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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Redes Sociais

Bolsonaro banido: somos reféns da mediocridade da elite cultural e política

Donald Trump e o presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Alan Santos/PR.)

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Estou velha. Quando escolhi ser jornalista, parecia uma profissão libertária. Censura e violação de direitos humanos causavam ojeriza à categoria. Nossos professores de jornalismo do século passado diziam que perder a capacidade de indignação era a morte do jornalista como profissional. Vai faltar caixão, infelizmente.

Especialistas em dados defendem o deplatforming, tirar alguém das plataformas. Efetivamente funciona. Tirar recrutadores do Estado Islâmico das redes pode ser muito útil para a humanidade, por exemplo. Via redes sociais, o ISIS recrutou 40 mil jovens ocidentais e levou 3 mil para morar no califado que estava montado no Oriente Médio. Tudo ação orquestrada nas redes por um rapper alemão que radicalizou-se, foi apelidado de Goebbels do Estado Islâmico.

Enquanto máquinas sofisticadas de Propaganda Amplificada utilizam as redes para obter poder o Brasil confia na ignorância ousada que ainda fala em "Fake News" como notícia falsa. Políticos, autoridades e jornalistas que pensam saber como as redes funcionam estão hoje defendendo que as redes sociais derrubem os perfis do presidente da República. Tanto criticaram, mas acabaram aderindo ao "Direitos Humanos para humanos direitos". Vitória de Olavo de Carvalho, multiplicou olavetes no coração do progressismo.

Entre as paquitas de político, este texto já está ou fascista ou comunista. Comunista porque estaria comparando o nosso presidente da República ao Estado Islâmico. Fascista porque estaria defendendo que o presidente da República mantivesse o direito de espalhar "Fake News" nas redes e, como disse a CPI da Covid, Fake News matam. É a Cidadania Digital, o sujeito vive de fantasiar perversidades e projetar em alguém para fingir que é boa pessoa. Aqui não cola.

Nos dois casos, meu questionamento nem é sobre o que será ou não banido. Questiono quem toma essa decisão. É unanimidade em sociedades democráticas e civilizadas que Big Techs não são instituições de Estado nem de Governo, portanto não podem ter o poder de controlar discursos. Quais órgãos da Sociedade Civil Organizada e do Estado podem atuar ainda é uma construção. Mas é a vanguarda da destruição democrática passar o poder institucional para meia dúzia de empresas investigadas por cartel e práticas abusivas no mundo todo.

A imprensa brasileira comemorou a derrubada dos vídeos do presidente da República, feita sem explicação precisa nem direito a recorrer. Para que vocês tenham uma ideia de como isso é autoritário, nem na China é possível fazer isso com um cidadão comum. Precisa avisar o que foi banido e por que, dar o direito de resposta e de correção. Talvez o nosso complexo de capacho seja tão grande que impossibilite ver o perigo que é ceder poder político a conglomerados bilionários. Dizem que poder não se dá, se toma. Menos na nossa imprensa.

Em países com cultura democrática, como a União Europeia, não se cogita dar a conglomerados o poder de decidir o que pode ou não fazer parte do debate público. Mas a plataforma não pode banir o que está contra as regras dela de utilização? Pode sim, mas é um processo. Primeiro que não pode apagar o conteúdo e sumir com ele porque não é propriedade dela, é do usuário. Em geral, o conteúdo é suspenso e o usuário recebe um aviso sobre qual é exatamente a regra violada, com 15 dias para resposta e nova avaliação.

Na China, que nem leva em conta a Declaração Universal dos Direitos Humanos, também tem de explicar. É por essas e outras que o Linkedin interrompeu suas operações no país. O governo da China pediu o bloqueio de perfis de cidadãos norte-americanos só no seu território. Mesmo assim, essas pessoas foram avisadas e tiveram direito de resposta. A simples tentativa de banimento levou a uma revolta que fez com que o Linkedin preferisse sair da China.

