O governo chinês puniu a igreja protestante Three-Self Church, na província de Liaoning, com multa equivalente a US$ 1400 pela posse de Bíblias vindas da Coréia do Sul. Outras 3 unidades da igreja foram punidas por possuir hinários, panfletos religiosos e Bíblias. Todo o material foi queimado pelo governo. Na China, só é possível possuir uma Bíblia se ela for aprovada pelo Partido Comunista e sancionada pelo governo.
As Bíblias não autorizadas pelo Partido Comunista Chinês são alvo de uma campanha contra "conteúdo pornográfico" no país. O governo chega a afixar dentro das igrejas material dessa campanha.
"O governo autoritário da China é ainda pior do que o laicismo praticado na França, visto que até o foro íntimo das pessoas é severamente comprometido" - avalia o advogado Thiago Rafael Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, IBDR.
Na França, o Estado Laico é bastante diferente do conceito brasileiro. Enquanto aqui a laicidade é o direito de professar a fé - ou até declarar não ter fé nenhuma - em qualquer espaço, público ou privado, na Franças as manifestações religiosas são proibidas no espaço público. O mais conhecido disso é a proibição do uso de hijabs para as muçulmanas em escolas e faculdades. Mas é proibido também fazer coisas cotidianas para nós, como usar um colar com uma cruz ou dar graças a Deus por uma coisa boa que aconteceu.
Há uma revista que acompanha a questão da liberdade religiosa e respeito aos Direitos Humanos na China, chamada Bitter Winter, Inverno Amargo. Só o título já dá ideia do conteúdo. Em um artigo, ela explica como o governo chinês usa a guerra cultural e a manipulação das palavras para levar o povo a crer que material religioso equivale a pornografia e incentivo à criminalidade.
"'Erradicar a pornografia e publicações ilegais' (掃黃打非, saohuang dafei) é um dos métodos das autoridades chinesas para manipular o mercado cultural. Saohuang (que significa literalmente "varrer o amarelo para fora", já que amarelo é uma gíria para pornografia em chinês) se refere à política de eliminar livros e informações online que contenha conteúdo pornográfico. Dafei (que significa literalmente "derrubar o ilegal") se refere aos esforços para combater publicações ilegais" - explica a Bitter Winter.
Essa distorção que coloca no mesmo balaio pornografia e material religioso não chega só nos livros, atinge até os sermões. "Sermões e falas do clero dentro de templos religiosos são consideradas ilegais se violam as políticas religiosas e regulações do Partido Comunista Chinês", exemplifica a revista Bitter Winter.
O advogado Thiago Rafael Vieira acrescenta que esse cenário tem ainda um outro componente perverso: o sistema de pontos que o governo chinês usa para avaliar seus cidadãos.
"Com o sistema de crédito social, que sobe ou desce conforme o comportamento, nem o exercício privado da religião resta protegido neste modelo, imagine o exercício público. Com uma excessiva supervisão governamental, palavras e ações que o contrariem sempre são punidos. A China protagoniza uma série de violações aos direitos e garantias fundamentais do homem e, não é de hoje" - diz o presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião. (Para conhecer melhor como funciona esse sistema de crédito social, CLIQUE AQUI - artigo completo.)
O diretor da publicação que retrata a situação da liberdade religiosa na China, o italiano Marco Respinti, deu uma entrevista à rede de televisão norte-americana Fox News. "Algumas vezes o Partido Comunista Chinês diz que você tem permissão de ter materiais religiosos nas igrejas controladas pelo Estado, mas logo depois impedem as pessoas, é contraditório", explica. "Eles tentam controlar toda a cultura - e religião é uma grande parte da cultura das pessoas. Então, eles não tentam só impedir a expressão pública religiosa mas também estão tentando se meter nas coisas pessoais - crenças - eles estão tentando doutrinar pessoas por meio do banimento de materiais religiosos", relata o diretor da Bitter Winter.
"Além da estratégia a lá “George Orwell – 1984” (extrema supervisão), enquadrar o conteúdo Bíblico como se pornografia fosse, demonstra o interesse chinês em afirmar o cristianismo como algo social e moralmente condenável, induzindo os cidadãos a acreditar que a fé cristã é tão ruim quanto a objetificação do corpo promovida pela pornografia", observa o presidente do IBDR, Thiago Rafael Vieira.
A ligação que o Partido Comunista Chinês tem feito entre pornografia e material cristão é um dos exemplos mais bem acabados do funcionamento da comunicação como "warfare", tática ou negócio de guerra. Apesar de não dizer claramente que os dois estão ligados, coloca os dois materiais na mesma campanha, realiza os mesmos tipos de ação. Todo tipo de violência psicológica é utilizada pelo governo para que os pais desistam de mandar seus filhos às escolinhas dominicais.
Hoje comemoramos 502 anos da Reforma Protestante. Estima-se que a China é o 4o país do mundo com mais cristãos protestantes, 58 milhões de pessoas. Embora seja uma minoria para os padrões chineses, numericamente está atrás apenas dos Estados Unidos, Brasil e Nigéria. A fé persiste apesar de toda a perseguição do Partido Comunista Chinês.