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O dia 8 de janeiro de 2023 foi uma data importante para a ala conservadora do Brasil. Foi um dia confuso, com uma mistura de levante atabalhoado, vandalismo, infiltrações e omissões, e também um dia em que a direita ficou perplexa com as ações e posturas dos militares. A indignação, especificamente, se deu em virtude das ações comandadas por alguns generais, que parecem ter facilitado ou se omitido em conter os manifestantes, para depois incriminá-los deliberadamente.
Outros generais, cujas ações foram mais óbvias, cometeram covardias sem precedentes: ordenaram arrebanhar e prender manifestantes que não participavam dos atos de vandalismo nos prédios públicos. Esses manifestantes estavam junto aos quartéis apoiando, pasmem, o Exército e os generais! A maior parte da população acreditou, inocentemente, que o Exército seria uma salvaguarda moral contra a imoralidade de criminosos de volta à Presidência da República. Não foi.
Ficou claro para todos, também, que esses militares de alta patente, responsáveis por tais atos, não viviam nenhum conflito ético. Ao contrário, aparentavam frieza misturada com prazer. Nitidamente, não compartilhavam dos valores dos manifestantes. Foi um dia de expectativas frustradas, prisões políticas e violação de direitos que, dentre vários desdobramentos importantes que ainda veremos reverberar, findou a narrativa do “Exército de Caxias” e minou a confiança centenária que a opinião pública brasileira tinha por essa instituição.
Nos últimos 20 anos a direita brasileira perdeu a confiança nos dois derradeiros pilares da direita tradicional: a Igreja Católica e o Exército
Frustração e perda de confiança
Essa deve ser a nossa reflexão. Nos últimos 20 anos a direita brasileira perdeu a confiança nos dois derradeiros pilares da direita tradicional: a Igreja Católica e o Exército. E a aristocracia? Essa desapareceu há mais tempo, e por completo, do sistema político brasileiro. Portanto, a população que hoje se descobre como sendo de direita e se levanta contra a corrupção, contra o socialismo, seus representantes e políticas está órfã de representação institucional.
O eleitor conservador também percebeu que, apesar de ser a maioria e ter eleito em outubro de 2022 governadores, deputados federais, estaduais e senadores condizentes com a maioria de que fazia parte, estes demonstram coesão ideológica frágil e muita fragmentação partidária. Culpa dos representantes? Culpa dos partidos? Culpa do eleitor que escolheu errado? Culpa de todos esses? Sim, todos têm uma parcela de culpa por terem eleito uma direita ameba.
A base do problema é que a direita – eleitores, representantes, partidos – não entende o contexto institucional do país e qual deve ser sua postura diante desse contexto. Espero poder ajudar a elucidar com o que segue.
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O socialista dentro de nós
Todo mundo é socialista. Ao menos um pouco. O ser humano é um ser sociável, capaz de viver em grandes comunidades complexas, diversas e distintas até mesmo dentro de sua própria família. Essa característica é parte do que define o que é ser humano e, portanto, nos torna coletivistas por natureza. Mas o ser humano é também um indivíduo com necessidades, vontades e capacidades distintas e destinos totalmente próprios. Esses dois aspectos incongruentes completam a definição do que é ser humano, pois coletivismo e individualismo são essenciais para nossa sobrevivência.
O ser coletivista, em seu melhor aspecto, é colaborativo, tolerante, unificador, mas em seu pior aspecto é fraco, passivo, incapaz, dependente e carente. Já o ser individualista é, em seu melhor aspecto, forte, inovador, resiliente e independente, enquanto que no seu pior aspecto é egoísta, solitário e defensivo. Ninguém é totalmente um ou outro aspecto; todos temos graus de individualismo e de coletivismo, e graus de bons e maus aspectos dentro de si.
