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Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Luiz Philippe de Orleans e Bragança

A direita socialista

Monumento a Karl Marx na cidade alemã de Chemnitz. (Foto: Bigstock)

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Notaram como o atual criminoso no poder, em apenas um ano, avançou quase toda a sua agenda econômica, política e social, revertendo o cenário criado pelo presidente anterior? Notaram como foi difícil para Bolsonaro governar ou sequer avançar alguma reforma durante seus quatro anos na presidência? A razão é que o criminoso no poder conta com um aliado poderosíssimo.  Seria ele o STF? A Polícia Federal? Os melancias nas Forças Armadas? O Congresso? A mídia? O sistema de ensino? Não, é mais poderoso que todos eles juntos: o Estado Brasileiro. Ele é a base da Hidra de Lerna que recria socialistas e populistas crise após crise.

O que define o Estado é a Constituição.  É ela que constrói, define a função das instituições públicas e baliza as leis que determinam como essas instituições irão operar entre si e com a sociedade. Um Estado que tem como função distribuir renda e fazer justiça social é chamado Estado Social.  Em outras palavras, o Estado Social é socialista, e nas mãos de um governo socialista gera uma união forte contra a sociedade.  Ou seja, serve de alicerce para a tirania do Estado.

A origem deste modelo surge na Europa, em função dos levantes populares do século 19 e do crescimento do movimento comunista.  A partir do início do século 20 vários países europeus já degeneram para um Estado Social por meio de várias mudanças constitucionais ou novas constituições.  É óbvio que naquele momento o Estado Social era promovido como um avanço, mas ao final do mesmo século 20 praticamente todos os países europeus tiveram que reformar suas instituições e leis para sobreviver devido às crises que os modelos socialistas geram ciclicamente.  

A esquerda, ao longo do século 20, composta por vários movimentos comunistas, socialistas e social-democratas, através de mobilização popular, redefiniu a agenda política, a natureza das instituições e as leis que criaram os pilares dos diversos Estados Sociais europeus.  Entretanto, ela não foi necessariamente a protagonista de sua implementação. Infelizmente, parcelas expressivas da direita conservadora europeia apoiaram a criação dos pilares de seus Estados Sociais.  Diversas razões estavam por trás dessa decisão: 

  1. Quiseram aproveitar o aspecto de controle social que as novas ideias proporcionavam; 
  2. Queriam garantir ganhos políticos de curto prazo;
  3. Ignorância: não sabiam detalhes do plano comunista, aceitavam passivamente a criação de alicerces ao totalitarismo de Estado;
  4. Houve impasse político, gerado pelas mobilizações da esquerda; 
  5. Falta de visão das consequências políticas e econômicas que ainda estariam por vir;
  6. Falta de ideias alternativas e por não saberem argumentar contra a filosofia e o método marxista. 

Afinal, que pilares do socialismo são esses que tiveram tanto apoio dos conservadores a ponto de se criar um estado tirânico?

Pilares do Estado Social: Leis trabalhistas, previdência social, saúde universal, educação pública, assistencialismo e estatização de empresas formavam o cerne do modelo do Estado Social.  O objetivo era criar um estado de bem-estar social onde tudo era regulamentado e dirigido pelo Estado e no qual a promessa era atingir a justiça e igualdade social.  Os cidadãos pagariam por esses serviços obrigatoriamente através de impostos – cada vez mais crescentes para os “burgueses” – e os benefícios seriam prioritariamente para a classe proletária. 

Todo avanço na politica depende de impasse.  E a esquerda faz isso com maestria. Até hoje é difícil encontrar alguém na direita abertamente contra os serviços públicos propostos pela esquerda. No próximo artigo iremos explicitar os princípios que criam alternativas para cada um desses serviços que a esquerda impôs como sendo necessariamente obrigação do Estado.  O desconhecimento de tais alternativas, ou as dúvidas de que elas não funcionem, foi o que gerou a aceitação tácita desses pilares como sendo avanços civilizatórios.  

Na “Política das Tesouras” do século 19 e 20 - em que comunistas promoviam levantes populares nas ruas e os social-democratas promoviam o Estado Social como saída institucional para caos - a direita tradicional se viu despreparada e incapaz de articular e popularizar alternativas. Ficou encurralada tendo que apoiar, ou até mesmo liderar, a criação do Estado Social para apaziguar as mobilizações populares. 

