| Foto: Pedro França/Agência Senado
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Visitei nas últimas semanas várias cidades do interior de São Paulo. Essa iniciativa tem sido muito importante, pois apesar de ter feito campanha eleitoral há dois anos por todo o estado, rever ou conhecer cada prefeito e seu município tem sido uma missão de aprendizado e divulgação. 

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Digo isso porque, embora tenhamos perdido a votação contra a reforma tributária do governo, eu sempre alertei que não se tratava de reforma tributária, mas política, pois visava centralizar todos os recursos em Brasília e, claro, propiciar ao Executivo usar todo seu poder de barganha contra os municípios. Dito e feito.

O que pudemos constatar a partir dessa experiência e da pequena amostragem de cidades do nosso estado nas últimas três semanas? A concentração de poder é muito pior do que imaginávamos. Não se trata de abordar uma prefeitura específica, mas o conceito se aplica a todas elas, sejam pequenas, médias ou grandes. 

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Tanto municípios com orçamento inferior a R$ 100 milhões, como outros na faixa de R$ 500 milhões ou superiores, chegando a R$ 1 bilhão, todos apresentam deficiências muito graves de caixa. Esse é o diagnóstico do estado mais rico, que mais paga imposto para a federação e o que menos recebe de volta de Brasília. Enumero abaixo os porquês dessa reforma preceder a derrocada dos municípios no Brasil.

1) Os orçamentos são vinculados 

Os recursos que estão no caixa da prefeitura, seja orçamento próprio ou verbas de repasse dos governos federais, ou estaduais, têm prévia destinação constitucional, aplicados a ações como Educação, Saúde, assistencialismos e sustentação de planos estaduais e federais. 

Portanto, a maior parte do orçamento já está direcionada e sobrará muito pouco para o prefeito destinar para o que sua cidade realmente precisa. Em verdade, muitas prefeituras nem isso têm, pois realizam uma má gestão dentro desse sistema altamente regulamentado.

2) Municípios não decidirão mais suas demandas

Os repasses estaduais, feitos de diversas formas e que hoje giram em torno de 40% a 60%, serão ampliados entre 65% a 90% para compor a receita dos municípios. 

A notícia é péssima, considerando que a prefeitura perde ainda mais sua autonomia. Qualquer fórum de incentivo, disputa ou mediação no manuseio de alíquotas que as prefeituras queiram criar certamente vai esbarrar na burocracia do governo federal. 

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Um ponto importante a ser considerado é que os planos federais devem ser revisados a nível local. Um exemplo é o do assistencialismo. A maioria das prefeituras que visitei tem problema com mão-de-obra. O empresariado e o próprio poder público não encontram recursos humanos para executar serviços, em virtude de muitos receberem bolsa-família ou algum incentivo federal que não estimula o cidadão a trabalhar.

Os recursos voltados à assistência social, que deveriam estar sendo administrados pela prefeitura para os carentes e incapacitados, são aplicados de forma abrangente, prejudicando o mercado e rebaixando a população a viver de esmolas e sem perspectivas de prosperar.

Um problema gravíssimo de intervenção federal para fazer um “bem” que não dura e gera processo inflacionário, pois sabemos que quem paga a conta da inflação é a sociedade

3) Sistema tributário: atual versus futuro

Há uma grande lacuna de conhecimento para a maioria dos prefeitos. Aliás, tenho feito essa minha peregrinação para denunciar os problemas da reforma tributária e orientar os gestores públicos. São pouquíssimos os prefeitos que estão a par da conjuntura fiscal e de como esta impactará a administração pública local. 

A maioria não está se mobilizando em torno dessa nova realidade de perda de autonomia, da multiplicação dos problemas e das poucas e cada vez menos ferramentas para resolvê-los. Esse é um item que devemos esclarecer e é inegociável: temos que galvanizar o poder das prefeituras.

