A lona preta chegava a refletir devido à excessiva iluminação sob o ringue do Showfight 2, no centro do DirecTV Music Hall, uma das principais casas de show de São Paulo.
Na noite de 17 de maio de 2005, aos 19 anos, Cristiane Justino — ainda sem ainda incorporar o apelido Cyborg, originário de seu então namorado Evangelista Santos — estreava no MMA profissional. Há 12 anos, o novo esporte ainda habitava uma cinzenta zona de interseção com o vale-tudo.
A adversária era a paraense Erica Paes, cinco anos mais velha, ex-campeã mundial de jiu-jítsu. O duelo organizado pelo polêmico dono do Bahamas, Oscar Maroni, era mais um capítulo da rivalidade entre a carioca Brazilian Top Team (BTT) e a curitibana Chute Boxe (CB).
Cris, que já era um expoente do muay thai, subiu confiante ao ringue de cordas vermelhas. Ela era escoltada por Wanderlei Silva e Maurício Shogun, na época campeões do Pride.
Do outro lado, outras duas lendas do vale-tudo acompanhavam Erica: Rodrigo Minotauro Nogueira e Murilo Bustamante.
E apenas 1min46s depois de o árbitro autorizar a porrada (veja no registro abaixo), Cyborg conheceu sua única derrota até hoje.
Neste sábado (22), aos 32 anos, a atleta busca sua 18ª vitória na carreira. Caso consiga, será coroada campeã peso-pena (até 66 kg) do UFC.
Oficialmente, o revés foi resultado de uma chave de joelho. Argumento que Erica banca com firmeza em entrevista ao Luta Livre.
“Ela [Cyborg] alega que perdeu a luta porque deslocou o braço. É papo, quem deslocou primeiro fui eu. Isso não é desculpa”, diz a paraense, que conta com detalhes como aplicou o golpe vencedor.
“Ela tentou aplicar um mata-barata e eu parei ela no ar. Tipo, ela saltou uns dois metros, eu voei ela cinco. E no momento em que ela caiu no chão, realmente machucou o braço. Mas não pediu para parar, continuou batendo, mas já debilitada. E aí eu consegui aplicar uma raspagem, encaixei um leg lock, por sinal uma das minha especialidades”, recorda, sobre a “fácil” finalização.
O ex-lutador Cristiano Marcello, na época treinador de jiu-jítsu da Chute Boxe, contesta. Ele estava no córner da curitibana alega que a desistência foi relacionada à lesão.
“Ela não bateu no leg lock. O cotovelo deslocou e não pôde voltar para a luta. Na verdade, eu até estava acalmando o ímpeto dela por conhecê-la dos treinos. Sabia que sairia igual uma maluca pra dentro da menina. Ela estava muito bem e eu sabia que ganharia”, diz.
O confronto pode ter durado menos de dois minutos, mas o clima tenso — algo já natural pela rivalidade entre as academias — ficou ainda mais quente após a pesagem. Pelo menos na cabeça de Erica.
A paraense conta que após não bater os 63 kg estipulados, Cyborg provocou com um sorriso. Foi o que bastou para inflamar a representante da BTT, que recebeu cerca de R$ 3 mil como bolsa.
“Isso mexeu muito comigo, me lembro como se fosse ontem”, fala.
“Sou do mato, do Norte. Não dormi a noite toda pensando no sorrisinho dela me menosprezando. Pensei: ah, essa mulher vai morrer. Vou botar rápido pro chão e vou pegar. E foi isso que aconteceu”, relata a única algoz de Cristiane Justino.
Seis meses após a derrota, Cyborg voltou ao ringue no Samurai Storm, em Curitiba. Por decisão unânime, bateu Vanessa Porto. O duelo pavimentou sua caminhada ao posto de lutadora mais dominante do planeta.
Nas nove lutas seguintes, aplicou oito nocautes. Já como campeã do Strikeforce, Cris levou a japonesa Hiroko Yamanaka à lona em 16 segundos, mas o resultado se tornou um No Contest após a curitibana testar positivo para o metabólito stanozolol, esteroide sintético derivado da testosterona.
Cris, que admitiu o uso de um suplemento banido para perder peso, foi punida por um ano. E voltou ainda mais forte.
Foram mais cinco nocautes em cinco lutas no Invicta, evento do qual se tornou campeã. Depois, já no UFC, outros dois resultados avassaladores em lutas de peso casado em 63,5 kg. Primeiro contra Leslie Smith, em Curitiba, em seguida diante de Lina Lansberg, em Brasília.
Agora, diante da americana Tonya Evinger, a paranaense finalmente terá a chance de ser reconhecida em sua própria categoria no Ultimate. E lutando em Anaheim, sua casa nos Estados Unidos, onde mora desde 2009.
“A ascensão dela não me surpreendeu. É tudo resultado de trabalho e dedicação”, elogia Erica.
“Tomara que ela consiga trazer mais essa vitória para nosso país. Sou uma admiradora do trabalho dela, de como ela passou por toda essa dificuldade de receber bolsa menor do que os homens e ter se mantido ali, não deixando isso atrapalhar seu sonho”, completa.
Erica, que atualmente trabalha como consultora da Globo e treinadora da atriz Paolla Oliveira, não pensa em uma revanche com Cyborg. Mas se ela fosse inevitável, a lutadora tem certeza de como o combate acabaria. Ou quase.
“A Cyborg é uma atleta exemplar, grande pra caramba, mas se lutarmos 20 vezes, pego ela as 20 porque ela não tem chão para mim. A não ser que ela dê a sorte de acertar uma mão no meu queixo e eu cair…”, garante a faixa-preta de jiu-jítsu.
“Me sinto lisonjeada por ser a única mulher [que a venceu], o calo dela”.
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