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"Quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil", segundo Millôr Fernandes. Trata-se de uma espécie de epidemia absolutamente democrática que agora desembarca no campo do improvável: a briga da militância trans com as mulheres que trabalham na área de beleza e estética. Até a imprensa ajudou a acender aqui a centelha da briga já pacificada pela Justiça no Canadá.

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O caso brasileiro chama-se "Salvador Bronze". Trata-se de uma clínica especializada no glorioso bronzeamento com fita adesiva, modalidade que tomou de assalto o mundo da sensualização há alguns anos. Depende, necessariamente do sol. Por R$ 80, uma personal bronzer monta com fita adesiva um biquíni na mulher e acompanha sua exposição ao sol. Por que alguém faria isso? Para que as marquinhas de sol fiquem bem definidas.

A prática surgiu nas lajes das favelas do Rio de Janeiro, em que as meninas faziam os próprios biquínis com fita isolante. Assim que famosas do mundo da música começaram a copiar o look e até a divulgar vídeos em que faziam bronzeamento com fita adesiva, a prática entrou no coração do Brasil. Clínicas começaram a pipocar por todo o país. Uma delas é a Salvador Bronze, na Boca do Rio, um dos bairros mais violentos da capital baiana.

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O inferno da Salvador Bronze começou quando a clínica resolveu avisar que não atende mulheres trans, por meio de uma postagem no Instagram. Bastou um dia de ataques para que o pequeno comércio deletasse sua página.

As associações de travestis e transgêneros fizeram uma forte campanha nas redes sociais. Não, não era para convencer a clínica a treinar suas profissionais ou contratar quem tenha treinamento para atender transgêneros, era só para ir lá "denunciar a homofobia". No caso, o chamamento foi entendido como passar o dia xingando as mulheres da clínica de bronzeamento com fita adesiva da periferia de Salvador.

Obviamente a imprensa entrou no caso e teve até pronunciamento da Defensoria Pública, curiosamente sempre muito rápida para casos envolvendo direitos fundamentais como o de se bronzear com fita adesiva em uma clínica específica da periferia de Salvador. Trata-se, claramente, de um problema urgente da capital baiana, famosa por já ter resolvido todos os problemas de direitos fundamentais menos graves que esse.

Depois dos primeiros ataques, a clínica tentou explicar as razões objetivas para não atender mulheres trans. Aparentemente, não funcionou. A página do Instagram acabou deletada e a do Facebook, que permanece no ar, está lotada de xingamentos. Revivemos aqui no Brasil um caso que já transitou em julgado no Canadá: o direito fundamental das mulheres trans de exigir serviços estéticos em seus órgãos genitais, mesmo que eles sejam masculinos. A moda começou com uma ativista super midiática, que conseguiu fechar uma clínica e colocar suas donas, entre elas brasileiras, em uma situação financeira muito difícil. No final, elas ganharam na Justiça e a ativista teve de ressarcir também os danos financeiros.

No caso da Salvador Bronze, ativistas trans disseram que alegar "limitações técnicas" é uma desculpa esfarrapada. Um membro da Defensoria Pública disse à imprensa que não consegue imaginar qual é a limitação técnica. Achei que muita gente conhecia: chama-se PÊNIS.

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Mulheres trans não são necessariamente pessoas que passaram por cirurgia de reversão sexual, há pessoas que mantêm o órgão sexual masculino e se identificam como mulheres e trans. Na militância online, começou a ser moda que ativistas nessa condição pedissem serviços estéticos na região íntima para mulheres e, diante da negativa, iniciassem uma jihad contra quem não atendeu, alegando transfobia.

Parece surreal? Não é, está acontecendo diante de nós em uma das bolhas mais agressivas da internet. Assim como gamers, channers, extremistas políticos dos dois pólos, trolls do mercado financeiro e antivacinas, coincidentemente a bolha da militância trans prefere mirar mulheres e fazer ataques pessoais, sempre com a justificativa da causa maior. A distopia chegou ao ponto de gritar contra transfobia porque uma clínica de ginecologia disse que não poderia atender uma mulher trans porque ela tem um pênis, não uma vagina.

A discussão da clínica de bronzeamento no Brasil é a mesma que já foi feita com as depiladoras canadenses: o treinamento para procedimentos estéticos em genitais femininos e masculinos é diferente. Além disso, há mulheres que não querem trabalhar tocando genitais masculinos. Não têm esse direito?

Outra questão, que é a alegada "limitação técnica", está extensivamente debatida no processo do Canadá. E, embora seja óbvio, não custa repetir nesses tempos de pós-verdade: a região íntima masculina é diferente da feminina, inclusive na elasticidade da pele. Para se fazer uma depilação com cera ou se colar uma fita adesiva na região escrotal, é necessário ter o treinamento para fazer de forma adequada. Para fazer procedimentos como esses na área íntima feminina, mais compacta e menos elástica, não é necessário ter tanta experiência ou treinamento.

Pesquisei se há, em Salvador, clínicas semelhantes, de bronzeamento com fita para homens. Há dois tipos: as que fazem com sunga e as que montam um biquíni de fita adesiva. O primeiro tipo é mais comum e aparece até em reportagens na televisão: o homem fica com a sunga e o adesivo é colocado apenas nas bordas para a marquinha ficar evidente. A modalidade biquíni é menos comum, mas também existe em algumas clínicas. Vi fotos e realmente fica uma obra de arte, mas confesso não ter tido coragem de ver o momento em que se arranca o biquíni de fita.

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Machistas clássicos e velhos babões devem morrer de inveja da nova modalidade de machismo, que encontra justificativas morais para obrigar mulheres a tocar em órgãos sexuais masculinos até durante o horário de trabalho. A militância trans faz essa proposta justamente no momento em que os brucutus até agora privilegiados começam a ser punidos por humilhar e subjugar mulheres.

Não importa o gênero com que a pessoa se identifique: quem é criado como homem não aceita o mesmo nível de humilhação que nós, mulheres, somos ensinadas a engolir caladas desde o berço. Nossa sociedade ensina os meninos, desde pequenos, a não levar desaforo para casa, falar mais alto e obrigar as mulheres a fazer o que eles querem, mesmo que não tenha nenhum sentido. Funciona perfeitamente: mesmo os que passam a se identificar socialmente como mulheres continuam agindo do mesmo jeito.