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STF versus Legislativo: vento de revolução no ar?
| Foto: Tony Winston/Agência Brasília

As interferências do STF têm crescido exponencialmente ao longo de 2023.  O recém-empossado presidente do STF, Luís Roberto Barroso, acaba de anunciar que o ativismo judicial nos próximos dois anos irá aumentar mais.  Sadismo? Não. Do ponto de vista da esquerda, uma necessidade.  Sem essa intervenção direta do STF, o plano totalitário da esquerda não pode vingar. A explicação é relativamente simples: Como o governo não tem base parlamentar majoritária, e mesmo gastando bilhões para comprar deputados e senadores não obteve resultados conclusivos, o STF irá assumir o legislativo.  Se o legislativo deixar, é claro.  

Reação Rápida: Frente a essa intervenção declarada, vários parlamentares, antes silenciosos, diante dessa postura do STF, resolveram agora romper o silêncio e fortalecer a oposição.  A gota d’água foi o voto do marco temporal no STF, que fragilizou todo o agronegócio e o sistema financeiro. Junte-se essa decisão às anteriores, favoráveis a liberar o aborto e as drogas, e temos o que a oposição precisava para unir as três maiores bancadas legislativas - do Agro, da Bíblia e da Bala - para tomarem providências contra a ditadura. A triste verdade é que muitos dos deputados que compõem essas bancadas não são fiéis a todas as pautas da direita, e essa divisão facilita que sejam cooptados pelo governo, sob a forma de destinação cargos ou verbas do orçamento público.

Entretanto, essa situação limite parece ter mexido com os brios de muitos deputados, pois o que aconteceu foi uma mudança positiva de comportamento. Está nítido para a maioria: ou o parlamento toma providências para reformar o Judiciário ou essa legislatura será o marco do fim do Poder Legislativo no Brasil.  O Congresso será fechado?  Dificilmente, mas se tornará, de fato, um zero à esquerda, como previ em artigos anteriores.  A única saída é uma emenda constitucional (PEC) para resolver a questão, e há várias tramitando, tanto na Câmara como no Senado.

Em 2022 e 2023, reformas do judiciário de minha autoria estavam ganhando adesão junto aos colegas parlamentares,  até que uma campanha de desinformação e difamação foi montada por movimentos reacionários e atrasados para desestimular que parlamentares a apoiassem.  Agora essas propostas voltam à tona, com espírito mais atiçado que antes, uma esperança de que o legislativo possa acordar e se salvar. Ainda não há nada na mesa para contra-atacar as interferências semanais do STF, pois o processo legislativo infelizmente não é tão rápido e eficaz, mas já é um começo.

Está nítido para a maioria: ou o parlamento toma providências para reformar o Judiciário ou essa legislatura será o marco do fim do Poder Legislativo no Brasil

O que irá manter essa roda girando contra a ditadura será o apoio popular. Apesar do ainda grande medo dos cidadãos de ir às ruas, as redes sociais permanecem ativas e os cidadãos de bem têm ocupado espaços importantes, como no caso recente da votação para os conselhos tutelares. Todas essas ações são fundamentais para manter o foco de mais de 300 deputados e 40 senadores na reforma do Judiciário. Foco é a palavra de ordem.

Como descrever o momento atual?  O momento político no Brasil se assemelha ao da Sitzkrieg (guerra sentada) de 1939, quando os ingleses declararam guerra ao governo nazista alemão, mas não houve ataques nem confrontos diretos por muitos meses. Esse período de paz marcado pela “tensão sem ação” por um lado foi bom para Alemanha, pois o país continuou sua onda de conquistas no continente europeu sem oposição, mas também foi fundamental para Inglaterra se armar à altura dos embates futuros. Estamos em situação semelhante: a oposição declarou guerra, mas até agora não contra-atacou por não ter munição legislativa para obter efeito.  

E a opinião pública, como anda? Essa é uma pergunta subjetiva, varia de acordo com quem responde, mas há referências históricas que me vêm à memória. Se eu tivesse que explicar o que está acontecendo com a opinião pública em discurso no plenário, falaria algo semelhante às palavras que Alexis de Tocqueville usou na Assembleia Constituinte, em 1848, prevendo o fim da última monarquia francesa, por acaso protagonizada pela renúncia do meu pentavô homônimo, Loius-Philippe d’Orleans. Alguns meses após o discurso de Tocqueville, um grande movimento popular se formou contra o rei francês, que não ofereceu resistência e renunciou. 

Ventos de revolução no ar: Alexis de Tocqueville foi um parlamentar conservador, historiador e filósofo francês do século 19, e um dos mais profundos críticos da Revolução Francesa. Tocqueville defendeu a liberdade individual e a igualdade na política como dois conceitos inseparáveis, e mencionou a possível involução da democracia em direção a uma ditadura da maioria em nome da igualdade. E para garantir que a democracia não se tornasse ditadura de maioria, ele destacou o papel fundamental da descentralização de poderes. Sua obra, “Democracia na América”, é considerada uma das mais importantes para entender a organização da sociedade e do sistema político norte-americano. Se ele tivesse que explicar o sentimento público no Brasil de hoje, certamente repetiria seu discurso de 1848, ajustado para se dirigir ao governo e ao STF: 

“Fui informado de que não há perigo porque não há tumultos; Fui informado de que, porque não há desordem visível na superfície da sociedade, não há revolução iminente.