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4) Direcionamentos de gastos pelo legislativo

Ocorre tanto no nível federal, como no estadual e municipal, mas fatalmente haverá pouca abertura para as prefeituras lidarem com o orçamento. Em algumas situações, o dinheiro existe, mas não pode ser gasto com o que é realmente necessário. Isso já está acontecendo e vai se agravar. 

Deparei-me com prefeituras, por exemplo, que precisavam de dinheiro e emendas parlamentares para a área de Saúde; e outras, que receberam muito recurso para a Saúde, mas não tinham nem como usar esse dinheiro porque já estava alocado, e queriam até que se enviasse o recurso para outra prefeitura, pois iriam perdê-lo, se não o utilizassem no prazo estipulado. 

Entretanto, essas prefeituras têm outras necessidades que não a saúde e não podem empregar o dinheiro em caixa para suas prioridades. A criação de percentuais para alocação de recursos é totalmente equivocada. Quem decide quanto vai para a Educação, para a Infraestrutura ou para a Saúde devem ser as prefeituras! 

Não existe fórmula mágica central para decidir quais percentuais vão para cada área, ao contrário, decidir à distância acarreta outros problemas, dentre eles perder o ajuste fino que propicia a eficiência e a qualidade de vida necessária para a população. 

O prefeito e a sociedade, com a incumbência de usar os recursos com mais liberdade, podem fazer as melhores escolhas para direcionar as verbas para as áreas certas, sem gastos desnecessários ou que não são prioritários.

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5) Dependência de Emendas Parlamentares

As emendas parlamentares representam para a maioria das prefeituras um percentual significativo na composição do orçamento municipal. 

É justificável, pois se no orçamento geral só há margem de 10% para manuseio das reais necessidades do município, as emendas federais, enviadas pelos Poderes Legislativo e Executivo, ou mesmo pelas bancadas estaduais, representam outros 10%, o que dobra o orçamento na mão do prefeito. 

Lembrando que os outros 90% já estão comprometidos em lei, uma distorção absoluta do modelo político em que a descentralização deveria ser premiada.

6) Falta de mão de obra

Planos nacionais não distorcem a realidade das cidades? Claro que distorcem. A falta de mão de obra tornou-se um tema comum entre administradores públicos e privados.

Programas como bolsa-família, gerido pelo poder federal e sem os ajustes finos por localidade, geram toda sorte de distorção. A reclamação geral é que quem é capaz prefere não trabalhar ou trabalhar na informalidade para não perder o benefício. Se programas como esse fossem administrados pelos municípios, distorções como essa seriam reduzidas ou zeradas.

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Os prefeitos que de fato trabalham de forma eficiente e que têm capacidade gestora deveriam ter mais liberdade de lidar com seus recursos, e não sofrer com uma legislação que desconfia deles e que trava gastos no orçamento. Com o pretexto de coibir os maus, você acaba travando os bons gestores, essa é a atitude da legislação brasileira.

7) Restrições de cima para baixo

Em contrapartida, como os repasses são federais, o poder central impõe suas condições, ao invés de propiciar a autonomia dos poderes locais, sem a dependência de repasses, cujos recursos, aliás, nem deveriam ter saído dos municípios e estados nesse turismo de ida e volta a Brasília.

É isso que tenho observado: na prática, a operação do poder federal distorce completamente a função das prefeituras, que doravante terão suas receitas compostas por 70% a 90% de repasse federal, e 90% de seus gastos travados por legislação. Em suma, o prefeito hoje recebe zero por cento de benefícios e 100% de ônus por qualquer erro que lhe possa ser atribuído, mesmo sem culpa, em função de uma legislação extremamente restritiva. 

Está aí a grande mudança pela qual os prefeitos precisam se mobilizar. Um movimento necessário para se contrapor a essa realidade insana, que só se resolve em âmbito federal, com emendas constitucionais e revisão dessa reforma tal como foi aprovada. Além de uma série de dispositivos legais para que se faça a reforma administrativa, com adequações e desvinculações, em que os poderes locais tenham mais independência e sejam verdadeiramente responsáveis pela administração das cidades.