Já houve um período em que se podia dizer "eu não assisto Big Brother". Com as redes sociais, todos assistimos. Os fãs editam vídeos, postam e já fazem a reportagem completa das últimas tretas, com todos os ângulos, para ninguém perder a fofoca. Muitos não gostam por ser entretenimento de baixo nível. Eu discordo, considero que fica no morno, o que causa em mim irritação profunda.
Meu reality show preferido foi "Casa dos Artistas", obviamente a edição com Alexandre Frota, Supla e Mari Alexandre na mesma casa. Silvio Santos se antecipou ao lançamento do Big Brother, formato comprado da holandesa Endemol pela Globo, copiando a fórmula sem pagar nada. No ano seguinte, Sérgio Mallandro lançou a "Casa dos Desesperados", reality show fake em que os participantes ficavam numa quitinete com uma piscina plástica. Imbatível.
O Big Brother foi lançado no caldeirão cultural de Casa dos Artistas e Casa dos Desesperados. Trata-se de contribuição cultural inestimável, que já trouxe à cena nacional Jean Wyllys, Sabrina Sato e Grazi Massafera. Sempre me incomodou que fosse uma versão mais limpinha que seus precursores. Já não tendo mais o que inovar na vigésima primeira edição, decidiram tentar temperar com militância. Finalmente gostei, voltamos ao nível de Casa dos Desesperados do Sergio Mallandro, meu ídolo de infância.
Houve um tempo em que, para militar por qualquer causa, era necessário fazer alguma coisa, falar com pessoas, convencer. A palavra "militância" ganhou um sentido pejorativo após o predomínio das redes sociais porque militar se confunde com postar intolerância e autoritarismo. Uma militância só tem sentido se acredita na mudança do ser humano, se leva uma mensagem poderosa o suficiente para ganhar o coração das pessoas e fazer com que elas mudem de atitude.
Hoje, chama-se também de militância algo muito diferente, a intolerância. Se o movimento mira adversários, segrega, cancela, isola e persegue, não crê que seja possível mudar aquela pessoa. É uma confissão de inutilidade. Nem todas as pessoas pensam da mesma maneira e são convencidas de uma ideia, claro. Mas todo movimento que conseguiu avanços acreditava ser capaz de convencer cada vez mais pessoas, conseguir mais adesão. Quem vive de linchamentos quer o quê? Não sei exatamente, só sei que não é militância.
Há dois movimentos místicos nas redes sociais que simulam militância, mas promovem intolerância e utilizam vocabulário próprio para marcar seus membros: woke e red pill. Usam argumentos opostos, mas uma mesma ideia, a de que somente os "iniciados" teriam os conhecimentos. Para uns, são os que acordaram enquanto para outros são os que saíram da matrix. Podiam estudar, trabalhar e ter disciplina para melhorar como pessoas? Não, cansa muito, melhor a historinha.
O BBB virou um especial do movimento woke. Você os reconhecerá como todos aqueles que estão "em desconstrução" de alguma coisa ou exigindo que todo mundo diga que está sob pena de ser taxado de racista, machista, fascista, taxista. Entre essas pessoas, há quem tenha sido vítima de preconceito e acredito que muitos se preocupem de verdade com injustiças. Não há, no entanto, ação concreta contra injustiças, muito pelo contrário.
Com a possibilidade de simular virtude apontando defeitos dos outros via redes sociais, surge uma fórmula muito fácil de "militância" e aceitação. Os woke são aqueles que acordaram para os problemas do racismo, do machismo, da homofobia. Esquece todo mundo que lutou por igualdade antes, até porque o Martin Luther King, por exemplo, era evangélico e isso está a um passo do Bolsonaro. A solução dos problemas não é mudar a realidade por trabalho e convencimento, é mudar o discurso.
Nos meios artístico, publicitário, jornalístico e da comunicação se considera "boa pessoa" quem usa o vocabulário esperado por um grupo, não quem tem coerência e age de maneira correta. Dane-se a causa e viva o controle da narrativa. Karol Conka virou queridinha dos artistas pelo discurso feminista e antirracista. Quem convive com ela e sabe exatamente como ela se comporta agora se diz decepcionado. Será?
Karol Conka lidera, no BBB, um grupo extremamente tóxico e iniciou sua carreira blindada por um grupo assim. Seu primeiro sucesso "Eu Tombei", incorpora o conceito de "Mulher Tombada", que já era utilizado pela artista cearense Karine Alexandrino desde 1999. A artista reclamou na época e seria simples que o produtor e a rapper tivessem simplesmente reconhecido a referência, mas preferiram não. E aí é que vem o pulo do gato da militância tóxica.
