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Sim. Ao longo deste artigo você verá por que temos que ter confiança na soberania da vontade popular. A fraude eleitoral e a ditadura na Venezuela incitaram diversos levantes do povo no último pleito eleitoral para a presidência daquele país.
É surpreendente a reação maciça da sociedade em apoio ao candidato da oposição, Edmundo Gonzalez, com os cidadãos monitorando todas as seções eleitorais e confrontando os resultados divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral.
Os levantes também pegaram de surpresa o governo da Venezuela, que não estava preparado e tratou de providenciar alguns reforços de países alinhados com sua ditadura, sabidamente Cuba, que já estava em território venezuelano desde o início do governo Chávez. Aliás, muitas das atrocidades contra a população nesse período foram cometidas pelas forças militares cubanas, também usadas para insurreições, subversões e outras ações revolucionárias na América Latina. E agora vimos o reforço de forças russas entrando no jogo repressivo.
Povo contra ditadura de esquerda: O quadro na Venezuela não poderia ser pior: povo faminto, desarmado e censurado, limitado em suas liberdades. Fica a questão: será que a população pode vencer? Quais as chances de gente indefesa diante de uma força armada, preparada e sem escrúpulos na repressão aos cidadãos? É preciso entender primeiramente que quem se levanta agora contra os desmandos é a base da sociedade, a mais carente, desprovida de opções de fuga, sem condições de sair do país e buscar asilo no exterior.
Em segundo lugar, os venezuelanos finalmente estão relacionando seu sofrimento e opressão com socialismo e chavismo, ideologias que têm dominado a Venezuela há mais de 20 anos.
A ditadura de esquerda acabou por derrubar símbolos importantes, hoje desacreditados pela população. Gerou descrédito pelos pobres inclusive do poder representativo da ditadura de Maduro.
Esses dois fatores indicam um grande norte de vitória, a sinalização de que as coisas não vão terminar bem para o ditador esquerdista. Vale lembrar que Maduro pertence ao Partido Socialista Unido da Venezuela, e tem em seu logotipo a mesma estrela vermelha que caracteriza a esquerda. Portanto, a velha imprensa tentar se referir a ele como político de direita é mentira deslavada, desinformação e má-fé.
Mas quais as chances reais e concretas de uma vitória do povo venezuelano? Ao longo dos últimos séculos, é possível reconhecer que muitos levantes populares mudaram a situação em diversos países e são exemplos de como o povo faz valer sua vontade quando a situação é crítica.
O levante popular que criou a democracia: Em 530 AC, em Atenas, o povo sitiou a Acrópole, por vários dias, contra Iságoras, que era auxiliado pelo exército espartano. Municiado somente com paus e pedras, a população criou uma ofensiva até que Clístenes negociasse a rendição e retirada de Iságoras e suas tropas do território ateniense. Na sequência, Clístenes determinou que o poder deveria ser exercido nos demes (povoados) e não centralmente. A este episódio se deve a origem do nome “democracia”, ou “governo dos povoados”.
Lusitanos contra Roma: Na região onde hoje é Portugal, o povo da Lusitânia, de origem Celta, promoveu outro levante popular, liderado por Viriato, em 140 a.C. Essa manifestação evitou que Roma, com um exército muito mais preparado e organizado, adentrasse seu território.
Escravos contra Roma: Em 73 a.C., na península Itálica, cerca de 70 mil escravos liderados por Espártaco se levantaram contra os exércitos romanos.
Gauleses contra Roma: Pouco tempo depois, em 53 a.C., o povo gaulês, no norte da França, indignado com a invasão romana, se organiza com seu líder, Vercingetorix, e se levanta pela unificação por um ano inteiro. Tanto neste fato como nos anteriores, os protagonistas eram a população, massivamente analfabeta e despreparada para o combate contra os exércitos mais sofisticados e organizados da época.
O brio português: Dando um salto maior, mais próximo à nossa realidade lusófona, é bom lembrar que no início do século 19, a partir de 1808, os franceses tentaram invadir Portugal por pelo mesmo três vezes, e em todas as ocasiões foram rechaçados pelo povo português. Há relatos de senhoras chacinando tropas militares francesas em emboscadas, por diversas oportunidades. Apenas três países na Europa nunca foram conquistados por Napoleão: Inglaterra, Rússia e Portugal.
