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Luiz Felipe Pondé

Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de 'Dez Mandamentos' e 'Marketing Existencial'. É doutor em filosofia pela USP

Pergunte aos mortos

(Foto: Pixabay)

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Muita gente me pergunta qual é a diferença entre conhecimento e sabedoria. Parece uma questão fácil, mas ela não é tão simples assim.

Alguns podem dizer, com razão, que conhecimento é a reunião de um repertório de informações organizadas e não fragmentadas a partir de conceitos e sistematizações. Resposta chique e consistente.

Sabedoria seria algo mais do que isso. Seria um conhecimento vivo, encarnado na pessoa e nos seus atos, e não apenas um repertório de ideias, conceitos e fórmulas. Também está valendo. Sabedoria não vira tese de doutorado. Seu conceito pode ser objeto de doutorado, mas são inúmeros os doutores muito pouco sábios.

Há um outro elemento que me parece essencial na sabedoria: é possível ter muito pouco conhecimento conceitual e livresco e ser muito mais sábio do que alguém com um PhD.

Não me compreendam mal: longe de mim negar o valor do conhecimento organizado, institucional e titulado. Sou um animal deste mundo e sei da importância da competência conceitual e técnica para uma sociedade. Minha questão aqui é outra: como poderíamos identificar essa diferença de uma forma mais simples?

E aí me vem à memória um conto hassídico. Hassidismo é uma vertente mística do judaísmo do leste europeu. Típica dos séculos 18 e 19, foi especialmente devastada pelo nazismo. Seu fundador, conhecido como Baal Shem Tov, o mestre do bom nome, era uma espécie de pai de santo xamânico iluminado, nascido em 1700.

Aprecio enormemente o hassidismo, muito mais do que a cabala, apesar de saber dos vínculos entre eles. A cabala tem sido muito prejudicada pelo fato de que virou moda na onda das novas espiritualidades, que são sempre um lixo.

A literatura hassídica é formada por contos escritos por autores de quem pouco se sabe. E esses contos são ouro puro pra quem quer entender o que é sabedoria, o que é conhecimento, e por que os dois são diferentes. Vamos a um deles?

Um jovem aspirante a rabino volta para a casa dos pais nas férias. Ele tinha ido morar com um grande rabino, responsável por treinar jovens como ele.

Chegando em casa, o pai percebe que o filho aparenta estar um pouco decepcionado. Pergunta: "filho, por que você parece frustrado? Não está apreciando ser discípulo do 'Rebbe'?" O filho responde: "claro que aprecio, mas ele quase não para para me dar aulas!".

O pai abre um sorriso discreto e diz: "filho, você não foi viver com o 'Rebbe' para ter aulas, você foi viver com o 'Rebbe' para aprender como ele amarra as botas!".

Um pobre de espírito dificilmente entenderia a moral da história desse conto. Afinal, o modo de amarrar as botas, assume esse pobre de espírito, dificilmente demonstra qualquer sabedoria ancestral impregnada numa pessoa.

A ideia, no entanto, é que a sabedoria de um indivíduo é perceptível nos detalhes do dia a dia, na forma como ela fala e como trata os demais, e não especificamente quando ela disserta sobre um tema difícil. A sabedoria é "finesse" de alma.

Seguramente, algum picareta chamaria esse "amarrar as botas" de "soft skill", habilidade comportamental no jargão dos empresários de hoje, e proporia um workshop patrocinado por uma marca de botas descolada.

E aí vem uma questão que me faz suspeitar, nos momentos mais sombrios, de que não há espaço para a sabedoria hoje. Alguns bobos acham que basta mandar vídeos melosos no WhatsApp, ou frase de chineses que ninguém conhece e que viveram 3.000 anos atrás para "aprender sabedoria".

Mas a sabedoria não é aprendida, e sim apreendida. O que implica tempo, convivência cotidiana e repetição.

A temporalidade contemporânea é um tanto impermeável a esse modo de aprendizagem por, digamos, impregnação. Não que a sabedoria não assimile a passagem do tempo e os novos conhecimentos, mas ela o faz do ponto de vista dos mortos e não do ponto de vistas das novas gerações.

Só há sabedoria onde há reverência aos mortos. Há de se perguntar a eles se estou ou não sendo sábio. Esse conhecimento chega até nós pelos idosos e pelos textos que nasceram antes de nós.

A verdadeira fonte de sabedoria são os mortos. E o que eles sabiam e nos ensinaram. Mas os nossos mortos já não valem nada. O mundo da inovação é, por definição, um mundo estúpido, que não sabe amarrar as botas.

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