Mas os “engenheiros sociais” do século 20 começaram uma propaganda socialista pelo “novo homem”, fazendo-nos crer que um humano mais coletivista é melhor que um humano mais individualista. Nessa propaganda, os coletivistas são definidos somente pelos melhores aspectos da natureza coletivista, enquanto o individualista é definido somente pelos seus piores aspectos. Essa propaganda, depois de iniciada, nunca terminou e sempre evoluiu, adaptando-se às mudanças políticas dos últimos 100 anos em diversos países.
Ao longo do tempo e das gerações, os valores coletivistas se tornaram os dominantes, os únicos moralmente aceitos, e os valores individualistas foram diminuídos, esquecidos ou até criminalizados.
Todos temos graus de individualismo e de coletivismo, e graus de bons e maus aspectos dentro de si
Quem aparece é o socialista
Hoje, em qualquer situação, a maioria da nossa geração reage a priori com valores coletivistas. A visão individualista só aparece a posteriori, depois de muita reflexão. Interessamo-nos mais em proteger o meio ambiente longínquo do que a fauna da própria vizinhança, ou nossa própria defesa pessoal; reclamamos mais da falta de escolas e universidades que da falta de conhecimento transmitido em casa, do que ensinamos ou deixamos de ensinar aos nossos filhos; ficamos indignados com a corrupção e ineficiência do Estado na condução da previdência e da saúde, sem questionar que fomos nós que demos autorização para o Estado assumir esses serviços ao escolher nossos representantes.
O efeito perverso do coletivismo foi total na sociedade, na política e nas instituições de Estado dos últimos 100 anos. O Estado tornou-se todo-poderoso, em alguns países mais que em outros, e as pessoas nos países onde o Estado é mais forte manifestam em si somente os aspectos mais negativos do coletivismo: fraqueza, passividade, incapacidade, dependência e carência. O Brasil é um desses países. Aqui, a parcela mais expressiva da população abre mão com muita facilidade de suas liberdades individuais em prol de pequenos ou falsos benefícios coletivos.
Essa maioria da população nem sequer sabe quais são suas liberdades fundamentais: liberdade de expressão, de ir e vir, de livre associação, de consciência e de religião, entre outras, muito do que está contido – ainda – no artigo 5.º da Constituição de 1988. Apenas uma pequena parcela está consciente de que abrir mão desses direitos é para o avanço... do Estado, é claro, pois está implícito o retrocesso do protagonismo do indivíduo e da sociedade quando se atribui mais força ao Estado. Arrisco dizer que geralmente essa parcela da sociedade tem algum vínculo com o Estado.
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E agora, José?
Se você chegou até aqui, deve estar se perguntando o porquê desse preâmbulo. O primeiro passo para combater o contexto socialista em que vivemos (políticos, partidos e Estado) é combater o socialismo que existe dentro de você. É definir qual diabinho socialista opera na sua mente. Apesar de ser um exercício pessoal, é também um exercício geracional, pois todos sofremos de inversão de valores em algum grau de intensidade.
A primeira providência para descobrir em que intensidade essa tendência se manifesta em você é fazer a si próprio a seguinte pergunta: a função do Estado é distribuir renda e promover justiça social, ou garantir a soberania das leis e as liberdades individuais? Sem meio termo, responda em sua mente e com convicção.
Se você escolheu que a função do Estado é distribuir renda e fazer justiça social, então esse artigo não lhe será muito útil. O status quo do nosso contexto (Constituição, leis e instituições públicas) foi criado por socialistas; você o favorece, e portanto é muito provável que não terá boas chances no “exorcismo”. Mas, se você responder que a função do Estado é garantir a soberania das leis e das liberdades individuais, então continue, pois o expurgo do mal ainda é possível.
Não é possível em apenas um artigo abordar todas as etapas que constroem o raciocínio de como combater o socialismo no atual contexto. Na próxima semana tratarei de duas questões: Quais os tipos de socialistas existem na direita, e como combater o socialismo no contexto socialista. Não perca! O exorcismo continua…
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos