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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

A esquerda e os liberais criaram uma caricatura dos apoiadores de Bolsonaro

(Foto: Carl de Souza/AFP)

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Para a esquerda, o apoiador do presidente Bolsonaro provavelmente precisa ser exorcizado. Para os liberais, que insistem em não aprender que arrogância é bicho que come o dono, Bolsonaro é bicho que pode ser domado pela excelência de Paulo Guedes e sua equipe. Tenho uma má notícia para os inteligentinhos de plantão: pessoas não podem ser encaixadas nos estereótipos criados para elas.

O Instituto Travessia fez, entre os dias 9 e 10 de julho, uma pesquisa com os apoiadores do presidente para descobrir o que pensam sobre os mais diversos temas. As respostas mostram posicionamentos muito mais sensatos, humanos e razoáveis do que os vociferados por paquitas de políticos à direita e à esquerda. Diferentemente das cheerleaders, o foco do cidadão comum não é ganhar debate, é o futuro da própria família e do Brasil.

O brasileiro é um povo conservador e cristão, mas não é insensível a temas como desmatamento e racismo, como dão a entender vozes estridentes que buscam aparecer com discursos radicais. Também compreende as necessidades dos mais pobres, a dinâmica do auxílio emergencial do Estado e até a interferência na economia. O resultado, pasmem, confirma a tese do economista francês Thomas Piketty, ídolo da esquerda, em seu novo livro, Capital e Ideologia. Ele avisa que a esquerda perdeu os pobres desde os anos 80, se "gourmetizou" e vem sendo apoiada pelo que ele chama de "brâmanes", uma casta social de ricos que pregam igualdade sem viver. A esquerda perdeu os pobres porque não cumpriu o que prometeu, não por causa de ideologia.

Vamos aos fatos: o eleitor bolsonarista é contra diminuição de reservas indígenas na Amazônia, acha que o Estado deve interferir na economia, é a favor de programas de transferência de renda, apóia protestos contra o racismo, apóia protestos a favor da democracia, repudia protestos pedindo golpe militar, despreza a aproximação com o centrão e não gostou do veto do presidente ao decreto que obrigava o uso de máscaras. Mais uma vez, a realidade dá um tapa na cara da arrogância.

Ao pintar esse grupo de eleitores como radical, ignorante e repulsivo, a esquerda, o centro e liberais mostram a tendência que Piketty registra em seu livro como ocorrendo desde a década de 1980, o domínio de determinados grupos políticos por uma elite econômica, intelectual, social e cultural. Ao mesmo tempo em que é impossível a participação para quem não faz parte dessa elite, esses grupos compreendem cada vez menos o mundo do qual fazem parte. Pouco importa se apóiam ou fazem oposição ao presidente, o fato é que o centrão e Bolsonaro entendem esse público enquanto as outras forças políticas o estereotipam e não se relacionam com ele.

Muitos estranham que os liberais, presentes no governo Bolsonaro desde o início, e apoiadores incondicionais do presidente, apanhem tanto na imprensa e nas mídias sociais dos bolsonaristas raiz. É simples: a imagem e as realizações deles pouco importam para a maior parte dos apoiadores, que acredita em interferência do Estado na economia e em tranferência de renda. Falam para um público restrito e elitista, que subestima a importância de falas e comportamento do presidente da República por arrogância e conveniência.

O Instituto Travessia entrevistou por telefone 600 pessoas que disseram votar em Jair Bolsonaro caso as eleições fossem realizadas hoje e traçou um perfil de eleitor que contraria os estereótipos. A pesquisa foi feita para o jornal Valor Econômico e trago aqui uma análise aprofundada.

Quanto à gestão da crise do coronavírus, o apoio é total. A condução do presidente é aprovada por 79%, a redução das medidas de isolamento é aprovada por 90% e 52% acham que Jair Bolsonaro não se expôs ao vírus mais do que deveria. Mas repare que não temos zumbis, são pessoas críticas também. Diante da pergunta: "você aprova o decreto do presidente que não torna obrigatório o uso de máscaras no comércio, escolas e igrejas?", 58% dizem não.