Senhores, permitam-me dizer que acredito que vocês estão enganados. É verdade, não há desordem real; mas ela penetrou profundamente nas mentes das pessoas. Vejam o que está se preparando entre as classes trabalhadoras, que, concedo, estão atualmente calmas. Sem dúvida, elas não estão perturbadas por paixões políticas, propriamente ditas, na mesma medida que estiveram; mas vocês não conseguem ver que as paixões delas, em vez de políticas, tornaram-se sociais? Vocês não percebem que elas estão gradualmente formando opiniões e ideias destinadas não apenas a derrubar essa ou aquela lei, ministério ou até mesmo forma de governo, mas a própria sociedade, até que ela vacile sobre as bases em que repousa hoje? Vocês não ouvem o que elas dizem a si mesmas todos os dias? Vocês não as ouvem repetindo incessantemente que tudo o que está acima delas é incapaz e indigno de governá-las; [...] E vocês não percebem que quando tais opiniões se enraízam, quando se espalham de maneira quase universal, quando afundam profundamente nas massas, elas inevitavelmente trarão consigo mais cedo ou mais tarde, não sei quando ou como, uma revolução muito formidável?

Isso, senhores, é minha profunda convicção: acredito que neste momento estamos dormindo sobre um vulcão. Estou profundamente convencido disso.

Eu estava dizendo há pouco que esse mal traria mais cedo ou mais tarde, não sei como ou de onde virá, uma revolução muito séria: estejam certos de que é assim.

Tocqueville defendeu a liberdade individual e a igualdade na política como dois conceitos inseparáveis, e mencionou a possível involução da democracia em direção a uma ditadura da maioria em nome da igualdade

Quando venho investigar o que, em diferentes épocas, em diferentes períodos, entre diferentes povos, foi a causa efetiva que trouxe a queda das classes governantes, percebo este ou aquele evento, homem ou causa acidental ou superficial; mas, acreditem, a verdadeira razão, a razão efetiva que faz com que os homens percam o poder político é que eles se tornaram indignos de retê-lo.

Pensem, senhores, na antiga monarquia (queda de Luiz XVI na revolução francesa de 1789): ela era mais forte do que vocês, mais forte em sua origem; ela podia se apoiar mais do que vocês em costumes antigos, hábitos antigos, crenças antigas; ela era mais forte do que vocês, e, no entanto, ela se tornou pó. E por que ela caiu? Vocês acham que foi por um infortúnio particular? Acham que foi pelo ato de algum homem, pelo déficit, pelo juramento no campo de tênis, Lafayette, Mirabeau? Não, senhores; havia outra razão: a classe que então era a classe governante havia se tornado, através de sua indiferença, egoísmo e vícios, incapaz e indigna de governar o país.

Essa foi a verdadeira razão. Bem, senhores, se é certo ter esse preconceito patriótico em todos os momentos, quanto mais certo não é tê-lo em nosso próprio tempo? Vocês não sentem, por algum instinto intuitivo que não é capaz de análise, mas que é inegável, que a terra está tremendo novamente na Europa? Vocês não sentem - o que direi? - como que um vento de revolução no ar? Esse vento, ninguém sabe de onde ele surge, de onde sopra, nem, acreditem em mim, a quem ele levará consigo; e é em tempos como esses que vocês permanecem calmos diante da degradação da moral pública - pois a expressão não é muito forte.

Eu falo aqui sem amargura; estou até me dirigindo a vocês sem qualquer espírito partidário; estou atacando homens contra os quais não sinto nenhuma vingança. Mas sou obrigado a comunicar ao meu país minha convicção firme e profunda. Bem, então, minha convicção firme e profunda é esta: que a moral pública está sendo degradada, e que a degradação da moral pública em breve, muito em breve talvez, trará sobre vocês novas revoluções. A vida dos reis é mantida por fios mais fortes? E esses fios são mais difíceis de romper do que os de outros homens? Vocês podem dizer hoje que têm certeza do amanhã? Vocês sabem o que pode acontecer na França daqui a um ano, ou mesmo em um mês ou um dia? Vocês não sabem; mas o que vocês devem saber é que a tempestade está se aproximando no horizonte, que ela está vindo em nossa direção. Vocês vão permitir que ela os pegue de surpresa?

Senhores, eu imploro para que não o façam. Não estou pedindo, estou implorando. Eu me ajoelharia diante de vocês de bom grado, tão forte é minha crença na realidade e na seriedade do perigo, tão convencido estou de que meus avisos não são mera retórica vazia. Sim, o perigo é grande. Acalmem-no enquanto ainda há tempo; corrijam o mal com remédios eficazes, atacando-o não em seus sintomas, mas nele mesmo.

Mudanças legislativas têm sido discutidas. Estou muito inclinado a pensar que essas mudanças não são apenas muito úteis, mas necessárias; assim, acredito na necessidade de reforma eleitoral, na urgência da reforma parlamentar; mas não sou, senhores, tão louco a ponto de não saber que nenhuma lei pode afetar os destinos das nações. Não, não é o mecanismo das leis que produz grandes eventos, senhores, mas o espírito interior do governo. Mantenham as leis como estão, se desejarem. Acho que vocês estariam muito errados em fazer isso; mas mantenham-nas. Mantenham também os homens, se isso lhes der prazer. Eu não levanto objeção no que me diz respeito. Mas, pelo amor de Deus, mudem o espírito do governo; pois, repito, esse espírito os conduzirá ao abismo.”

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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