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Luiz Felipe Pondé

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de 'Dez Mandamentos' e 'Marketing Existencial'. É doutor em filosofia pela USP

Literatura

Os idiotas digitais e os clássicos

Detalhe da obra O Bibliotecário, do pintor italiano Giuseppe Arcimboldo (1566). Imagem ilustrativa. (Foto: Reprodução)

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Na semana passada, nesta coluna, fiz referência a uma categoria típica da fauna dos tais imbecis aos quais Umberto Eco (1932-2016) fez referência quando falou da catástrofe da inteligência nas redes sociais.

"As redes sociais deram voz aos imbecis." A afirmação pode ser vista como um canto do cisne melancólico ou um enunciado de profunda percepção do contemporâneo. Ou as duas coisas ao mesmo tempo.

Lembro quando, nos anos 1990, o historiador francês Jacques Le Goff (1924-2014) me falou, numa entrevista para o jornal O Estado de S. Paulo, do seu temor de que a cultura ocidental estivesse à beira de uma crise profunda por causa do lixo americano crescente que começava a soprar.

A leitura de um clássico pressupõe a suspensão de qualquer juízo moral da moda para consumo, que é o único tipo de ética disponível para os idiotas digitais em busca do sucesso

Tanto um quanto o outro, no meu entendimento, estavam corretos em seus sentimentos melancólicos e em suas análises do contemporâneo.

Perguntaram-me: o que é o idiota digital do qual falei na coluna passada e qual é a sua relação com os clássicos? Vejamos algumas frases típicas que podem ajudar a identificar um idiota digital falando de um grande clássico. Em seguida, proporei algumas poucas ideias de por que um grande clássico é um grande clássico.

Como reconhecer um idiota digital falando de clássicos?

"Estava lendo 'X' – 'X' aqui sempre igual a um título de algum clássico – e vi uma frase racista! Oh! Imediatamente pus o livro de volta na estante e nunca mais vou abrir esse livro horroroso." "Estava lendo 'X' para meu filho e vi uma frase sexista! Oh! Fechei o livro na hora e disse para ele reclamar na escola por ter adotado esse livro horroroso." "Estava lendo 'X' e tinha um trecho em que pessoas foram mortas numa batalha! Oh! Botei de volta na estante e nunca mais vou olhar para esse livro horroroso!" Mas deixemos de lado essas bobagens. Passemos ao que interessa.

Friedrich Nietzsche (1844-1900) disse que a intimidade com os clássicos nos deixa céticos. E que essa intimidade seria a única salvação para a miserável educação moderna. O que isso quer dizer?

A leitura de um clássico pressupõe a suspensão de qualquer juízo moral da moda para consumo, que é o único tipo de ética disponível para os idiotas digitais em busca do sucesso. Eis o ceticismo.

Um clássico, quando lido sem o filtro de qualquer autoestima ou narcisismo, faz sentir ódio, desprezo, encanto, vontade de matar, vergonha de ver em si mesmo sentimentos baixos. Inveja de quem é melhor do que você, paixão por quem lhe revela uma beleza que você desconhece em si mesmo.

A insegurança mortal do amor, a dúvida constante em relação à fidelidade da amada ou do amado. A dura descoberta da indiferença dos elementos do mundo que nos acossam de todos os lados. O choque diante do fato que um texto datado de 2.000 anos pode ser mais "avançado" do que você.

Como diz Electra na segunda peça da trilogia Oresteia, de Ésquilo: "Onde está a alegria? Que há isento de dor? Não é invencível a desgraça?".

No espírito cunhado na filosofia nietzschiana, vemos que o ressentimento, típico dos idiotas digitais, não alcança a beleza de tal desespero essencial porque crê nos seus tuítes a favor da causa da moda, a fim de engajar patrocinadores oportunistas e seguidores anônimos.

Nada disso está ao alcance dos idiotas digitais porque eles se consideram membros do enxame dos bons. E o enxame dos bons é constituído pelos idiotas do bem. Como uma praga de gafanhotos que não se sabem gafanhotos, devoram as letras ao sabor do seu puritanismo capenga.

A leitura dos clássicos nos faz céticos, segundo Nietzsche, porque nos oferece gotas da condição extramoral a qual ele buscava. A única que nos faz ver a alma do mundo sem véus.

O escritor italiano Italo Calvino (1923-1985) dizia que um clássico nunca acaba de dizer o que tem para nos dizer. Pode ser lido e relido em momentos diferentes da vida porque o leitor, você, é outra pessoa depois que o mundo o tocou impiedosamente. E a piedade, como toda virtude, só brota num terreno que lhe é hostil.

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