Outro dia, Paulo Guedes estava desdenhando do Plano Real na televisão. Jair Bolsonaro votou contra. Lula foi contra. O brasileiro não quer saber de bate-boca eleitoral quando se fala em orçamento doméstico. Quando se pergunta em que época a situação econômica da família era melhor, 26% dizem Plano Real. O curioso é que 26% assumem que não conseguem precisar. Ou seja, o povo não fica dando resposta por questão ideológica. E tem bolsonarista que assume ter tido melhor situação financeira no Governo Lula.

Quanto se trata de Estado e economia, existe a impressão de que o bolsonarista é necessariamente liberal, a favor do Estado mínimo e interferência zero. Isso é marketing, não vida real. A situação é apertada, mas com vitória da interferência Estatal. Quando se pergunta sobre ser favorável à interferência do Estado na economia, 45% dos bolsonaristas são a favor, 42% são contra e 13% não sabem. Já na questão dos programas de transferência de renda, 42% são favoráveis, 38% contrários e 20% não sabem.

Há um discurso tradicional dos presidentes brasileiros da última onda democrática que elege imprensa e Congresso Nacional como inimigos. Desde as primeiras denúncias do Mensalão, o STF entrou no caldeirão também. Continua sendo um discurso bastante efetivo. Entre os bolsonaristas, 84% aprovam as críticas à imprensa, 95% não apóiam a atuação dos políticos do Congresso Nacional e 90% não apóiam a atuação dos ministros do STF. Embora essas impressões sejam, na maior parte, oriundas de discursos políticos e não de conhecimento efetivo de fatos, o espírito crítico permanece. Há todo tipo de justificativa para tentar beatificar o centrão, mas 58% dos bolsonaristas rejeitam a aproximação e só 25% aprovam.

Na questão do combate à corrupção, os bolsonaristas confiam no presidente. A maioria, 57%, diz que nem ele nem familiares estão envolvidos em caso de corrupção e 91% acreditam que Bolsonaro está combatendo a corrupção. A saída de Sergio Moro do governo é apoiada por 62% dos apoiadores do governo.

Os dados mais interessantes estão nas avaliações dos apoiadores de Jair Bolsonaro sobre os protestos. A maioria esmagadora, 83%, é favorável a protestos pró-democracia e 62% são contrários a protestos que falem em golpe militar. Quanto aos protestos contra o racismo, eles têm apoio de 63% dos bolsonaristas.

Na questão da segurança pública e do uso de armas, a posição é a que se espera. Quase todos os bolsonaristas, 98%, são a favor de que a polícia aja com mais rigor contra os criminosos. A maior liberação de armas para a população civil tem apoio de 75%. Já na questão da religião, mais uma surpresa para quem confia em clichês: 60% não crêem que questões religiosas devam orientar ações do governo.

Na questão de terras indígenas e preservação da Amazônia, as frases de efeito que tanto fazem sucesso para debates políticos nas redes sociais estão fora da realidade do eleitorado. Mais da metade dos apoiadores de bolsonaro, 55%, é contra a diminuição de reservas indígenas na Amazônia. No entanto, o mesmo percentual se diz favorável a maior flexibilização nas políticas de preservação. Já as principais ameaças para a Amazônia se dividem, mas o brasileiro nunca duvida do potencial do criminoso tupiniquim.

O apoiador do governo Jair Bolsonaro está muito longe de ser o atentado contra a civilização pintado pela esquerda e por parte da mídia. Mas a quebra do estereótipo vai além. Esse eleitorado também não compra o discurso de "liberais" que nunca viveram como pregam, filhotes do distorcido capitalismo de compadrio e beneficiários de um sistema político corrupto, que defendem para os outros o rigor a que não se submetem. Quanto ao discurso que desdenha de indígenas e debocha do racismo, parece que só está mesmo na boca dos bajuladores de políticos, o povo quer é convivência pacífica e igualdade de oportunidades.

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