| Foto: Mohamed Hassan/Pixabay
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Em 1992, tive o privilégio de ter aulas sobre o tema “opinião pública“. O assunto não era visto como disciplina acadêmica até os anos pós Segunda Guerra Mundial, em que se evidenciou o crescimento de sua importância para a política no século 20. Um resumo do que foi estudado é que a fazer a leitura correta da opinião pública não apenas é importante para definir a troca de poder nas democracias, mas fundamental para que os ditadores mantenham suas ditaduras.

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Massa crítica

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As ideias e opiniões fluem com diferentes graus de liberdade na sociedade. A questão é saber em que momento se atinge uma massa crítica com número e energia de ação relevante. Não há fórmula para definir resultados, pois trata-se de um critério subjetivo, no entanto, existem sinais que nos levam a considerar o ponto de coesão e mobilização. 

Em Paris, por exemplo, em função dos diversos atentados e ameaças terroristas nos anos 70 e 80, conduziu-se uma experiência social nos anos 90: um estudante andaria na Champs Élysées seguindo o fluxo de pedestres de uma calçada e, em determinado momento, o estudante se viraria bruscamente, simulando medo, e correria na contramão do fluxo. O experimento serviria para avaliar quantos estudantes, seguindo esse script, causariam um efeito catalisador na massa. 

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O experimento, naquele contexto, determinou que seriam necessários mais de 10 estudantes juntos fazendo o mesmo para gerar um efeito de pânico nos demais pedestres. Mesmo sem saber o que estava acontecendo, os transeuntes começaram a correr no mesmo sentido dos estudantes em estado de medo: atingiram o ponto.  

Resultado: um punhado de estudantes foi capaz de gerar uma reação em cadeia em centenas de pessoas. Para mobilizações políticas, o efeito cascata é o mesmo. 

Ditadores e democratas estão sempre em alerta para saber quando a opinião pública atinge uma massa crítica sobre um determinado tema ou pessoa para resolverem agir

Ninguém segura o dinossauro

A opinião pública, quando está inerte, sem curso definido, assemelha-se a um enorme dinossauro herbívoro, parado na beira de uma lagoa, ruminando. Vários bichos menores o cutucam, incentivando-o a se mover para uma ou outra direção; sem sucesso, é claro, pois seu tamanho e complacência o tornam um verdadeiro impávido colosso.  

Entretanto, quando o dinossauro resolve se mexer, nunca se sabe bem o porquê e qual direção este tomará. O bicho que gerou aquela última cutucada, disparando o gatilho para que o dinossauro consolidasse sua ação numa dada direção, raramente tem o controle dos desdobramentos, nem dos estragos que o dinossauro colossal pode causar contra o próprio bicho que o cutucou.

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A metáfora do dinossauro carrega uma mensagem para o ativista político que quer fazer valer sua agenda: a opinião pública precisa estar constantemente estimulada, por diversos agentes, de diferentes formas, pois nunca se sabe qual será o agente e o meio responsável pelo gatilho. Todos os agentes, canais e meios devem convergir a um ponto direcional claro, para que, quando a opinião pública resolver se mexer, as chances de seguir um rumo esperado sejam maiores.

Diga-se de passagem que os marxistas dominam esse processo com maestria, mas mesmo comandando todos os canais de influência, eles sabem que ninguém comanda o dinossauro. Por isso, sabem se moldar ao lado dominante.

Ônibus ladeira abaixo

Mas, se a massa crítica já está formada, a mobilização está em curso, em ação, isto é, o dinossauro está andando. Nessa situação, temos que entender que a opinião pública funciona como um ônibus lotado descendo sem freio ladeira abaixo. 

O agente político nessa situação tem algumas opções: pode ficar dentro do ônibus, com a opinião pública, imerso em suas demandas e expectativas, energizando a ação; pode estar em cima do ônibus, olhando e avisando a todos para onde o veículo está indo, ou até, quem sabe, dando os próximos passos, a direção para aquele movimento.

Por fim, ele pode estar fora do ônibus, ao lado, vendo-o passar e analisando toda a trajetória, descrevendo a situação e possíveis alternativas - essa posição também é importante, pois pode ver algo que outros envolvidos não veem, uma curva inesperada, um buraco ou uma pedra que possam causar acidentes.

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Todos esses posicionamentos são válidos para aqueles que querem ajudar o processo político em curso: dentro, acima e ao lado significam energia, direção e estratégia, respectivamente.

Mas há uma posição com a qual o agente político deve ter cuidado: nunca ficar na frente do ônibus.    

Fechando o cruzamento

Há sempre aquele que opta em se colocar na frente do ônibus, como quem diz: “Parem, não é esse o caminho! Não é agora! Não é dessa forma!”. Este é o agente público que não fez uma boa leitura da opinião pública e não viu que já há massa crítica formada sobre um determinado tema. 

Este será atropelado, pois, escolheu o local reservado aos inimigos políticos. Eu já me encontrei nessa situação em algumas ocasiões, pois não tinha visto o ônibus. 

Uma vez que a opinião pública esteja em curso, não há como pará-la, senão por seu próprio esgotamento, mesmo que um agente que esteja na frente do ônibus tenha razão. Aqueles que ficam na frente são sempre atropelados, são colocados de escanteio pelo movimento e saem raramente de uma situação de atropelo como heróis. 

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Não se vê muitos - do mesmo movimento político - colocando-se na frente do ônibus que querem ajudar. É por isso que só os inimigos fazem isso, pois estão em outro ônibus, capaz de fechar o cruzamento.  

E daí?

Desde que me lancei na política, alertei para a falência do modelo de Estado, da inépcia da Constituição de 1988, das razões do “Por que o Brasil é Um País Atrasado” e o que fazer.  Por força, não somente de meus alardes, mas também das centenas, senão milhares, de outras péssimas experiências que vivenciamos no Brasil nos últimos dois anos, mais pessoas percebem que nosso estado de direito já não existe mais. Mais pessoas falam em reformas e outras muitas já aceitam falar em revisão constitucional total.

Ainda não há massa crítica para encher um ônibus, muito menos definir a ladeira certa, mas estamos chegando lá: juristas, desembargadores, advogados, políticos e ativistas qualificados, enfim, todos os que operam o direito já querem ocupar os primeiros lugares quando o ônibus vier.     

Não estou mais sozinho, cutucando o dinossauro. E quando ele se mexer, temos mais chances de que ele resolva seguir para o lado certo.