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O Poder Violador
| Foto: MArcello Casal Jr/Agência Bras

As violações da Constituição se tornaram padrão por parte do STF, incluindo a extinção de cláusulas pétreas. É importante saber que para alterar uma cláusula pétrea na Constituição é necessário convocar uma assembleia constituinte. Nenhum poder constituído tem o poder de relativizar ou violar quaisquer cláusulas pétreas.  Ao menos é isso que se infere da Constituição de 1988, que o STF já mudou na prática e não avisou ninguém. 

Fica patente que a Constituição de 1988 não é mais válida para o Judiciário. Está evidente também que essa Constituição sofre do pior defeito: não tem uma instituição que a protege.  O STF deveria ser essa instituição, mas o texto ambíguo deixou brechas que permitiram que fosse constantemente violada. Lembrando que a constituição só permite ao STF ser a Corte que deve guardar e zelar pela Constituição, não modificá-la sem os devidos ritos. Mas ao invés de se firmar como a única instituição que protege o sistema político, tornou-se mais uma, somando-se às demais, todas sedentas pelo controle absoluto do sistema político.  

De quem é a culpa?

Vimos nos últimos 30 anos de “Constituição Cidadã” vários grupos controlando o sistema político brasileiro. Antes da ascensão desse poder do STF, o sistema brasileiro sofria com as imposições das agências reguladoras aparelhadas pelo Executivo, a ação do cartel de partidos políticos do Centrão, de políticos e burocratas corruptos nas estatais, de governadores e prefeitos desviando verbas de saúde, previdência e educação, do crime organizado influenciando decisões judiciais e comandando regiões do país, dentre outros. Ao invés de vermos uma evolução institucional para o bem, vimos a involução para o mal.  E com o STF não é diferente das demais. Há muitos culpados, mas o maior deles é o sistema constitucional. 

A constituição de 1988 foi preparada sem o zelo de simular como o sistema político e as instituições criadas por ela iriam se comportar ao longo do tempo.  O resultado é o desastre que observamos, causado mais pelo sistema falho do que pela ação de personalidades espúrias.  

Medo da direita ou falta de quórum? 

A ala conservadora que surgiu nos últimos 10 anos deveria consertar isso.  Aliás, partidos conservadores no mundo são na sua essência zeladores constitucionais. Mas a direita ainda tem medo de discutir temas constitucionais. Não conta com juristas em número suficiente para fecharem fileiras contra a horda de juízes, desembargadores, advogados e organizações da esquerda. Há também falta de partidos da direita capazes de levantarem esse tema. A maioria dos partidos da “não-esquerda” são fisiológicos e estão voltados para questões de financiamento eleitoral e cargos e não na pauta de temas, valores ou grandes discussões nacionais.  

Também não há movimento da sociedade civil organizada para mobilizar a população quando há necessidade de defender um tema técnico. Por isso há muito temor de discutir qualquer proposta de reforma constitucional. Na verdade, há medo de discutir até mesmo emendas constitucionais, pois os parlamentares sérios e honestos acham que a esquerda, por meio de sua organização, vai conseguir piorar ainda mais a proposta.  

Sem partido, sem sociedade organizada, sem agenda propositiva, a ala conservadora fica sempre refém da agenda da esquerda, forçada a negar por negar qualquer plano esquerdista e sem oferecer uma alternativa.  

E daí?  E daí que agora temos que nos mobilizar para fazer uma reforma do judiciário e salvar o país das arbitrariedades, e poucos parlamentares da direita o fazem. Se um mero ajuste no sistema judiciário não move esses parlamentares, o que dizer de uma revisão constitucional completa?  Pois é, para aqueles que compartilham dessa mesma reflexão, não é consolo afirmar que sofro da mesma agonia.  

