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A Campanha da Fraternidade 2021, promovida tradicionalmente pela CNBB, é ecumênica a cada quatro anos. Neste, o tema é "Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor" e o lema é “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade” (Ef. 2.14) . A proposta da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil é resgatar a importância do diálogo num tempo em que as polarizações têm tido um impacto tão grande na vida das pessoas. A iniciativa é ótima, o problema está na terminativa. Nunca houve tanta briga em torno de uma Campanha da Fraternidade.

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No mundo cristão, tanto católico quanto evangélico, ocorre um fenômeno de substituição de Jesus Cristo por política. O pessoal até lê Mateus, Marcos, Lucas e João, mas não liga muito porque temos novidades. Nada daquela história de Evangelhos apócrifos, há outros dois na praça: o Evangelho da Lacração e o Evangelho Segundo Quentin Tarantino. No primeiro, Jesus é cancelador e fala em linguagem de gênero neutro. No outro, é uma espécie de cowboy do mundo de Marlboro que fala palavrão.

Como o pessoal do Evangelho Segundo Quentin Tarantino ficou muito famoso na internet fazendo foto de arma em cima de Bíblia, falando obsessivamente de sexo, defendendo político, perseguindo impiedosamente desafetos e difamando como esporte, são vistos como a raiz do problema por muitos cristãos. Provavelmente é neles que a CNBB pensou quando teve a ideia de uma Campanha da Fraternidade que promovesse o diálogo.

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Como em toda polarização, o problema sempre é só o outro lado. Como o pessoal do Evangelho da Lacração se diz paz e amor, tolerante, inclusivo, do bem e limpinho, muita gente acha que eles são o oposto do Evangelho Segundo Quentin Tarantino. Talvez pudessem ter o remédio para que os outros também fossem assim boa gente e da paz. Olha que ideia maravilhosa colocar os lacradores para fazer a Carta Base da Campanha da Fraternidade 2021, eles vão pacificar tudo, certo? Se você ouviu falar no BBB deste ano, já sabe que não é exatamente assim.

O maior problema do Evangelho da Lacração e também do Evangelho Segundo Quentin Tarantino é que Jesus não se encaixa em nenhum dos dois. A Campanha da Fraternidade 2021 pretende abrir o diálogo interrompido pela pancadaria política, mas a carta-base traz exatamente os temas que geram a polarização, escritos de acordo com as convicções políticas de um lado. Isso não desagrada apenas o outro lado da polarização, incomoda principalmente quem procura ali qualquer sinal de Jesus.

A intenção de abrir diálogo em um ambiente radicalizado não pode, como fez a Campanha da Fraternidade, colocar mais lenha na fogueira. A Carta Base não explora as razões pelas quais cristãos estão deixando Jesus de lado para idolatrar a política e nem propõe formas de superar essa decadência da fé. O que se faz é colocar ali uma série de argumentos sobre condução política do país que contém termos específicos e análises famosas entre os políticos idolatrados pela turma do Evangelho da Lacração. De que forma isso abre diálogo? Sinceramente, fica difícil compreender.

Há uma simplificação grosseira na argumentação sobre a polarização e a quebra do diálogo, como se ela fosse causada por injustiças sociais e econômicas. Ainda que possam ser componentes da receita da Era das Tretas, sozinhas não explicam o ambiente em que vivemos. Há 50 anos, todos os problemas elencados na carta base - homofobia, racismo, desigualdade social, concentração de riquezas e misoginia - eram muito piores. No entanto, o ambiente social não era tão tóxico.

As propostas para celebrações e atividades trazem a ideia de que encontramos a união em Jesus e foi muito bem recebida. Vai sempre na linha da abertura de diálogo de revisitar se nossas práticas religiosas são de acolhimento ou de imposição aos outros da nossa visão de mundo. O problema está nas partes da Carta Base que parecem escritas em um DCE.

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Há cristãos contrários a celebrações presenciais na pandemia, como eu. Há cristãos favoráveis a celebrações presenciais, entre eles vários irmãos queridos cujas razões compreendo. A questão que coloco não é essa, é outra. De que forma exatamente ajuda a construir diálogo colocar na Carta Base da Campanha da Fraternidade esse tipo de julgamento sobre abertura de igrejas? Só falta mandar junto o pedaço de pau para ficar bem claro que vai dar treta.

Fora xingar a mãe e futebol, o documento contém praticamente todos os ingredientes capazes de incendiar a polarização política na comunidade cristã. Se a intenção era tocar fogo, poderiam ter me chamado. Eu não ficaria só no discursinho sobre patriarcado e nem só responsabilizando os religiosos por todos os assassinatos homofóbicos do Brasil. Teria feito um capítulo com o título "Jesus é travesti?", ilustrado. Ah, a ilustração estaria armada.

Talvez este tipo de abordagem seja um problema dos Evangelhos, muito antigos, traduzidos de diversas formas, com linguagem cifrada. Esse tipo de abordagem para o "diálogo" em que um se coloca como melhor que o outro talvez seja uma leitura equivocada de Lucas, capítulo 18.

A alguns que confiavam em sua própria justiça e desprezavam os outros, Jesus contou esta parábola:
"Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro, publicano.
O fariseu, em pé, orava no íntimo: ‘Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens: ladrões, corruptos, adúlteros; nem mesmo como este publicano.
Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho’.
"Mas o publicano ficou à distância. Ele nem ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, dizia: ‘Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador’.
"Eu lhes digo que este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus. Pois quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado".
- Lucas 18:9-14

Esse jeito de Jesus falar talvez confunda. Melhor deixar bem claro, caso o pessoal ainda tenha dúvidas: o que foi exaltado foi o publicano, não o fariseu. Pode chocar muita gente que, em vez de admitir que também erra, lá no fundo pensa que é muito melhor que os outros. Se você compara a argumentação de Jesus nas parábolas com a Carta Base da Campanha da Fraternidade, fica claro que esse pessoal tem uma autoestima bem mais elevada que a de Jesus. Eu invejo, sinceramente. Só imagino que, se Jesus falasse com os outros desse jeito, talvez não existisse cristianismo.

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