A Direita Cooptada: Na França no século 19, o Imperador Napoleão III promoveu reformas políticas de inclusão social e iniciou o uso político de obras públicas e programas como o hoje conhecido “minha casa minha vida” para ganhar apoio do proletariado e legitimar parcamente seu governo. No século 20, após a Segunda Guerra, foi a vez do general supostamente conservador de Gaulle estatizar empresas e estabelecer regras para previdência para atingir o mesmo efeito.  

Na Alemanha, o militar também dito conservador Otto von Bismarck, ao final do século 19, percebeu o benefício político de instituir a previdência social para obter apoio da classe operária. Ao final do Império Alemão, no início do século 20, os demais pilares do Estado Social alemão foram petrificados na constituição da República de Weimar, que gerou crise de hiperinflação e serviu de base constitucional para a ditadura nacional-socialista de Hitler nos anos 30 e 40.  

Na Itália, o ditador nacional-socialista Mussolini, iniciou o processo de alterar a constituição para criar o Estado Fascista que nada mais era que a versão italiana do Estados Social a partir dos anos 20.  Com o risco de uma revolução comunista na Itália em 1919 e 20, os conservadores italianos da direita tradicional (aristocracia, clero e militares) se viram forçados a apoiar Mussolini.   

Após a Segunda Guerra, na Inglaterra, o primeiro-ministro aristocrata Lord Attlee, pasmem, líder do partido dos trabalhadores, introduziu todos os pilares do estado social inglês e foi aclamado por diversos setores como sendo o melhor primeiro-ministro de todos os tempos –  mesmo com Churchill ainda vivo.  A partir daquele momento, a Inglaterra deixou de ser o país líder da economia na Europa.   

Reformas Lá – Isolamento Aqui: Entretanto, ao final do século 20, as premissas fundadoras do Estado Social já tinham caído por terra na Europa em função das crises que geravam.  Inúmeras reformas foram promovidas nos países europeus desde a criação da OCDE nos anos 60 para evitar essas crises socialistas. Mesmo assim nenhum país reverteu inteiramente ao modelo anterior ao do Estado Social e a Europa hoje continua com resquícios do modelo social-democrata só que reformado. Meio Avanço! 

Enquanto isso, na América Latina, a partir dos anos 1930, abraçamos o Estado Social criado por ditadores nacional-socialistas como Vargas, no Brasil, e populistas como Perón, na Argentina. Durante todo o século 20 a América Latina padeceu nas mãos de ditadores e populistas insistindo em fazer seus Estados Sociais darem certo e falhando a cada tentativa.  Enquanto a Europa reformava seus Estados e integrava com politicas públicas sustentáveis a partir do anos 60 a América Latina se isolava.  Alguns países latino-americanos até sucumbiram totalmente ao comunismo como Cuba, Nicarágua e Venezuela.  Até hoje o sucesso de reformar esses modelos na América Latina foi limitado a algumas exceções, como foi o caso do Chile.  

Os Socialistas da direita: Anteriormente mencionei que a direita se viu acuada diante das narrativas e sem opção para fugir do Estado Social que se impôs em diversos países. Mas para ter evitado isso teria sido necessário coesão ideológica, que a direita nunca teve, ou no mínimo compreensão do plano da esquerda para poder negar seus detalhes.  Hoje temos que reconhecer a existência de pelo menos quatro grupos na direita que ajudaram e continuam ajudando na sustentação do nosso Estado Social se quisermos avançar em resolver de fato nosso problema politico: 

Conservador Socialista – Marx, na sua época, havia descrito esse grupo como “feudal” ou “reacionário” pois era o posicionamento de uma parcela da antiga aristocracia que, segundo ele, oferecia uma falsa visão de socialismo: esse grupo, apesar de ser contra os valores da burguesia, via a saída para as desigualdades nos valores cristãos de bondade, caridade e ajuda voluntária. Marx não queria nada disso, pois mantinha a estrutura tradicional de poder.

Nos dias de hoje a nomenclatura para esse grupo ainda serve, mas com ajustes na definição: hoje esse o grupo acredita em preservar a tradição de costumes da família e da cultura cristã, mas admite passivamente que o Estado assuma o papel assistencial, que os pilares do Estado Social são bons e acredita no almoço grátis. A maior parte da população que se assume de direita está nesse grupo e não conecta crises na economia com o Estado Social e também não sabe como o Estado Social priva a sociedade de oportunidades, renda, propriedade privada e como isso prejudica as famílias. 

