*Matéria publicada originalmente na Gazeta do Povo em 18/05/2013
A distância entre o hotel Slaviero Palace Hotel, no Centro de Curitiba, até o Teatro Guaíra não chega a 1,3 km. A pé, passando pela Boca Maldita e a Rua XV de Novembro, são apenas 15 minutos de caminhada em condições normais.
No dia 28 de abril de 1987, um senhor de 45 anos completou o trajeto em bem mais de uma hora, com passo tranquilo, paradas para engraxar os sapatos e fazer imagens do prédio histórico da UFPR. Também tirou fotos com os curiosos mais atentos e crianças, é verdade, mas por pouco não passou despercebido pela multidão.
“O pessoal passava, olhava para a cara dele e não acreditava”, relembrou Rubens Maluf Dabul, que acompanhou o inusitado passeio.
O visitante era Muhammad Ali. E essa não foi a única vez que o maior boxeador de todos os tempos, batizado Cassius Marcellus Clay Jr, andou pelas calçadas de petit pavet da capital paranaense. Durante as três semanas que passou na cidade, o peso-pesado mais condecorado da história saía frequentemente do hotel onde se hospedou para bater perna ao lado de uma intérprete.
Comprou roupas em uma loja na Praça Osório. Foi ao Parque Barigui e a Santa Felicidade. Conversou com engraxates sobre os produtos que eles utilizavam para limpar calçados – o americano tinha uma empresa que fabricava pasta para limpeza.
Dona de casa relembra encontro com Ali
Também fazia mágica para crianças e almoçava quase que diariamente o mesmo que os operários da fábrica que o trouxe ao Brasil. Ele adorava, atesta Maluf.
Ali chegou ao Brasil justamente por intermédio de Rubens Maluf, empresário que trouxe para Curitiba a montadora de carros Puma no fim de 1986. Kevin Haines, representante da marca em Houston (EUA), convenceu o advogado do boxeador e fã do modelo produzido no Brasil, Richard Hirschfeld, a visitar o Paraná para negociar.
Então aposentado há seis anos (e talvez apenas menos conhecido no mundo esportivo do que Pelé) e com condição financeira para investir alto, o boxeador desembarcou na cidade com um engenheiro e um consultor, além do advogado e amigo.
Ao todo, foram produzidos três modelos do Puma Al Fassi by Muhammad Ali. Um era todo fechado, outro tinha a capota conversível, e o último, mais caro, apresentava acabamento sofisticado, com bancos brancos e vermelhos e aparência mais esportiva.
Fecharam um negócio de US$ 36 milhões por 1.440 unidades, que mais tarde seriam completadas nos EUA com motores e caixas de câmbio de Porsche 911. Os veículos foram vendidos na Arábia Saudita, país cujo príncipe era amigo do pugilista.
“A negociação era com o consultor. Ele [Ali] ficava na linha de produção o dia todo, brincando com os trabalhadores e fazendo mágicas”, disse o empresário, que menos de um ano depois vendeu a fábrica.
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Durante sua estada em Curitiba, o boxeador mostrou-se uma pessoa com personalidade dupla. Em frente às câmeras e jornalistas quem dava as caras era Muhammad Ali, o personagem. Vestia terno, quase sempre escuro, falava pouco e, principalmente, não sorria.
Nos bastidores, o verdadeiro Ali aparecia. Vestia bermuda e chinelo. Era brincalhão. Aprendeu até os palavrões da linha de montagem, diverte-se Maluf.
O mal de Parkinson, doença que lhe tirou a vida em 3 de junho de 2016, ainda estava em fase inicial. “Ele tinha uns ataquezinhos, mas os ataques de malandragem eram muito superiores”, brincou.
São raros os que se recordam da vinda de Ali a Curitiba. O aposentado Arthur Theophilo de Castro viu a cena de longe. Ele era o proprietário do Ginásio Paranaense de Pesos e Halteres, que ficava bem em frente à Boca Maldita. “Olhei lá de cima, mas não cheguei a descer. Foi meio de surpresa”, falou Castro, que contou à Gazeta do Povo que um amigo fez até sombra com o lutador no calçadão.
De supetão também foi o encontro do colunista da Gazeta do Povo Edson Militão com o esportista. “Foi uma surpresa muito grande para todo mundo. Não foi anunciado que ele estaria lá. Foi absolutamente casual e olha que sou jornalista”, diz o jornalista, que depois compareceu à coletiva de imprensa da lenda do boxe no hotel Slaviero.
“Foi inusitado. Parecia a coisa mais normal do mundo ver Muhammad Ali andando na Boca Maldita”, fala o fotógrafo João Bruschz, um dos poucos que registrou o momento, a serviço do extinto jornal O Estado do Paraná.
Em duas tardes percorrendo a Rua XV de Novembro, a reportagem procurou, sem sucesso, personagens que se recordassem e/ou tivessem tido algum contato com o americano.
Uma história do tempo em que Curitiba virou o ringue particular do maior de todos, mas quase se perdeu.
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