Levante de 1848 na França: Após a Revolução Francesa, de 1789, a França nunca mais teve paz social, revivendo até mesmo o retorno do regime monárquico para evitar o caos. Quando, em 1848, o povo se levantou mais uma vez contra seu monarca, Luís Filipe I. Ele prontamente renunciou por entender a força da legitimidade popular. Este ato, que forçou a abertura do sistema político e mudança no regime, ensejou diversos outros levantes que ocorreram durante todo o século 19 em vários países europeus.
Queda do Muro de Berlim, Cortina de Ferro e Ceausescu: No final dos anos 80, do século 20, a indignação popular com a repressão soviética comunista em todo o Leste Europeu estava notoriamente alvoroçada, o que rompeu todos os alicerces de apoiamento aos símbolos comunistas. Embora fosse um embate entre as lideranças dos Estados Unidos e da União Soviética, as batalhas foram travadas em âmbito local, entre os diversos países da cortina de ferro contra seus regimes comunistas locais.
Países como Polônia, Letônia, Estônia, Hungria, Iugoslávia, Romênia, Tchecoslováquia, Bulgária e a própria Alemanha Oriental viveram esse momento. Nesses locais, até o final da década de 80, a população estava desarmada, era censurada, perseguida e monitorada. O caso mais emblemático ocorreu na Romênia, com o ditador mais cruel da cortina de ferro, Nicolae Ceaușescu. Em menos de uma semana, seu exército foi compelido pelas massas a mudar de lado e fuzilar Ceausescu sumariamente.
Queda de Milosevic nos anos 90: Grandes manifestações, organizadas por ativistas sérvios, protagonizaram a queda de Milosevic, líder do Partido Socialista. Nos anos 90, ele cometeu grandes atrocidades, promoveu genocídios e regia a Sérvia como se ainda existissem União Soviética e Cortina de Ferro. Renunciou em setembro de 2000 e foi preso logo em seguida.
Primavera Árabe: Também conhecida como “Revolução Facebook”, começou em 2010, quando um jovem tunisiano ateou fogo ao próprio corpo, em protesto contra a corrupção e a situação econômica do país. Sua ação extrema chocou a Tunísia e rapidamente se tornou um símbolo de resistência, que se espalhou pelo Egito, Líbia e Síria.
No Egito, milhões de pessoas se reuniram na Praça Tahrir, no Cairo, para exigir a saída do presidente Hosni Mubarak, há 30 anos no poder. Mubarak renunciou em fevereiro de 2011.
Na Líbia os conflitos foram os mais violentos da Primavera Árabe, com os manifestantes lutando contra o governo de Muammar Gaddafi. O ditador foi perseguido por civis e militares, e bestialmente executado em uma sarjeta próxima de um bueiro em que se escondia.
Ucrânia derruba presidente fantoche: Em novembro de 2013, os ucranianos foram às ruas para protestar contra Viktor Yanukovich, responsável por cancelar um acordo econômico de integração à União Europeia, encarado como uma forma de atender aos interesses da Rússia. Uma onda de protestos e levantes populares contínuos ocorreram até fevereiro de 2014, quando Yanukovich se viu acuado e fugiu de helicóptero para a Bielorrúsia.
Venezuela, 2024: Desde Chávez em 2000, parcelas do povo venezuelano se levantam contra o regime socialista, mas agora, pelas variáveis descritas neste artigo, é possível afirmar que o povo venezuelano já venceu. A comunidade internacional dos países democráticos - ou que pretendem se estabelecer como tal - já reconheceu a vitória da oposição frente ao ditador Maduro.
Hoje observamos a mesma soberania popular que derrubou tiranos e legitimou novos governos ao longo da história nas ruas de todas as cidades da Venezuela
Entretanto, como dizia o cientista político Gene Sharp, “após a queda de um ditador inicia-se um longo ciclo contínuo de luta pela liberdade”.
O Brasil é espelho distorcido, por graus de intensidade, do que vive a Venezuela na atualidade. Oxalá nosso despertar ocorra antes que degenere totalmente à condição venezuelana. Se isso acontecer, já sabemos: o povo aqui também vencerá.
Conteúdo editado por: Aline Menezes