Ouça este conteúdo
Você já deve ter ouvido falar em letramento digital ou alfabetização digital. Quem me segue ouve o dia inteiro, todos os dias. É aprender o que realmente representam os contextos do universo digital para que você compreenda de maneira plena e adequada os conteúdos. E se a gente fizesse isso com pornografia na escola e sem avisar os pais? Calma. Seriam filmes pornôs apropriados a cada idade.
Parece algo do outro mundo, mas aconteceu numa das melhores e mais caras escolas do planeta, a Columbia Grammar & Preparatory School, que custa R$ 250 mil por ano. Os alunos chegaram para uma aula de educação sexual pensando que iriam falar de DSTs e anticoncepcionais. A professora ensinou vários estilos de pornografia, iniciando em novinhas e indo até tortura com eletrochoque e afogamento. Foi demitida e defendida pela mídia.
O termo para as aulas é Porn Literacy e a justificativa acadêmica existe só que foi deturpada, como em diversos outros casos. Desde que surgiu a internet, houve uma multiplicação exponencial da indústria pornô e já há pesquisas mostrando tanto a possibilidade de vício quanto de dessensibilização dos relacionamentos da vida real até em adultos.
Jovens sempre tentaram conseguir pornografia e uma boa parte sempre conseguiu acesso escondido. Ocorre que hoje é muito mais fácil conseguir acesso a uma quantidade muito maior de material, mas sobretudo a uma produção completamente diferente daquela que era feita antes da era digital. Não vou nem entrar no tema da exploração da mulher, algo relacionado à pornografia em geral e muito debatido pelos religiosos e feministas.
Os adultos de hoje iam atrás de românticos desenhos de Carlos Zéfiro, revistas Playboy, filmes da legendária Cicciolina ou viam Emanuelle escondido dos pais na Band. Você tem o direito de julgar isso moralmente. Ocorre que hoje falamos de uma indústria que tem gigantes como o PornHub, acusado de tráfico de mulheres e distribuição de pornografia onde há abuso sexual infantil. É essa a "pornografia" a que se pode ter acesso nas redes hoje em dia.
A ideia de letramento pornô surge quando as primeiras pesquisas detectam uma mudança no comportamento afetivo de jovens que têm acesso a este tipo de material. Eles têm uma tendência maior à violência e parecem entender que aquelas representações de humilhação são a realidade de relações sexuais. Muitos acabam tendo problemas no início da vida sexual.
Não há dúvidas de que hoje é preciso falar aos filhos sobre a realidade da indústria pornô. Aqui não estamos mais apenas na questão moral ou de saúde mental e sexual, mas no consumo de criminalidade. Se os liberais já falaram em pornografia sob o ponto de vista da liberdade sexual, hoje em dia o cenário é completamente diferente. Ainda existe uma indústria cinematográfia, mas surgiu uma indústria de filmetes de fundo de quintal rodeada de crimes gravíssimos e violações de direitos humanos.
Aliás, os abusos que hoje viram filmes da indústria pornô não estão tão longe dos nossos filhos. Ano passado fiz um artigo mostrando que abusadores de transporte público viraram estrelas das plataformas pornográficas. Eles filmam o ataque a mulheres, inclusive brasileiras e postam online. Ganham dinheiro, fama e milhões de seguidores. A decisão do jovem não é sobre ver ou não um filme pornô é sobre fazer ou não parte desse esquema macabro.
Esta conversa sobre uma indústria que vive de abusos e a glamurização de algo que pode prejudicar a vida sexual e afetiva era o que inicialmente se chamou de Letramento Pornô. O que houve na escola caríssima dos Estados Unidos e foi defendido pelo New York Times tratou-se da mais pura esculhambação. O New York Times disse que a professora demitida foi vítima de perseguição de pais conservadores. Não é o que os pais e os próprios alunos disseram aos repórteres do New York Post.
A escola tem aulas sobre sexualidade e os pais estão cientes e consideram impotante. Mas, mesmo pagando R$ 250 mil ao ano, não foram avisados da novidade. A aula era "Letramento Pornográfico: um foco interseccional na pornografia mainstream", elaborada e ministrada por Justine Ang Fonte, diretora de Saúde e Bem Estar de outra escola de elite com nível mundial, Dalton.
A apresentação tinha fotos de mulheres nuas amarradas para discutir o que é pornô e o que é arte. Também discutiu gêneros do pornô mainstream como: incesto, consensual ou "baunilha", novinhas, bondage e sadomasoquismo. A professora mostrou que os termos mais procurados eram madrasta, anal e grupal. Segundo o New York Post, os alunos ficaram constrangidos, sobretudo os que estavam assistindo em casa com os pais pelo Zoom. Mas o problema maior não foi esse.
O que estava sendo ensinado pela professora é algo que os estudantes já haviam ouvido falar, uma obviedade, um relato que é como ler a capa de um site pornô. Não houve nenhum aprofundamento em temas que realmente interessam aos estudantes no mundo real, como os perigos de trocar fotos de nudes e a criminalidade que ronda os empreendimentos pornográficos na internet. Alguns reclamaram que perderam tempo de estudar para as provas indo a algo completamente inútil.
A tendência do "letramento pornô freestyle" chegará aqui, não tenham dúvida. Não se trata de cuidado com as crianças ou preocupação com saúde mental e sexual, mas de uma competição por status. É mais um caso em que se prega esclarecer as crianças e protegê-las quando, na verdade, se está empurrando goela abaixo das futuras gerações a normalização do lodaçal da criminalidade. Em vez de proteger as crianças de uma indústria danosa, ativistas e Big Techs protegem a indústria danosa.
Diz-se que é necessário esclarecer as crianças sobre pornografia porque o acesso a ela é fácil. Verdade. Mas a questão é o que se propõe esclarecer. Não se diz sobre o tráfico de pessoas, abuso de crianças, abusadores de transporte público que viram estrelas pornôs até aqui no Brasil, o pesadelo das vítimas para se recuperar dos ataques e do uso da própria imagem. Também não se diz dos efeitos psicológicos do consumo deste tipo de material, principalmente antes do início da vida sexual. O que se esclarece? O que há disponível. Isso não é letramento, é propaganda. Enquanto houver otário, malandro não morre de fome.