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Hoje é o dia em que muita gente voltou a acreditar em pesquisa e até no Datafolha, afinal o instituto divulga que o presidente Jair Bolsonaro chegou a seu maior patamar de aprovação e menor de reprovação desde o início do governo. E, não custa lembrar, começou com altíssimas expectativas, depositadas principalmente no desempenho da equipe econômica de mentes brilhantes com zero experiência no serviço público.
No meio de uma pandemia, com escândalos familiares que cada vez mais parecem uma novela policial mexicana, uma polêmica sem fim sobre militares no governo e um desabamento monumental da tal equipe Posto Ipiranga - boa de buzina e ruim de roda - chega-se ao maior grau de aprovação da figura de Jair Bolsonaro. O que aconteceu? O presidente cortou o peso morto.
O mercado convenceu-se de que a pauta liberal de Paulo Guedes foi responsável pela eleição de Bolsonaro. Formadores de opinião consideraram que a presença de Sergio Moro no ministério elegeu Bolsonaro. Medem o mundo a partir do próprio umbigo e deram com a cara na porta. Jair Bolsonaro se sustenta na pauta de costumes que defende, importante para a maior parte de seus eleitores.
Nessa pauta estão os valores liberais, mas não o liberalismo ruidoso e arrogante dos bem nascidos da Faria Lima. Apesar de se terem em altíssima conta e repetirem isso sem parar, não conseguiram conduzir a missão que assumiram porque não tiveram competência para superar as adversidades. Prometeram uma revolução e entregaram desculpas.
Muita gente defende Estado menor, menos burocracia e menos interferência no mercado, incluindo boa parte da classe média, micro e pequenos empresários e empreendedores individuais. Eles até concordam com as ideias do grupo de Paulo Guedes, mas certamente estão decepcionados com o desempenho. Houve uma promessa ao país de fazer uma verdadeira revolução liberal no primeiro ano de governo. Talvez até Jair Bolsonaro tenha acreditado nisso. O fato é que, sem experiência na máquina pública e com arrogância de sobra, essa equipe não conduziu o que prometeu.
Os abalos na equipe econômica não afetam a popularidade de Jair Bolsonaro, afetam a credibilidade de todos os liberais que usaram sua influência para convencer o povo de que aquela equipe específica, a de Paulo Guedes, seria capaz de cumprir o que prometeu. Não foi.
O eleitor de Jair Bolsonaro acredita nos valores tradicionais, incomoda-se com a subversão desses valores e vê esse governo como alternativa para que essas questões não sejam ridicularizadas. Um exemplo: cada vez que algum cristão é nomeado para um cargo no governo, há um escândalo da ala progressista sobre a licitude na nomeação. Os 90% de brasileiros que se declaram cristãos vêem nesse governo uma boa chance de não virarem reféns do desdém e do deboche dos progressistas.
A base de apoio de Jair Bolsonaro quer políticas públicas que valorizem a família, a ordem, os valores tradicionais e saibam a importância que a fé tem na vida das pessoas. Antes da campanha, esses pontos foram muito explorados pela ala olavista do bolsonarismo, responsável por falar à exaustão do desrespeito a cristãos, subversão dos papéis familiares tradicionais, incentivo à promiscuidade, idolatria a bandidagem e ridicularização de quem anda na linha. Assim como os liberais, prometeram muito e entregaram desculpas.
O Brasil tem uma sociedade pacífica e ordeira, que ficou profundamente incomodada com a ideia de ter um presidente do cercadinho do Alvorada em vez de um presidente da República. A lógica do grupo olavista é normalizar o desrespeito, a ofensa e os ataques a quem não faça parte do grupo. Até os liberais foram atacados por eles sistematicamente. Esse comportamento é muito útil em eleição, mas não ajuda nada a governar, muito pelo contrário.