Para o Conselho de Direitos Humanos da ONU, é consenso que são violações:
- Não ter regras claras sobre o que pode ou não ser postado.
- Terceirizar para as plataformas controle de conteúdo.
- Autoridades que não sejam do Judiciário agir em controle de conteúdo.
Bom, aqui temos uma imprensa que aplaude fazer as 3 coisas até com o presidente da República. Isso mais de um ano depois que a ONU intimou o Brasil a se explicar pela tentativa de legislar neste sentido. Adiantou? Não. Até o ministro Barroso, presidente do TSE, está hoje defendendo isso.

A CPI da Covid fez um relatório pedindo a mesma coisa, que seja efetivada uma prática considerada censura prévia no Brasil e violação de Direitos Humanos pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU. E isso contra o presidente da República. Já pensou se começam a cismar com um deputado aqui, outro acolá, um jornalista, um cidadão comum... Pois é, as Big Techs às vezes cismam e não há como lutar contra elas. São mais poderosas que muitos países.

Ontem contei aqui meu caso com uma das plataformas, o YouTube. Eu sou jornalista formada, registrada no Ministério do Trabalho, aquela coisa old school. Em 2018, meu canal foi bloqueado para postar lives por 6 meses porque um colega do UOL denunciou o uso de 30 segundos de um vídeo de propriedade deles em um projeto piloto salvo como privado. (O algoritmo rastreia isso). No mesmo ano, processei um canal de anônimos que fez um vídeo de 39 minutos me xingando e fazendo ameaças veladas. O YouTube pagou advogado para eles e o vídeo está monetizando até hoje.

As redes sociais são conglomerados bilionários que efetivamente pagam advogados caríssimos no Brasil para defender que anônimos ameacem jornalistas em sua plataforma. Também suspendem canal de jornalista por violação de direito autoral em vídeo mantido como privado. Temos hoje jornalistas e editoriais defendendo que as redes sociais têm condições e dever de controlar conteúdo, mesmo que a ONU considere violação de Direitos Humanos. Não é burrice, é falta de senso de sobrevivência.

Quando Donald Trump foi banido das redes sociais, muito kamikaze da política brasileira comemorou. Tem gente que ama fazer uma micareta na fila do abatedouro. O jornalista Glenn Greenwald, de quem discordo ideologicamente em praticamente todas as coisas, fez hoje postagens mostrando os líderes internacionais que odeiam Trump falando do perigo de ceder poder às Big Techs.

Essa coisa de ceder poder sempre me martela na cabeça. Talvez a nossa cultura de capacho seja tão arraigada que nossos políticos, autoridades e jornalistas não consigam entender que são detentores de poder. O poder é sempre de um grande salvador da pátria, o papai que vai bater na mesa e resolver tudo. São incapazes de perceber o risco de ceder poder às Big Techs. Líderes internacionais como Angela Merkel e Macron não caem nessa armadilha. Aliás, nem o esquerdista mexicano López Obrador se deixa levar pelo canto da sereia das redes sociais boazinhas. Vale a pena ouvir.

Não somos reféns da ignorância, somos reféns da mediocridade das elites culturais e políticas. No país do "sabe com quem você está falando?", o medíocre pode ser arrogante se nascer com o sobrenome certo. Os demais tendem a obedecer bovinamente. Entendo que é frustrante pregar no deserto e pagar o ônus de desagradar os brios do parque de areia antialérgica. Chegamos ao ponto em que a nossa imprensa defende um tipo de censura que nem o fundador do Cartel de Guadalajara aceita.

Entendo que as elites medíocres terão justificativa moral para defender violação de Direitos Humanos e censura só naquele caso específico. É por um bem maior. O psicólogo Jonathan Haidt explica bem o processo. As personalidades da tétrade perversa - sádicos, narcisistas, psicopatas e maquiavélicos - sempre terão justificativa moral para praticar as perversidades com que têm prazer. Invariavelmente receberão apoio dos fracos, os que abrem mão dos próprios princípios porque precisam de um líder forte, um inimigo e a validação do grupo. Prefiro pregar no deserto a ser refém.

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