Por não perceberem do que estamos tratando, alguns tentam negar a existência do problema maior. Afinal, temos ou não um problema tão grave? Temos, e é mais grave do que podemos relatar em um só artigo, mas aqui abaixo dou exemplos de algumas das violações mais recentes cometidas pelo STF contra a Constituição.  Alguns ou todos certamente afetam os leitores deste artigo: 

 - Cobrança retroativa de impostos a empresas: Gera insegurança jurídica:  viola a coisa julgada - art. 5º, XXXVI - (a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada); princípio da anterioridade tributária, art. 150, III, "b" (É vedado [aos entes]: III - cobrar tributos: b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou);

 - Equiparação de homofobia e transfobia a racismo: viola princípio da anterioridade da lei penal - art. 5º, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

- Equiparação da injúria racial a racismo:   art. 5º, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

- Exigência do passaporte vacinal: art. 5º, caput- viola direito à liberdade; art. 5º, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; art. 5º, XV - (é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens)

- Proibição de ações policiais em favelas: art. 5º, XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; art. 144 Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, [...].

- "Flagrante  permanente": alteração da lei sobre despejo em áreas rurais -  “alteração da lei de terras invadidas: direito à propriedade - art. 5º, caput; art. 5º, XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

- Anulação de indulto concedido pelo Presidente da República: art. 5º, XLIII; art. 84, XII, conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;

- Anulação das condenações da lava jato e de outros condenados que cometeram crimes de corrupção: Art. 37, caput - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência; 37, § 4º

§4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

- Caso Cleriston Pereira da Cunha, “Clézão”: várias violações do Art. 5º: item LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; item, LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; item, XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; item, LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

- Bloqueio das contas da filha adolescente do jornalista Eustáquio: violação de 3 itens no Art. 5º: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

E agora?

Essas são apenas algumas das violações mais recentes e já as apontei em um artigo aqui na minha coluna da Gazeta do Povo, em uma lista mais extensa de violações do STF contra os Poderes Executivo, Legislativo e mesmo o próprio Judiciário. Para o leitor mais assíduo sempre surge a questão, o que fazer?  Foco, foco, foco. Sim, mas em quê? Percebemos que as mobilizações da sociedade engajam mais facilmente quando se dão em torno de personalidades mais queridas ou em torno da rejeição de personas non-gratas da política brasileira. Está na hora de focar em temas, propostas, visões e objetivos.  

A reforma do judiciário é apenas um começo, e com foco é atingível.  A nomeação de ministros do STF claramente ideológicos e sem reputação ilibada, deixa no ar dúvidas de que seu ministério será para facilitar a vida de organizações criminosas. É um tapa na cara de cada brasileiro honesto e trabalhador, que quer viver num país livre e preservar seus direitos intactos. Isso é necessário para mobilizar no contexto atual, e para isso ocorrer, é preciso cobrar dos deputados que eles assinem propostas para reformar o Poder Judiciário.

Moderador não, violador

A pacificação do sistema político brasileiro, entretanto, só será possível com uma revisão constitucional completa. Para atingir esse objetivo, o primeiro passo é reconhecer que esse é o problema que causa todos os demais; o segundo é organizar grupos para discutir a visão de país e propor uma nova constituição que proteja essa visão. Uma vez cumpridas essas etapas, será consolidado um movimento de consciência e trataremos de tornar nossos objetivos realidade.

Até há pouco tempo juízes do STF diziam ser o novo “poder moderador”.  Nunca o foram.  O poder moderador exercido pela Constituição de 1824 - guardião da soberania nacional e dos direitos civis - não legislava, não executava e não violava a constituição que perdurou por mais de 67 anos sem quase nenhuma emenda. O STF se tornou mais um poder que a Constituição de 1988 permitiu distorcer e interpretar seu texto de acordo com interesses próprios. 

O que a maioria das pessoas não percebe é que ao violar a Constituição, o STF viola também a justiça, a credibilidade do sistema representativo e a cidadania que depende dos direitos fundamentais, naturais e individuais serem abrigados com segurança. Quando mais pessoas perceberem esse vínculo direto e a importância de liderarmos o processo para uma nova constituição teremos o movimento social mais importante da nossa geração. 

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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