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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

A incapacidade de perdoar e admitir que erra

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É cômodo pensar que a política brasileira seja um ambiente imoral completamente apartado das práticas e costumes da nossa sociedade, mas não é. Apenas muda o tipo de imoralidade que se pratica e tolera e em que medida. Enquanto na política, a gula por poder e dinheiro é o pecado da vez, na sociedade a soberba domina os corações.

A maior imoralidade não é cometer pecados, é tolerar uma sociedade em que boa parte dos indivíduos se comporta como se não errasse e cultiva o hábito de não perdoar os erros dos demais. Na ilusão do ser humano semideus é que nasce a intolerância.

Na política e nas redes sociais estão exacerbadas as tentativas de fingir que não erramos e de apontar o passado alheio como determinante para que jamais possa fazer parte de um grupo marcado pela aspiração de pureza total. Não se trata de política nem ideologia, a soberba é democrática e abriga todos os matizes.

Eles não são como nós é uma afirmação que passou a ser corriqueira, como se houvesse uma classe de ser humano menos pecadora e com menos debilidade moral que a outra. Encobrir a condição humana é uma tarefa árdua, feita diariamente ao apontar o dedo para o cisco no olho alheio tentando esperar que ninguém veja a trave no próprio.

Ontem, uma horda atacou dois pais de família que trabalhavam. Os talentosíssimos Dida Sampaio e Orlando Brito, fotojornalistas do Estadão, figuras históricas de Brasília, foram desumanizados por adoradores de políticos. Dida foi arrancado da escada usada para fazer fotos, jogado ao chão e pisoteado. Um ser humano só faz isso com outro quando acredita ser puro e estar diante de um ímpio, ou seja, quando se torna uma aberração moral completa.

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Aqui falamos de um extremo da negação da condição humana, um grupo que se crê puro e ungido como os seres humanos não são e, exatamente por isso, considera-se no direito de praticar atos bárbaros. É uma lógica tortuosa mas, aparentemente, há um bom punhado que pensa assim ou tolera quem pense assim, ambos os grupos vivem de acordo com a mesma moralidade.

A incapacidade de perdoar leva à necessidade de escamotear os próprios erros e à prática de necessariamente viver enlameado na mentira.

Vi pessoas respondendo ao vídeo chocante do pisoteamento do repórter fotográfico com um "Uma Escolha Muito Difícil", em alusão a um editorial feito pelo jornal onde ele trabalha, não por ele. É a outra face da desumanização e da tentativa de se vender como ser humano perfeito.

Se chegamos ao nível de barbárie em que estamos é porque todos erramos e todos fomos tolerantes demais com erros alheios. A sociedade brasileira valoriza muito a prática de mudar de assunto para desanuviar o clima quando alguém confronta quem errou, agora está pagando um preço caro pela própria covardia e frivolidade.

Agimos assim também pela nossa incapacidade crônica de perdoar. Só perdoa quem sabe que é falho, que é moralmente imperfeito, que erra. Só perdoa quem vê no outro a miséria da condição humana que reconhece dentro de si.

Em alguns grupos, escolher alguém como alvo apontando erros da pessoa ou de quem a cerca, é visto como sinônimo de virtude. Eles não são como nós, nós não nos misturamos com corruptos ou nós não misturamos com fascistas. Mentira, somos uma sociedade só e estamos todos misturados. Se os extremos sentem-se tão poderosos é porque não lhes demos limite e calamos quando deveríamos agir.

Todos os que estão enlameados hoje terão a oportunidade de se limpar. Nós consumimos, no mundo inteiro, os produtos das empresas que financiaram o nazismo e utilizaram-se do trabalho escravo de gente sequestrada, despojada de seus bens e violentada das formas mais cruéis possíveis. Houve arrependimento de muitos, reparação, redenção, conscientização.

A prática de apontar o dedo para o outro sempre será combustível de grupos sectários, os que demandam a imoralidade da pureza humana, impossível na realidade e possível no universo diabólico da mentira. Jair & Jean não mudarão, vão manter o tom alto e virulento dos discursos, elegendo diariamente alvos diferentes, para manter seus seguidores na ilusão de que são melhores que os demais seres humanos. Não são.

Não é por suas crenças e seus discursos que serão melhores moralmente daquilo que a ambos causa ojeriza: o centrão e a velha política. A diferença entre quem chafurda na lama da imoralidade e de quem, com disciplina, tenta limpar-se dela diariamente são os atos, não as palavras. Fingir não ter erros é uma falha moral que leva a todo tipo de barbárie.

Todos nós erramos diariamente. O ser humano não faz o bem que quer e faz o mal que não quer, é da nossa natureza. Temos de encarar nossos erros, aprender com eles, reparar as outras pessoas. Negar erros é a raiz da intolerância.

Perdoar não é esquecer nem compactuar e muito menos permitir que se repita. Perdoar é saber exatamente o que ocorreu, ter consciência de que pode se repetir, aprender para evitar que ocorra mas, sobretudo, saber que nossa alma é tão falha quanto a de quem cometeu o ato.

Estamos em um momento da mais alta tensão política e todos nós, mesmos os que negarão isso eternamente, sabem que todos erramos diariamente, em atos e palavras, em ações e omissões. Que saibamos encarar a dor de ser falhos e tenhamos a generosidade de perdoar quem paga pelo que fez e se arrepende de forma genuína.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

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