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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Jornalismo

Atenção, colegas da imprensa: suicídio não pode ser tratado como entretenimento

(Foto: Bigstock)

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A imprensa brasileira parece ter encontrado um novo filão para gerar cliques, a fofoca sobre suicida. E isso sem nem ter certeza da causa da morte da pessoa. O PCC no Gugu Liberato e a Sonia Abrão no sequestro da Eloá estariam hoje no mainstream.

As mortes da mulher do ginecologista Renato Kalil e de um policial civil de São Paulo, casado com um ativista e influencer digital, foram tratadas com uma mistura de perversidade, oportunismo, desconsideração humana, irresponsabilidade e amadorismo pela imprensa. Coloquei só substantivo porque fui incapaz de achar um adjetivo que descreva o nível do noticiário. Se é que se pode chamar de noticiário.

Notícia mesmo não havia. Não há confirmação da causa de uma das mortes e as pessoas não tiveram acesso à documentação do IML sobre a outra. No caso de Ilana Kalil, foi um órgão jornalístico, o UOL Universa (criador da fake news do criado-mudo racista) quem publicou a suspeita de suicídio que consta do Boletim de Ocorrência.

Começou um escrutínio sobre a vida da vítima. O que a teria levado a este ato? É um raciocínio da complexidade intelectual e emocional do Dollynho, mas com resultados bem mais danosos que refrigerante. Cada detalhe da vida da mulher foi esmiuçado num frenesi de postagens de diversos portais.

O marido disse isso, ela postou aquilo, tomava tal remédio, teve tal problema. Cada uma rendia uma nota e várias postagens nas redes sociais dos órgãos jornalísticos lacradores. Chega a revirar o estômago.

Suicídio é um dos grandes tabus e uma das questões mais profundas na humanidade. Ninguém entende direito, ninguém tem resposta. Buscamos explicações na ciência, história, antropologia, psicologia, filosofia e nada é suficiente para aplacar a dor e a perplexidade diante de casos reais.

Durante muito tempo houve uma regra clara no jornalismo: não se noticia suicídio. Exceto os casos que são indispensáveis como, por exemplo, a morte de Getúlio Vargas, não se noticia. Acreditávamos que a notícia contagiava e gerava outras tragédias envolvendo quem pensava nisso. Fazia sentido porque havia casos confirmando. Agora, entretanto, temos a ciência.

A diferença fundamental não é entre falar ou não sobre um suicídio, mas como se fala, quais informações objetivas são dadas, que tipo de ilação se faz sobre causas e qual tipo de esclarecimento científico é feito.

Não falar de suicídio em jornalísticos gera menos efeito contágio do que falar de forma errada. Falar da forma certa de casos que já são de amplo conhecimento, na vida real ou ficção, gera muito menos efeito contágio do que simplesmente calar.

Eu não tenho esperança de que a nossa imprensa lacradora reconheça a barbárie que está fazendo e suas consequências. A realidade deixou de importar. Se for para lacrar fingindo ser jihadista contra a violência psicológica, tudo bem falar de suicídio da pior forma possível com as consequências nefastas que isso tem no mundo real.

Resolvi fazer esse texto porque leitores e cidadãos comuns pediram. Hoje em dia, cada um de nós é um meio de comunicação sem ter sido treinado para isso. Embora o jornalismo pareça que não se preocupa mais com as responsabilidades, tem gente que fica preocupada ao usar as redes.

Recentemente, participei de um seminário internacional sobre o tema, com especialistas de várias áreas e famílias de pessoas que cometeram suicídio. Eu queria escrever um artigo sobre grupos que incentivavam jovens a tirar a própria vida, mas não sabia abordar a questão com responsabilidade. Fui estudar. Trago a vocês um resumo.

Já foi feita uma revisão enorme no mundo todo sobre a relação entre noticiário sobre suicídio e aumento nas taxas. Não é uma relação direta de causa e efeito, é preciso ponderar diversos outros fatores de algo tão complexo.

Em Hong Kong, notícias sobre um novo método de suicídio fizeram que o uso dele subisse de zero para 25% dos casos desse tipo de morte em 3 anos. Após o lançamento da série "13 Reasons Why" (em que uma adolescente conta por que cometeu suicídio) foi seguida de aumento de 30% nos suicídios de jovens nos Estados Unidos. Quando se noticia a morte de uma celebridade, há uma alta de 13% nos casos de suicídio. Quando se noticia também o método utilizado, a alta é de 30%.

