Ao que tudo indica, caiu um mito: não são os Estados Unidos o país com maior índice de prisões por habitantes, é Cuba. Os dados constam de um relatório da Organização Não Governamental Prisoners Defenders, com sede em Madri, divulgado esta semana. Não se trata de uma entidade tradicional de defesa dos Direitos Humanos, mas de uma nova organização, presidida e fundada por um dissidente cubano que se tornou um empresário de sucesso na área de telecomunicações na Espanha, Javier Larrondo.
Depois de trabalhar no topo de grandes empresas espanholas, o engenheiro juntou-se a advogados e políticos especializados em imigração com o objetivo de expor as entranhas da máquina de repressão cubana, muitas vezes romantizada por aliados do regime. Além da ONG em Madrid, ajudou a fundar a União Patriótica de Cuba, encabeçada por um ex-preso político, José Daniel Ferrer, um movimento de resistência que conta com 3 mil filiados divididos em 112 células e 25 sedes no território cubano.
É a primeira vez que se abre a caixa preta do sistema penal cubano, que enfrenta problemas de superlotação carcerária e mistura delitos comuns com comportamentos que ameaçam o socialismo.
Não parecia muito lógico que o país com maior taxa de prisões no mundo fosse uma democracia. Por mais duras que sejam as leis penais, as prisões são parte da política criminal e dependem do Judiciário, não do chefe do Executivo. Nas ditaduras, restrição de liberdade é arma política e não existe nenhuma transparência nos dados de encarceramento. Muita gente se perguntava o que aconteceria se alguém fosse atrás dos dados sobre prisões escondidos por ditaduras e agora temos os resultados.
Embora o número total de prisioneiros cubanos não chegue a um décimo dos norte-americanos, temos um novo recorde: 794 presos a cada 100 mil habitantes contra 655 presos a cada 100 mil habitantes nos Estados Unidos. O mais assustador, no entanto, não é o recorde de prisões, é a motivação delas. O regime cubano não mira em coibir o crime comum, mas em quebrar o espírito de seus opositores e prioriza o encarceramento por crimes políticos, alguns cometidos e outros que nem cometidos foram.
Segundo o relatório, desde 2017 o alto custo do sistema carcerário tem sido um problema para o governo cubano, o que iniciou uma política de desencarceramento que não deixa de lado a importância da privação de liberdade para manutenção do regime totalitário. E como se faz isso? Libertando antecipadamente ou concedendo perdão presidencial aos presos por crimes comuns.
A cada 10 processos penais em Cuba, 9 terminam em condenações dos réus. Todos os anos são iniciados cerca de 32 mil processos que acusam entre 35 mil e 40 mil pessoas. O resultado é que entre 32 mil e 37 mil pessoas serão consideradas culpadas, sendo que 69% terão como condenação a prisão ou trabalhos forçados, ou seja, um ingresso de 22 mil a 25,5 mil presos no sistema carcerário anualmente. Outras 50 mil pessoas são julgadas em processos penais administrativos, que resultam em pagamentos de multas ou confisco feitos pela política.
Se os rankings internacionais anteriores utilizavam os dados sobre presos fornecidos informalmente pelo jornal oficial da ditadura cubana, o Granma, em 2012, o novo levantamento traz dados que o próprio governo de Cuba divulga. O sistema registra 127.458 pessoas no sistema penal, sendo 37.458 em algum tipo de controle judicial policial mas em liberdade e os outros 90 mil presos. Como lidar com um número anual de novos condenados que equivale a 1/5 de todo sistema? A ditadura cubana já encontrou um jeito.
Todos os anos, 21,6 mil presos comuns saem antecipadamente das prisões cubanas e entre 2 mil e 3 mil são liberados por indulto presidencial. O volume de presos que entra e sai no sistema anualmente é praticamente o mesmo, mas o rigor é maior com os crimes políticos.
O Código Penal de Cuba tem uma particularidade que permite à ditadura encarcerar quem incomoda com base legal, os "Estados Peligrosos", elencados entre os artigos 72 e 84. Não é preciso ter feito nada para se enquadrar nesses delitos, que rendem de 1 a 4 anos de prisão. Tomemos por exemplo o art. 73.2, "Conduta Antisocial", que significa um "comportamento contrário à moral socialista" que coloca o indivíduo em estado de perigo e de cometer um delito. O que as democracias vêem como uma ficção perigosa em Minority Report é realidade na lei cubana, a possibilidade de prender por "perigo social pré-delitivo", ou seja, risco de delinquir. Estima-se que 11 mil pessoas estejam cumprindo pena em Cuba sem ter cometido nenhum delito.
No relatório dos presos por conduta antisocial, há 8,4 mil pessoas privadas de liberdade por "perigo social pré-delitivo". A cada ano, a estimativa é de novos 3814 condenados pelas mesmas razões, sendo que 2929 perdem a liberdade e 885 recebem penas alternativas como trabalho comunitário ou permanecer sob vigilância policial. Os presos por esses motivos não podem entrar naquela lista de soltura por desencarceramento antecipado, já que o Código Penal Cubano proíbe que a defesa faça esse pedido judicial. Se, nos crimes comuns, trata-se de procedimento corriqueiro, nesses casos depende de determinação prévia do Ministério do Interior.
A Prisoners Defense reuniu mais de 100 sentenças condenatórias semelhantes a essa, por "Índice de Perigo". O texto é rigorosamente o mesmo em todas e as prisões variam de 1 a 4 anos, sob uma acusação completamente vaga: "Provado que o acusado não tem vínculo laboral, altera a ordem pública e é propenso ao delito associando-se com pessoas similares. Não pertence a nenhuma organização de massas, pratica o assédio ao turismo, etc. , razão pela qual este tribunal aplica a pena de prisão".
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