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Num mundo em que o marketing é a ontologia – determina a estrutura das coisas –, é inevitável que tudo seja composto por narrativas coloridas, mergulhadas num cenário de balada. Esta cultura produziu o profissional arquetípico do século 21: o picareta criativo.
Você não o conhece? Deve ter um na sua empresa, na sua faculdade, na escola do seu filho, na sua família, na sua igreja, no seu time futebol, no seu clube, no seu condomínio.
Alguns traços marcam sua trajetória. Ele mimetiza um repertório de experiências que na verdade são coitos interrompidos. Quando narrado por alguém, parece ter, ainda com pouca idade – pouca idade é fundamental porque velho não tem estampa para picareta criativo – um universo de atividades realizadas em campos distintos com suposto sucesso em todos. Mas, na verdade não, por isso são coitos interrompidos.
As palavras que definem o século 21, habitat desse espécime, são: transgressão como nicho de mercado, criatividade disruptiva.
Seja homem ou mulher, deve ser meio sedutor na fala, usar roupas descoladas – se for mulher, um pouco das pernas deve ficar a vista – e citar aqui e ali grandes clássicos que nunca leu. Deve saber um pouco de inteligência artificial para fazer previsões avassaladoras como "em breve nenhum dos cursos que você oferece na sua faculdade existirão".
Sua principal área de especialização, feita provavelmente no formato EAD, em alguma faculdade espanhola ou portuguesa – nunca fica claro se o picareta criativo de fato domina a língua inglesa – é a de economia criativa, o paraíso dos profissionais fracassados, mas descolados, seu grande ativo existencial.
Fundamental será você nunca conseguir entender exatamente o percurso dele. Nem de formação nem profissional. Para isso, a agilidade com a qual ele muda de assunto – e de local onde "esteve ligado a..." – é quase a da luz.
Uma vida cujo paradigma é um híbrido de resort gigantesco em que se tem aula de dança brega na piscina e a Disney. Barulhento e com sabor de festa.
Nomes de gente conhecida, siglas, marcas importantes, enfim, o essencial é que o vínculo dele com esses players nunca deve ficar claro, só que essa falta de clareza está em você, na sua falta de velocidade para acompanhar como funciona a mente de alguém tão "plugado no que há de ponta" no século 21, que, evidentemente, será de gente como ele, o picareta criativo.
As palavras que definem o século 21, habitat desse espécime, são: transgressão como nicho de mercado, criatividade disruptiva. No fundo, o que elas escondem é a pura e simples violência de mercado narrada como uma vida pautada por mentiras como "não siga o caminho dos outros, faça seu próprio caminho."
Mas, pergunta você, "mentira não tem perna curta?" Sua avó dizia isso, mas avós não existem mais ou não servem para nada porque "não têm lugar de fala". Essa frase não tem mais sentido, porque a mentira hoje é uma ciência prática da comunicação social. A mentira hoje tem tentáculos gigantescos, não pernas.
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O picareta criativo sabe te elogiar na medida certa. Sua roupa, seus óculos, sua caneta. Para dar o bote e se apresentar como alguém que salvará o mundo ele precisa angariar "parceiros". O mundo que ele salvará será um mundo colorido e vibrante. De pessoas potentes. Uma vida cujo paradigma é um híbrido de resort gigantesco em que se tem aula de dança brega na piscina e a Disney. Barulhento e com sabor de festa. Só pessoas felizes e que "acreditam" têm acesso.
Quase esqueci: o picareta criativo tem senso estético o suficientemente estabelecido para enganar pessoas desavisadas. Cita poltronas com assinatura de arquitetos que devem ser famosos. Restaurantes gourmet com uma estrela Michelin no seu menu de experiências e propósitos é a cereja do bolo – um picareta criativo não tem propriamente um repertório profissional, mas sim um repertório de experiências e propósitos!
Inquieto, sempre aprendendo, aberto a experiências, meditação, vida e alimentação saudáveis, leituras sobre gestão de pessoas – jamais "recursos humanos" –, ousadia, esportes radicais – supostamente –, ausência total de preconceitos, assertivo. As redes sociais dele não são grande coisa em termos de engajamento. Tal passivo de imagem é resolvido com leves comentários contra esse "mundo das redes sociais cheios de fake news". Ele está aí, ao seu lado.