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A paranaense Jéssica Andrade, 25 anos, disputa o cinturão peso-palha (até 52 kg) do UFC neste sábado (13), em Dallas, nos Estados Unidos.

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Bate-Estaca, como é conhecida no mundo da luta, enfrenta polonesa Joanna Jedrzejczyk, campeã desde março de 2015. O duelo é o segundo mais importante do UFC 211.

Conheça a trajetória da lutadora que saiu da roça para brilhar no octógono.

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Raiz rural

Jéssica nasceu e foi criada na zona rural de Umuarama, cidade de aproximadamente 100 mil habitantes localizada na região Noroeste do Paraná. Seus pais, Julio e Neuza, sempre trabalharam na roça e foi nesse habitat simples onde a garota cresceu.

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Bem antes de virar Bate-Estaca, ela já ajudava nas plantações de algodão, milho e feijão. “A vida dela sempre foi muito corrida, muito trabalhada. Não teve uma infância de criança. Aqui os filhos nascem trabalhando”, recorda o pai.

Até 2011, ano em que estrou no MMA profissional, a lutadora ainda auxiliava Julio, que era tratorista em uma usina de cana de açúcar. “Trabalhei cinco anos em um pesque-pague também. Só folgava um dia na semana. Fazia de tudo, limpava peixe, era garçonete…”, conta Jéssica, que também foi motogirl  entregava remédios para uma farmácia.

Fotos: Arquivo pessoal/Neuza Andrade

Paixão pelo futebol

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O esporte sempre esteve no sangue de Jéssica, que não perdia a chance de acompanhar o pai nas peladas por Umuarama. “Aos 14 anos ela me disse que queria ser igual a Marta, que seria famosa igual. Era o sonho dela”, fala Neuza.

E a garota até quem tinha futuro no esporte. Se destacou jogando futsal no colégio e recebeu até um convite para treinar em um clube de São Paulo. Ela recusou, pelo bem o MMA.

Mãe, sou gay

Aos 17 anos, Jéssica contou à mãe sobre sua orientação sexual. Com o pai, o assunto nunca foi tratado diretamente.

“No começo ela não aceitou que teria uma nora ao invés de um genro. Ficou muito triste, falava que era coisa do diabo. Tentei falar que sempre fui desse jeito, que não escolhi ser assim, que nasci assim”, conta a atleta, que morava ao lado de uma igreja.

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O preconceito dentro de casa demorou a cessar, mas o tempo foi crucial para a garota ser aceita novamente. “Eu passei a aceitar quando vi que ela terminava com uma namorada e arranjava outra. Terminava com uma e arranjava outra. Sou obrigada a aceitar. É o destino dela. Se Deus não aceita, por que fez ela assim?”, indaga a mãe, bastante religiosa.

Início e apelido infame

Jéssica estava no terceiro ano do Ensino Médio, em 2010, quando teve o primeiro contato com a luta. No contraturno escolar, conheceu o judô no projeto Mais Educação do Colégio Estadual Monteiro Lobato.

“Só que o professor não queria me deixar ficar porque as aulas eram só para os alunos do primeiro ano. Convenci ele a fazer a aula e passei o carro em todo mundo”, lembra.

Sua habilidade natural chamou atenção e, logo em seguida, foi chamada pelo mestre Tomeya Sasahara Filho a treinar na academia Gracie Humaitá. Como não tinha condição, pagava metade da mensalidade de R$ 80.

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Jéssica começou a treinar jiu-jítsu já no ano seguinte, em fevereiro. No primeiro campeonato, encarou uma adversária 10 kg mais pesada e muito mais experiente. “Era uma paraguaia, ela estava ganhando e na época eu fiquei apavorada. Eu a ergui e taquei no chão. Fui desclassificada por causa do bate-estaca”, explica.

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Estreia na brutalidade

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Em 6 de setembro de 2011, Bate-Estaca estreava no MMA profissional. O evento era o Sagaz Combat, em Umuarama. Gilliard Paraná, hoje treinador da paranaense, era o técnico da primeira rival e também ajudava a montar o card do torneio local.