Em Viena, na Áustria, já foi aplicada uma experiência muito positiva com a imprensa. Houve um treinamento geral e novas regras de cobertura para suicídios quando começavam a aumentar casos de jovens em linhas de trem. Após a implementação, as taxas caíram 75%.

O que falar ou não sobre suicídio

A coisa mais importante é JAMAIS, em hipótese alguma, relacionar o suicídio a uma causa específica, como doença mental ou experiência traumática. Primeiro porque é mentira, o ser humano é muito mais complexo que isso: sempre é possível prevenir suicídios. Depois porque manda uma mensagem cruel a pessoas que podem estar sofrendo, a de que não tem jeito.

Uma coisa muito positiva é mostrar experiências reais de quem dominou crises graves e conseguiu superar. Quando este tipo de notícia é veiculado ao mesmo tempo em que se comenta um suicídio, ela acaba tendo um efeito protetivo e baixando as taxas de contágio. Isso ocorre porque o impulso suicida é temporário e pode ser superado mesmo por pessoas em crise.

Muita gente tem a impressão - confesso que eu já imaginei isso - de que uma vez iniciada a fase de ideação suicida não há volta. Nosso cérebro é bem mais complexo que isso. É possível a pessoa se recuperar e retomar as rédeas da própria vida mesmo depois de crises graves e até de tentativa de suicídio. Todos precisamos saber que o caminho de volta sempre é possível, a qualquer momento. E é possível ajudar a prevenir.

Outro ponto é o respeito à família. Uma pessoa amada pode ser subitamente transformada pela imprensa na fotografia do pior momento de sua vida. A memória deixa de existir, surge o estigma do suicida. Já é doloroso e piora quando as pessoas precisam se esconder da imprensa nessa hora.

O que NÃO fazer

  • Descrever ou detalhar o método e local do suicídio.
  • Compartilhar conteúdo de nota de suicídio.
  • Divulgar detalhes da vida pessoal da pessoa que morreu.
  • Apresentar o suicídio como uma resposta comum ou aceitável para dificuldades.
  • Especular ou simplificar de forma grosseira as razões do suicídio.
  • Usar detalhes sensacionalistas no título ou matéria.
  • Glamorizar ou romantizar suicídios.
  • Exagerar o problema do suicídio, dizendo que ele é "epidêmico", por exemplo.
  • Dar destaque ao suicídio em relação a outros temas do noticiário.

O que fazer

  • Falar que a morte foi um suicídio (quando houver certeza) mas não se aprofundar sobre local e método.
  • Dizer que uma nota suicida foi encontrada mas está sendo investigada.
  • Manter as informações sobre a pessoa o mais genérico possível.
  • Descrever sinais de alerta e fatores de risco que podem levar a um contexto suicida se não forem acompanhados, como doença mental ou problemas de relacionamento.
  • Falar da morte usando fatos e linguagem que tenham sensibilidade com a família em luto.
  • Dar contexto e fatos para conter percepções errôneas de que um suicídio tenha sido ligado a heroísmo, honra ou lealdade a um indivíduo ou grupo.
  • Usar os melhores dados e substituir palavras sensacionalistas por aumento ou alta em taxas de suicídios.
  • Colocar a notícia em páginas do meio do jornal ou na parte final de um telejornal.

Comentar sobre um suicídio para ganhar cliques ou fazer fofocas não melhora a sociedade. Mas dar contexto e esperança a pessoas que sofrem e podem superar ideações suicidas melhora. É importante que principalmente os jovens entendam esse mecanismo de temporalidade limitada do comportamento suicida.

É por isso que existem as linhas de apoio. É possível superar ideação suicida mesmo quando os fatores de risco não foram contidos e geraram uma crise grave. O CVV atende há anos no Brasil inteiro pelo telefone gratuito 188 e tem inúmeras histórias transformadoras para contar.

Ano passado, fiz uma coluna com uma dessas histórias, que talvez você queira partilhar. Eliana Zagui, última sobrevivente da pólio no Brasil, foi atendente voluntária do CVV. Acabou ficando amiga de um rapaz que procurou o serviço em desespero e determinado a tirar a própria vida. Ela o demoveu. Depois ele descobriu que ela é tetraplégica e morava no hospital desde pequena.

Foi graças a ele que ela realizou o sonho de morar numa casa normal, deixar o hospital. Lucas Negrini havia entrado em desespero porque as duas empresas dele faliram. Superada a crise, cursou enfermagem para entender como cuidar da amiga e ofereceu a casa a ela. No Instagram você pode ver como o amor à vida mudou o destino desses amigos e de tantos outros que os visitam.

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