta amazônica e sua “recusa” da centralização política, daí a ideia de uma sociedade contra o Estado.
Faço hoje uma inversão do título de sua obra, como numa espécie de arroubo de licença poética. Falo de um Estado contra a sociedade. Falo do Estado brasileiro e sua cultura destrutiva da iniciativa dos cidadãos e de suas empresas em busca de melhorar a vida e avançar socialmente e economicamente.
Não existe avanço social sem avanço econômico. Vejamos algumas faces dessa fúria destrutiva.
Você já se perguntou por que razão você nunca viu um americano (que não tem nenhuma “proteção trabalhista”) tentando entrar ilegalmente no Brasil? Se a “proteção do trabalhador” é tão essencial, por que razão você nunca viu casos de americanos vivendo aqui ilegalmente pra poder ter essa tal “proteção trabalhista”? A razão é simples: porque é melhor ter um mercado cheio de empregos do que um mercado cheio de passivo trabalhista.
No Brasil dar emprego é coisa que devia entrar no processo canônico de santidade. Para além da questão trabalhista em si, a burocracia, a mentalidade de desconfiança contra a iniciativa privada é uma peste.
O Estado nos vê como cidadãos hipossuficientes, uns retardados que precisam da tutela dele ou dos sindicatos. Olhemos especificamente para o caso da aviação, que no Brasil é um escândalo. Olhemos para alguns detalhes.
Para começar, alguns dias atrás algum juiz, ajudado por deputados do PT (com uma pitada do Ministério Público), resolveu barrar, já por duas vezes, a fusão entre a Embraer e a Boeing.
Com sua canetinha e a ideia de que dane-se a economia nacional e mundial, tenta melar um negócio “da China”. As fábricas francesas de aviões estão a ponto de engolir o mercado mundial e criar um monopólio. Essa fusão tem um sentido dentro do mercado internacional. Mas não. O que importa é o entendimento de um cara cheio de si sobre o assunto.
Por que as companhias áreas brasileiras quebram tanto? Vasp, Transbrasil, Varig e, agora, a Avianca? (A recente decisão de ampliar o capital aéreo para investidores estrangeiros é muito bem-vinda).
A cultura institucional brasileira é típica de uma república da bananas que, em nome da “soberania” nacional, sustenta apenas a soberania da máquina do Estado contra a sociedade (e o Poder Judiciário é, muita vezes, parte do problema, e não da solução).
Por que uma Lan Chile, muito menor em operação do que a TAM, a assimilou, criando a Latam, que é muito mais Lan do que TAM?
Talvez, uma dica esteja na recente polêmica acerca da tripulação que voará no voo direto São Paulo-Tel Aviv-São Paulo. A Latam anunciou que a tripulação seria inteiramente chilena porque os aeronautas brasileiros têm restrições sindicais maiores em termos da “economia da fadiga” (grosso modo, horas de voo x horas de repouso).
Sem dúvida, é um tema fundamental. Os aeronautas e aeroviários estão entre os profissionais mais essenciais do mundo! São discretos, competentes e polidos. Sem eles, o mundo para em minutos.
Outras classes enchem o saco da sociedade e são muito menos essenciais. Mas, a questão é: por que o Brasil precisa ter uma política sindical mais restrita em termos de “economia da fadiga”? Por acaso sabemos algo que outros países não sabem sobre segurança área? Talvez sim. Mas, suspeito que isso entra no nosso pacote de uma cultura institucional que preza por atrapalhar mais a vida das pessoas do que ajudar.
A polêmica se dá, inclusive, porque não há consenso por parte dos próprios aeronautas quanto às maiores restrições. Alguns acham que chances são perdidas, como essa da Latam agora. Claro que se pode negociar um voo maior em troca de maior descanso. Mas, numa economia de mercado, a empresa (assim como você e eu quando é nosso dinheiro que está em jogo) faz as contas e chega à conclusão de que é mais racional empregar chilenos.
A verdade é que muita gente com diploma no Brasil pensa como neolíticos. E não parecem entender que a sociedade de mercado é, antes de tudo, como sabia Adam Smith (1723-1790), um “dispositivo” moral: funciona distribuindo responsabilidades e parcerias, processo esse que demanda maturidade e liberdade de ação.
A cultura institucional brasileira é construída para nos manter na condição de hipossuficientes, como dizem os chiques.
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