O mercado de turismo tem suas contradições, como todo mundo. À medida que cresce, o turismo vai produzindo formigueiros à velocidade da luz. Criando espaços intragáveis devido ao acúmulo de pessoas que vão ascendendo ao consumo do turismo. À medida em que se torna democrático, o turismo transforma o mundo numa grande Praia Grande ou em um imenso churrasco na laje. Nem o Evereste escapa ao paradigma da viagem brega como ontologia.
Sim, eu sei. Os inteligentinhos dirão que sou elitista. Mas não me interesso pelo que eles pensam. Mas, sim, evidentemente, a contradição do mercado do turismo é esta mesma: para crescer tem que ampliar o alcance. Para tal, tem que trazer mais gente para o barco, para o hotel, para o avião, para as geleiras, para os desertos, para as ruínas, enfim, transformar o mundo numa grande Praia Grande.
Claro que os agentes que atuam nesse mercado seguem a rota clássica de buscar desenvolver produtos que encontrem um espaço mínimo para as pessoas respirarem fora desse imenso churrasco na laje em que se transformou o mundo depois que o mercado do turismo virou farofa.
Mas, existem outras contradições nesse mercado, e que não estão apenas ligadas à oposição entre o consumo em escala e o de luxo. Uma delas é o modo como se dá a relação entre o turista e o lugar que ele visita. Ela pode ser destrutiva num sentido de mão dupla. Vejamos.
Num primeiro sentido, o local visitado pode viver sua transformação num destino turístico como uma cidade invadida por uma praga de gafanhotos. Turistas, na condição natural de idiotas fora de seu próprio habitat, facilmente se põem a destruir o espaço que visitam, produzindo lixo, sujeira, barulho, inflação dos preços, consumismo. Podem mesmo implodir a estrutura feita para recebê-los. Há uma ansiedade de gozar no turista que pode fazer dele um vírus.
São muitos os exemplos de cidades no mundo que tentam evitar esse vírus. Praias são destruídas por esse vírus. Mas –e é por isso mesmo que se trata de uma contradição estrutural do mercado, e não vejo solução pra ela–, é justamente esse efeito viral que gera dinheiro, riqueza, economia, emprego. O turista é um gastador por natureza, e, por isso mesmo, ela gera riqueza fácil para quem o recebe. A França bem sabe disso. A Turquia também. E Portugal, recentemente, também. Logo, a Lua sofrerá os efeitos desse vírus. Mas, quem em sã consciência no Rio ou em Salvador abriria mão da praga do turismo?
Mas, há o sentido contrário dessa relação entre o turista e o destino que o recebe. Se acima acabamos de descrever o turista na sua dimensão negativa, a de um idiota fora de seu habitat, produtor de lixo, barulho, sujeira e afins, há uma outra dimensão desta relação, na qual o turista é a vítima da estupidez de quem o recebe.
O turista é visto, muitas vezes, pelas pessoas que usufruem de seu investimento em viagens, como um pato a ser frito. Por ser ele mesmo alguém com vocação a viver a condição de um idiota fora do seu habitat natural, o turista é visto como um pato pronto para ser acharcado.
Ao invés de ver nele alguém que traz riqueza, trabalho, futuro, economia para a população que o recebe, ele é tratado como objeto de ganância, a mais vil e imediatista. O gringo é a bola da vez.
A ideia é tirar todo o dinheiro desse pato, oferecendo a ele o mínimo de retorno possível. E nesse sentido, a recepção do turista se faz predatória de si mesma. Mas, como o mundo é grande, e a vocação a ser idiota e pato do turista é um fato (a busca de diversão, comida e sexo faz de qualquer pessoa uma presa fácil), sempre haverá espaço para muitos dos profissionais que lidam diretamente com o turista nas ruas tratá-lo como alguém a ser acharcado.
Entre o destino de fazer do seu consumidor um vírus ou um pato, eis a armadilha do mercado do turismo (ainda que o turista seja um vírus ou um pato "espiritual" ou de luxo). Nem o marketing nem o branding são capazes de responder a esse desafio porque a vocação dessas disciplinas é, justamente, investir nesta condição de vírus ou de pato.