Burguês Socialista – Na literatura de Marx percebe-se que esse grupo ainda existe e há pouca necessidade de se fazer atualizações.  Esse grupo vê a oferta de serviços públicos de qualidade como algo tangível, sustentável e necessário para aumentar a qualidade de vida e acalmar demandas sociais, no entanto, não querem o ônus de ter que financiar, muito menos montar serviços alternativos para esse efeito. Tolera o progressismo na educação e na cultura, são apátridas e aceitam a agenda política globalista, mas são contra qualquer ruptura que cause instabilidades na economia.  É uma falsa elite que se julga moderna e sofisticada por ter mais renda e propriedade.  Alguns até escolhem uma causa ou grupo carente de estimação para ajudar diretamente.

Nesse grupo se encontram os que desfrutam dos benefícios do capitalismo como os “Faria Limers” do mercado financeiro e das grandes empresas em geral, assim como todos que os servem como executivos, gerentes, consultores, economistas, advogados, gestores, a alta classe média urbana, e todos com quem convivem nesse meio social como artistas e filantropos.  Eles pagam altos impostos, mas não utilizam serviços públicos nem cobram resultados. Esperam que com bons gestores públicos a utopia do “estado eficiente” se materialize. Apoiam reformas conservadoras somente quando há uma crise do Estado Social: por excesso de corrupção, por excesso de carga tributária ou regulamentações ou quando afetam seu conforto material e seus negócios.


Nacionalistas - São os patriotas. Esse grupo era ainda nascente na época de Marx e só tomou corpo ao final da Primeira Guerra Mundial. É um grupo ferrenhamente anticomunista, mas a modalidade mais tradicional de nacionalismo é, infelizmente, socialista.  É o Nacional-Socialismo que defende a estatização de empresas, o trabalhismo e o protecionismo; para esse grupo, o controle do capital, do trabalho, da propriedade e da economia como um todo é uma questão de soberania.  Enquanto os nacionalistas cresciam politicamente, os conservadores ficaram apequenados e muitos passaram a apoiar os nacionalistas.  A politica nacionalista de proteção de soberania sempre irá atrair a ala conservadora da direita e tem de evoluir para não reforçar politicas socialistas de controle interno.

Corporativistas - Esse grupo é mais bem descrito por seu comportamento quando sai prejudicado ou beneficiado por alguma ação do Estado Social.  Muitos que se acham conservadores de direita o são, até que os benefícios que recebiam do Estado são cortados ou ampliados, e nesse momento percebemos que ele é na verdade um corporativista.

Cada grupo tem sua fraqueza: para empresários o ponto fraco são os gastos diretos de governo, os subsídios, as proteções, as isenções e os créditos que possam favorecer um setor ou aquele empresário em específico;  para o funcionalismo público, militares e policiais são os salários e benefícios de aposentadoria estatal;  para profissionais liberais são serviços contratados por agências do estado, empresas estatais, secretarias e ministérios; para conservadores em geral são os programas sociais, as regras trabalhistas, sistemas “gratuitos” de educação e saúde. Todos essas alavancas são usadas para dividir e dissuadir aqueles que seriam oposição ao Estado Social.  Todos os corporativistas são tentados a abrir mão do combate ao socialismo quando sua classe social, seu segmento empresarial ou sua categoria trabalhista tem algo a perder ou a ganhar.  E os socialistas sabem se aproveitar desse grupo para se reerguer.   

Em suma, esses grupos constituem os socialistas na direita que ajudaram a criar e a manter o maior aliado do grupo criminoso que tomou o poder no Brasil.  Com o Estado Social, o mal do socialismo sempre se regenera, e rápido.  

O intuito deste artigo é apontar como e por que membros da direita apoiaram a criação do contexto socialista atual.  Quem sabe alguns se identifiquem com algumas dessas colocações e expurguem o aspecto socialista de dentro de si para que possamos agir de forma mais coesa politicamente.  

Mas a jornada não termina com o expurgo do socialista dentro de cada um de nós. Nos resta responder questões importantes: por que liberdades e livre iniciativa não coexistem num Estado Social? Como sair do socialismo? Por questão de tamanho de artigo essas perguntas serão respondidas no próximo texto. Será o último artigo dessa série de contextualização do nosso problema e sugestão de nossas saídas.  O exorcismo continua.  Nos veremos lá. 

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