Abandonar o espetáculo diário no cercadinho do Alvorada, celebrado pela ala ideológica do governo como grande vitória diária, foi a vitória de Jair Bolsonaro. Aliás, o presidente discretamente livrou-se do membro mais ruidoso da ala ideológica. Se sabem como bombar nas redes sociais, não entendem muito de governar um país. Aliás, a maioria nem no Brasil mora.
Roberto Jefferson é o representante do centrão que incorporou o discurso da pauta de costumes antes feito pelos discípulos do guru Olavo de Carvalho no governo. Essa pauta, que inclui valores cristãos, família e ordem, é importantíssima para o governo Jair Bolsonaro. A grande diferença entre os dois grupos é que o de Roberto Jefferson tem muita experiência em fazer andar a máquina pública. Já o grupo de Olavo de Carvalho é composto por pessoas inexperientes no serviço público e dependentes da criação diária de conflito, o que desestabiliza a máquina pública.
A aproximação com Michel Temer, convidado a liderar uma comitiva brasileira ao Líbano, foi estratégica para sinalizar uma mudança no governo. Se antes só se governava para a base mais aguerrida e violenta, agora se estende os braços a outras forças moderadas e de direita. Além disso, entra na pauta da presidência a compaixão que muito fez falta na fase das declarações lacradoras e desumanas no início da pandemia. Para o eleitorado, faz mais sentido acreditar que Jair Bolsonaro muda do que esperar que a oposição a ele pare de ridicularizar sistematicamente a defesa dos valores tradicionais e cristãos.
Tanto o grupo liberal quanto o grupo ideológico acreditaram que colocariam um cabresto em Jair Bolsonaro. Ele seria o presidente, mas ficaria completamente dependente do grupo e teria de se submeter a ele. Subestimaram o presidente e a lógica do poder. Arrogância é bicho que come o dono.
As ações da ministra Damares Alves são importantíssimas para sinalizar aos apoiadores de Jair Bolsonaro que as políticas públicas são no sentido dos valores tradicionais e familiares. O resultado para o governo é ainda melhor devido à falta de respeito da oposição com a ministra. Cada vez que ela abre a boca, mesmo quanto tem razão, é submetida a uma tempestade de deboche. Isso dá aos defensores de valores tradicionais a certeza de que suas preocupações e anseios seriam ridicularizados pela oposição. Podem discordar de muito do que o governo faz, mas dão apoio por sobrevivência.
A dissonância entre discurso e ação, principalmente porque o discurso era muito bravateiro e ruidoso, estava se tornando um problema para o presidente. O grupo de Paulo Guedes debochava até do Plano Real, se dizia muito melhor e inovador, mas não entregava nada. As reformas feitas dependeram de políticos tradicionais, principalmente do centrão. O grupo ideológico diz defender os valores tradicionais e a alta cultura, mas se comporta de uma forma que subverte esses valores. Criar contendas, usar vocabulário de baixo calão, levantar falso testemunho, difamar, tripudiar e se considerar melhor que os outros é o avesso dos princípios cristãos e dos valores tradicionais.
A substituição de Abraham Weintroub, olavista, pelo professor Milton Ribeiro, cristão, diminuiu muito as tensões com conservadores, liberais, apoiadores de valores tradicionais e os que têm apreço pelas Forças Armadas. Isso repercutiu até na própria imprensa, que passou a compreender as ações do Ministério da Educação e debater temas importantes para o cidadão em vez de entrar num bate-boca sem sentido por dia, durante uma pandemia.
Você pode amar ou odiar Jair Bolsonaro, só não pode dizer que as pessoas foram enganadas por ele. Não foram. Há liberais que dizem se sentir enganados, mas é pela arrogância deles. Pensaram que iriam mandar no presidente da República quando tinham de convencê-lo de suas ideias e criar ambiente político para a realização. Há olavistas que se dizem enganados, mas é pelo falso senso de importância. Imaginaram-se fundamentais para a defesa dos valores tradicionais, e consideraram que seria possível fazer isso sem honrar esses valores. Os apoiadores de Jair Bolsonaro não se importam com a desilusão desses grupos porque não votaram neles, votaram na pauta de costumes.