“Me falaram que tinha uma menina começando, faixa-branca de jiu-jítsu, que queria estrear. Era jogadora de futebol, tinha jeitinho de homem, e disseram que talvez toparia. Falei para pôr ela mesmo”, resgata.

A luta foi contra Weidy Borges, que já tinha quatro lutas (e três vitórias). De acordo com Paraná, a diferença técnica entre as duas era nítida, mas acabou não contando no fim das contas.

Vitória por nocaute técnico no segundo round para Jéssica. “Ela venceu meio que na brutalidade”, ressalta o líder da academia PRVT (Paraná Vale-Tudo).

A grande aposta

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Assim que identificou Jéssica como um diamante bruto, Paraná a convidou para fazer parte de sua equipe. Por causa de questões particulares, a atleta demorou a aceitar. No período de aproximadamente um ano, ela fez mais oito lutas (seis vitórias e duas derrotas) antes de se mudar, entre idas e vindas, definitivamente para Niterói.

Foi somente após perder para Jennifer Maia no Samurai FC 9, em dezembro de 2012, que a paranaense passou treinar na PRVT. Atualmente, Maia é campeã do Invicta na categoria mosca até (57 kg).

“Foi uma luta dura, derrota por decisão. E foi ali que falei para ela: você tem potencial. E com a parte física que Deus te deu, não tem como você não evoluir se tiver o treino certo”.

Genética privilegiada

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Com 1,57 m de altura, Jéssica não é das atletas mais altas para o peso-palha. Porém, com seu estilo ‘compacto’, compensa qualquer desvantagem com muita força física.

Característica que veio da mãe, também baixinha e forçuda. E não foi a única herança materna. “A Jéssica tem muito mais força que eu. Eu só tenho força de coragem”, garante Neuza, que se define como briguenta na infância e adolescência.

Fã dos filmes de Bruce Lee, a agricultora recorda que aos 18 anos precisou enfrentar uma garota para defender sua irmã. Mesma confiança que não falta à filha.

“Ela chegou perto de mim, eu peguei as costas dela e fiquei ‘carcando’ golpes. Ela caiu, eu dei uns tapas e depois levantei. Falei que não queria mais brigar. Quando dei as costas, ela voou pra cima de mim. Eu só me abaixei, a joguei no chão e ela acabou quebrando o braço”, narra.

Fernando Andrade, irmão mais velho da lutadora, também já sofreu com a força de Jéssica. “Era difícil ter um dia que a gente não brigasse. Algumas vezes eu batia, mas ela ganhava a maioria. Mesmo três anos mais velho, ela já era mais forte. Se duvidar, daqui a pouco a caçula Nicoli já está me batendo também”, brinca.

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A virada

2013 foi o ano que mudou a vida da lutadora. Em janeiro, a paranaense conseguiu mais uma vitória em um torneio de pequena expressão, já no Rio de Janeiro. Três meses depois, sua próxima luta já aconteceria em outro patamar, na Rússia, no ProFC 47. A adversária local, Milana Dudieva, vinha de oito triunfos seguidos.

Gilliard Paraná não teve dúvida em escalar Jéssica, ainda crua, em uma disputa tão importante. “Nego fala que é botar em fria. Mas se o atleta estiver bem treinado, pega a fria e esquenta. Sou conhecido por isso. Em uma equipe maior dificilmente iriam acredita nela naquele ponto da carreira”, afirma o líder da PRVT.

“Não teria nada do que tenho hoje sem o mestre. Quem apostaria em uma menina faixa-azul que não sabia nada e lutava só na vontade. Ele sempre insistiu. Nunca tive técnica e aprendi muita coisa com ele. Ele me colocou em lutas que ninguém colocaria”, reforça Jéssica.

Depois de finalizar Dudieva, ainda no hotel em Rostov, eles ouviram do empresário Tiago Okamura que o Invicta FC, principal evento exclusivamente feminino, havia mandado um contrato. Queriam contratá-la de imediato.

