Perón criou as bases do peronismo antes mesmo de seu primeiro mandato como presidente da república. Tão popular foram suas benesses que depois foi eleito presidente com amplo apoio popular. Ainda assim, antes de seu segundo mandato, Perón já sofria com a crise econômica aguda que o peronismo havia criado e não viveu para resolver nenhum de seus problemas. A partir desse período, todos os presidentes argentinos tentaram fazer o peronismo dar certo com fórmulas econômicas mirabolantes. Nenhum deles tentou acabar com o peronismo.
O resultado foram crises e mais crises recorrentes. O candidato Javier Milei tem um discurso focado na economia, mas que diretamente afeta as bases do peronismo. Para alcançar seus objetivos programou reformas profundas no próprio Estado, divididas em três etapas, que devem ser implementadas em sequência:
Milei também propõe cumprir leis já aprovadas, como a concessão de porte de armas a civis, além de maior controle de fronteiras, com restrição de visto a estrangeiros com antecedentes criminais e sua deportação, caso tenham cometido crimes na Argentina.
Reformas requentadas: Muitas dessas propostas já foram apresentadas por peronistas. Pautas como dolarização, equilíbrio fiscal e privatizações foram recorrentes em governos anteriores. Alfonsín era socialista e foi o primeiro a tentar dolarizar a economia. Menem, peronista, obteve mais sucesso nessa empreitada, mas não foi suficiente para conter a crise, além de ser responsável por um polêmico plano de privatizações. Desde os anos 80 os presidentes argentinos, socialistas e peronistas, se submeteram ao regime de controle de gastos exigidos por bancos internacionais como requisito para obterem linhas de crédito. Foram muitas as tentativas.
Esse histórico de crises do Peronismo justifica que seus presidentes sempre se ajustam ao contexto para se manter no poder, mas nunca promovem uma reforma profunda. Desde o final dos anos 40, o Peronismo tem sido a força dominante da Argentina, responsável pela sequência de crises que o país tem vivido ao longo das últimas décadas. Mesmo Perón foi vítima das crises geradas por seu próprio sistema, como pontuei aqui em outro artigo, “Milei versus o Peronismo”.
Peronismo, o “Estado Social Argentino”: O peronismo transformou a Argentina em um estado socialista por obrigação constitucional. Mesmo que um governo liberal, pró-livre mercado, seja eleito, o Estado obriga o governo a manter as estruturas do socialismo. O estado social é fundamentado nas narrativas de “justiça social” que corrompem sua função original: em vez de proteger e garantir liberdades e direitos fundamentais dos cidadãos, o estado social prioriza a distribuição de renda.
Com isso o estado social transforma juízes, políticos e burocratas em agentes poderosos com a capacidade de ditar à sociedade como ela deve viver. Violam direitos e liberdades fundamentais para executar sua missão ambígua de fazer justiça social. Isso mesmo, peronismo, estado social e socialismo não são sinônimos de democracia; são sinônimos de ditadura de Estado.
Nesse modelo, o Estado dirige a economia, protege as grandes empresas com subsídios, cria estatais, controla preços, exige altos impostos da população e regulamenta toda a atividade econômica. O objetivo de todo esse controle é aumentar arrecadação para financiar o constante aumento de gastos e a criação de estruturas de assistencialismo permanentes: serviços públicos de “bem estar social” como saúde, educação, assistencialismo e previdência.
No melhor dos casos, tais medidas geram resultados questionáveis de melhoria na qualidade de vida da população, mas indubitavelmente geram crises recorrentes e milhões de eleitores dependentes desses serviços. E é esse o aspecto que as torna fonte de poder político eterno para esquerda.
Num estado social, os investimentos que efetivamente promoveriam uma economia de mercado moderna e dinâmica – como alta tecnologia, infraestrutura, portos, comunicação e transporte - são minimizados ou reduzidos a zero. Por isso esse modelo de estado condena países à eterna dependência da importação de inovações, relegando gerações de cidadãos ao lodaçal da mediocridade e baixo crescimento.
Como se não bastasse, investimentos em defesa, que tornariam o país mais soberano e com mais poder de barganha internacional, são reduzidos, transformam o país em colônia dos interesses internacionais. Se isso soa familiar aos problemas do Brasil é porque é.
O povo tem medo de reformistas: tanto no Brasil quanto na Argentina ninguém surgiu para reformar seus respectivos estados. Para fazer ajustes nas instituições e nas políticas de assistencialismo surgiram vários, tanto da direita quanto da esquerda, mas para reformá-lo de verdade, ninguém. É o padrão de covardia política que se criou na região. Os políticos da direita conscientes dessa omissão se justificam por trás do mito de atingir um “estado mais eficiente”, coisa que nenhum estado no mundo atingiu. A covardia tem fundamentos eleitorais: uma parcela dos eleitores tem medo de reformar aquilo que os sustenta. Por isso ninguém reformou o peronismo ou o estado social do Brasil até agora.
Sem liderança política ampla, ninguém conseguirá reformá-los, pois o peronismo, como mencionado, se tornou o Estado, e para reformar o Estado não basta substituir um governo peronista por um governo liberal. Milei não propõe meros ajustes, ele propõe reformas de verdade. Por essa razão uma parcela expressiva do eleitorado argentino tem medo de suas propostas. Preferem a proposta de “ajustes” e de “estado eficiente” dos demais candidatos.
Apesar de Milei não ser uma liderança política de ampla adesão, é uma liderança ideológica importante, que colocou em debate para a população o estado social da Argentina. Ele se contrapôs às ideias que sustentam o peronismo a ponto de calar vários peronistas ao perceberem que existem alternativas ao socialismo e há necessidade de adotar essas alternativas urgentemente.
Enquanto essa visão não se materializar na opinião pública de forma mais dominante haverá sempre uma parcela expressiva de dependentes que não pularam do barco do peronismo mesmo que este já tenha afundado. Todo candidato peronista segue o que o economista socialista John Maynard Keynes dizia: no “longo prazo todos estaremos mortos”. Por isso sustentam que crises requerem mais intervenções do Estado na Economia e não menos. Preferem fazer ajustes de baixo impacto no curto prazo, ao invés de reformas de alto impacto para o longo prazo. Essa é a visão do eleitor temerário.
Se Milei conseguir mostrar o quão errado são essas premissas, como é rápida a criação de alternativas e quais são os detalhes no caminho da transição, o medo dos eleitores diminuiria e ele terá chances de se eleger e criar uma maioria para de fato reformar o estado social da Argentina. Caso contrário, os argentinos dependerão, mais uma vez, do futuro.
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