Instalação artística no viaduto do Minhocão, em São Paulo.| Foto: Miguel Schincariol/ AFP
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O capitalismo se caracteriza, entre outras coisas, por ser um sistema em que o capital tende a se reproduzir como entidade autônoma. Nesse processo, ele se torna o único valor absoluto e tudo mais se torna relativo à sua dinâmica. Esse sistema se tornou total: não há vida fora dele, mesmo quando você se ilude pensando que está operando contra ele.

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O documentário "Dilema das Redes" é um exemplo desse ciclo: de dentro do próprio algoritmo (da Netflix), os entrevistados criticam a tecnologia de rastros usada pelos algoritmos, tecnologia esta que existe pra servir a você e ao revolucionário da Faria Lima no seu momento iFood. Você não sabe quem é esse revolucionário?

Calma. Antes vamos refletir sobre a ideia do capitalismo consciente, fetiche desse revolucionário. Essa ideia só é possível se a tomarmos como uma franja muito tênue do processo total, mais como um espectro da consciência do que ela própria.

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Isto é, a suposta consciência crítica é falsa na medida em que direitos humanos, inclusão de minorias, combate a preconceitos, defesa de causas ambientais só se sustentam se tais processos reproduzirem o próprio capital. E uma vez dentro do ciclo, tudo é relativo ao ganho reprodutivo dele. É neste cenário que surge o revolucionário da Faria Lima.

Esse revolucionário é um idiota ou um cínico. O idiota crê que está "melhorando o capitalismo", o cínico age de má-fé pura e simples. Este tem mais consciência do processo do que o idiota. Daí que só há consciência dentro desse processo se for cínica. Fazendo uma apropriação selvagem do conceito de razão cínica do filósofo alemão Peter Sloterdijk, podemos dizer que ela, paulatinamente, atinge sua maior idade. Toda razão cínica é, no final do dia, uma forma de mau-caratismo.

O capitalismo é inigualável na produção de riqueza, e isso tem melhorado a condição material de muita gente no mundo, apesar da desigualdade crescente.

O revolucionário da Faria Lima goza com sua condição de defensor de causas na medida em que finge não perceber que será eliminado do sistema de reprodução do capital assim que fizer 40 anos.

Pessoas mais jovens do que ele suprirão o exército de revolucionários da Faria Lima que creem, piamente, na ideia de que podendo levar seu pet para a empresa descolada, ele estará "humanizando" a produção de riqueza.

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Obcecado com a alimentação, a saúde, a natureza, a população trans, essa moçada acha que encontrará a qualidade de vida prometida pela propaganda de um mundo melhor, mesmo que a cada dia aumente a dose de ansiolítico para aguentar o medo do mundo, do desemprego, do amor, de ter filhos, da pandemia.

O capitalismo é inigualável na produção de riqueza, e isso tem melhorado a condição material de muita gente no mundo, apesar da desigualdade crescente. Vacinas, medicina, celulares, computadores, aviões, direitos humanos, enfim, tudo de bom à nossa volta depende de grana.

Eis o impasse: a riqueza é fruto de um sistema que alimenta a competição, a mentira do marketing, a obsessão pela eficácia, a exaustão, a tirania do consumidor nas redes, a desconfiança como laço afetivo, o esgotamento das relações pessoais.

A ideia de que jovens entrando na política mudará isso é para iniciantes: grande parte deles é mal preparada e busca a política como meio de vida, logo, como mercado. E, esse mercado está crescendo com todo tipo de oportunista ou desinformado.

Imagine você, caro leitor, que muitos desses revolucionários da Faria Lima, que fazem ioga e trabalham em startups, creem na publicidade de bancos e afins. Quando você vê um banco fazendo propaganda "do bem", saiba que algo está errado se você supõe que ele esteja fazendo uma revolução a partir da fidelização de seus clientes. E se você hoje está em home office, aproveite o que ainda resta de vida privada à sua volta.

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Enfim, o capitalismo consciente, maior produto da esquerda fetiche que imanta o mundo a partir da política histérica americana, é um gozo para idiotas ou cínicos. Nosso revolucionário vegano passeia com seu pet e usa a ciclofaixa da Faria Lima para ir trabalhar. Sente-se como um milênio na Dinamarca, quando, na verdade, é um mero produto do capitalismo, como o ketchup orgânico.