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Paraná aconselhou a esperar por três meses. E foi exatamente nesse intervalo que apareceu o UFC.

Primeira brasileira no UFC

No fim de julho, Bate-Estaca pisava no octógono do Ultimate pela primeira vez — e também foi a primeira brasileira competir no maior evento do mundo. Na categoria galo (até 61 kg), foi derrotava por Liz Carmouche. Nocaute técnico no segundo round.

Prova de que o nível de competição era mesmo diferente. “Ela era muito crua quando comecei a treiná-la. Mandava dar um jab e dava um cruzado. Ela aprendeu a lutar mesmo foi no UFC. Fomos moldando ela lá”, ressalta o treinador.

Nessa mesma divisão, a paranaense emendou três vitórias seguidas. Depois, perdeu para Marion Reneau, derrotou Sarah Moras e foi derrotada na revanche com Raquel Pennington.

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Descida para cima

Foi aí que Paraná teve outro estalo. “Vamos descer de divisão”, avisou.

Jéssica concordou de prontidão. Se já conseguia bater em adversárias maiores, teria uma vantagem interessante diante de rivais teoricamente mais fracas. Outro benefício seria aumentar seu gás. Mas para funcionar, ela teria de mudar sua atitude.

“Antes era só McDonalds. Não era bem profissional. Hoje ela é, tem uma vida mais saudável e bate o peso com tranquilidade”, garante o treinador.

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A tática deu tão certo que depois de passar por Jessica Penne e Joanne Calderwood, a brasileira recebeu a chance de disputar o cinturão.

Oferta recusada. A decisão foi por ganhar mais experiência e se preparar melhor. Em fevereiro de 2017, veio o triunfo por decisão unânime sobre Angella Hill.

Agora Jéssica estava pronta.

Pai e filha

A relação entre Jéssica e Gilliard extrapolou o convívio de professor e aluna. Não é clichê dizer que ele virou um segundo pai para a lutadora. “Chamo ela de filhota. As outras atletas ficam até com ciúmes”, revela o mestre, que dos quase cinco anos de convívio até aqui, dividiram casa por quase quatro.

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“Até pouco tempo atrás eu metia nas decisões pessoais dela. Agora que está mais madura que não estou mais”, prossegue.

Como lutadora, a paranaense é pura raça — não desiste nunca e tem muita autoconfiança. No lado pessoal, o coração da garota é o que mais chama atenção do ‘segundo pai’.

“É uma menina 100%. Ela sempre ajuda as pessoas, compra comida, remédios. Na última Páscoa, foi até o banco e sacou diversas notas de R$ 50. Entrou no alojamento da academia e colocou em baixo do travesseiro de cada uma das meninas que treinam aqui com um bilhete. Um coração enorme”, elogia.

Futura campeã

Bate-Estaca tem muita confiança de que será a segunda brasileira campeã do UFC — a baiana Amanda Nunes foi a primeira, no ano passado. “Eu já vejo esse cinturão na minha cintura. A Fernanda [esposa] diz que só estou indo buscar”, fala a lutadora de Umuarama.

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“Eu quero vencer. Vou dar meu máximo. Se não conseguir, sei que vou ter outra oportunidade. Sou nova. Mas todo mundo que me conhece sabe que sou confiante. Já entro com o pensamento que serei campeã. Sei que a Joanna é perigosa, mas penso que posso ser mais perigosa ainda. Isso faz uma grande diferença”, atesta.

Paraná admite que a rival polonesa, ainda invicta na carreira, é favorita. O trabalho deles é surpreender.

Afinal, não passaram por tanta coisa por nada. “A Jéssica nasceu uma campeã. Ela ainda é uma atleta intermediária, não chegou no ápice, e já está disputando o cinturão. A maioria das atletas do UFC já está em 80%, 90% de seu desenvolvimento. Ela não chegou na metade e tem grande chance de vencer com seu vigor e a patada que tem nas mãos. O favoritismo da Joanna não é sinônimo de vitória”, prevê.