Karine Alexandrino só queria reconhecimento de sua obra, um conceito trabalhado há mais de 15 anos em músicas e performances. Muitos críticos musicais e culturais analisaram que teria sido muito simples resolver a questão. Como ela foi resolvida? Apoiando o agressor que está do lado certo. Em vez de estimular Karol Conka a reconhecer a artista que a inspirou, muitos progressistas resolveram rotular a reclamação de plágio de "antifeminista". Precisa acabar essa briga, as duas precisam colaborar, aquele papo todo de quem protege gente agressiva. Há uma baciada deles no BBB, é pedagógico.
Há um tipo social curioso, o sádico do deixa disso. Quando uma pessoa é atacada e não se cala, ele imediatamente questiona: e aí, já fez as pazes ou ainda está tretando? Pode parecer apenas mais um covarde que não quis arrumar encrenca. Não é. Ele apóia a agressão e ainda quer tirar uma casquinha, por isso espezinha e culpabiliza a pessoa agredida. Pode ganhar até o Nobel da Paz se souber fazer um discurso de gênero neutro, por exemplo.
A ex-empresária de Karol Conka, retratada pela própria na mídia como uma pessoa incompetente e racista, fez um desabafo hoje pelas redes sociais. Ambientes tóxicos em que pessoas são perseguidas e difamadas podem florescer fortemente entre os que se dizem antirracistas ou feministas.
Qual será a lógica agora? Os amigos, fãs, admiradores da incansável lutadora feminista e antirracista agora se tornarão canceladores de Karol Conka. Não vão admitir que, na verdade, pouco se importaram com a forma como ela agia. Há os que não vão admitir que deram apoio a tudo o que fazia, que estimularam seu pior lado. Estão todos muito decepcionados e é só jogar essa pessoa fora, do mesmo jeito que jogaram todos os difamados pelo caminho.
Não é a primeira vez que dá errado botar a lacração em campo como se fosse sinônimo de virtude. O humor do Casseta & Planeta e de Danilo Gentilli foi demonizado pelos humoristas "do bem". São os mesmos que agora estão sambando para entender que a intolerância religiosa deles não tem mais lugar no século XXI, em que até nós, evangélicos, somos considerados seres humanos. Foi colocado no comando o humorista desconstruidão, antirracista, feministo, Marcius Melhem.
Há quem acredite piamente que os autoritários estão sempre, necessariamente, só do outro lado. Os lacradores, por exemplo, não têm dúvidas disso. Evangélicos, conservadores e liberais nem sei se entram na categoria ser humano e têm como único lugar de fala calar a boca porque estão sempre errados e não deveriam existir. Muitos reagem na mesma moeda, dão a vitória a quem os ataca, tornando-se exatamente o mesmo material.
Pessoas injustamente acusadas de machismo ou racismo podem começar a pensar que todas as reclamações são absurdas e esses problemas não existem. Passam a apontar e perseguir toda pessoa que fizer uma denúncia. Lacradores 2, a missão. Há que se diferenciar quem está preocupado com uma causa ou problema real e aqueles que estão apenas preocupados em controlar a narrativa e demonstrar virtude. Não ver toda reclamação com acusação é importante, estender a mão no lugar de jogar a pedra de volta também é. O problema é que não chama a atenção.
Houve outro dia no BBB uma festa que me lembrou o glorioso episódio em que furaram a piscina de plástico da sala da Casa dos Desesperados do Sergio Mallandro. Coisa de alto nível. Um participante, Lucas, cruza todos os limites. Karol Conka forma seu grupinho de cancelamento contra ele. Projota conversa sério, aponta erros, oferece até para pagar psicóloga. Quem faz mais sucesso? Não adianta querer jogar a culpa em uma única pessoa.
Claro que eu não iria terminar sem falar da cruz que o Senhor colocou na minha vida, o feministo desconstruidão. Pode ser isso ou alguma espécie de tortura chinesa espiã via internet que descobriremos em algum momento da história. Eu não nasci com paciência para moleque mais machista que meu avô fazendo palestra feminista para mim. Tem ainda o sommelier de feminismo. Outro dia, descobri que só podem reclamar de machismo as mulheres que apóiam uso do pronome neutro. Quem me explicou, claro, era um feministo, com apoio de dois outros feministos.
Eu não me conformo do Fiuk ser filho do Fabio Junior. O Jorge Tadeu de Roque Santeiro, o cara que casou com a Mari Alexandre depois que ela foi para a Casa dos Artistas é pai de um modelo "desculpa por ser homem" século XXI. Detalhe que sempre fala com mulher dando palestra, interrompe todas as frases de mulheres, diz o que elas deveriam dizer ou pensar, explica a cada segundo o que elas não entendem sobre elas próprias. E fala sempre bem manso, para parecer que tudo isso é na melhor das intenções. Termino com a gloriosa aula de linguagem neutra do Fiuk: "não é senhor e nem senhora, é senhores". Pois é.
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