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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Cobaias: redesignação sexual em crianças e adolescentes não tem base científica, diz NHS

(Foto: geralt/Pixabay)

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A transição sexual de crianças e adolescentes para tratar disforia de gênero é um assunto que pega fogo no mundo todo. Um novo estudo no Reino Unido acaba de concluir que jamais houve prova científica da eficácia desse tratamento e que ele não traz os benefícios alardeados. Os estudos são poucos, tendenciosos e sem resultados significativos. É o que acaba de concluir a NHS, autoridade de saúde do Reino Unido.

O debate quente sobre o uso de bloqueadores de puberdade em crianças e adolescentes com disforia de gênero é, no final das contas, puro negacionismo científico. A bomba estourou no caso Keira Bell, julgado pela Suprema Corte do Reino Unido. A clínica Tavistock, que dizia pesquisar a terapia experimental, não sabia nem quantos eram os casos estudados. A NHS contratou uma consultoria independente, que concluiu não haver justificativa científica para a prática.

Em 2017, a Associação Americana de Pediatria emitiu um documento duríssimo sobre o tema. Chamou textualmente de "abuso infantil" a prática de interromper a puberdade ou até fazer cirurgia de transição sexual antes que termine a puberdade. Os médicos eram contundentes porque avaliaram o que ocorreu com a disforia de gênero ao final da puberdade. Ela simplesmente era resolvida sem essas intervenções em 98% dos meninos e 88% das meninas.

Outro dia, fiz um artigo falando do amplo mercado do negacionismo científico. Estamos diante de mais uma face macabra dele, que convence pessoas a migrarem para a mutilação ou até a morte. Keira Bell lutou muito para contar a própria história e deixou a Suprema Corte do Reino Unido escandalizada. Ela foi pouco a pouco convencida que todos os seus problemas seriam resolvidos com transição sexual. Foi feito aos 16 anos, sem consentimento nem conhecimento dos pais.

Existe uma única clínica no Reino Unido que faz esse tratamento, a título experimental, a Tavistock. A Suprema Corte ficou escandalizada com o desleixo no tratamento dos dados científicos. "Frisamos aqui que consideramos surpreendente que tais dados não tenham sido recolhidos em anos anteriores, dada a pouca idade do grupo de pacientes, a natureza experimental do tratamento e o impacto profundo que tem", diz a sentença. A NHS decidiu então contratar uma consultoria independente para avaliar os resultados de outros estudos, em outros países.

Milhares de meninos e meninas foram submetidos ao tratamento com bloqueadores de hormônio porque os médicos diziam que aliviaria o sofrimento da disforia de gênero. Garantiam que, apesar dos efeitos colaterais físicos, a qualidade de vida, depressão, ansiedade e ódio passariam. Não há prova disso nem é o resultado dos tratamentos concretos, concluiu a NHS. Trata-se de uma crendice espalhada com paixão pela Igreja Identitária. Em nome dela, profissionais de saúde mutilaram crianças e adolescentes.

Para chegar a essa conclusão, foram analisados os resultados de 9 grupos de pesquisa, entre 2011 e 2020, no Reino Unido e na Holanda. Nesses casos, os estudos acompanhavam a evolução das crianças e adolescentes com disforia de gênero, comparando os que tinham sido submetidos a terapias com bloqueadores de hormônio ou transição sexual e aqueles submetidos a terapias já comprovadas cientificamente. Essas terapias são a transição social de gênero, que pode até ser temporária, e o acompanhamento psicológico. O estudo tem como base uma série de perguntas a serem respondidas com resultados já coletados de outros estudos mas nunca antes unificados.

1. Em crianças e adolescentes com disforia de gênero, qual é a eficácia clínica do tratamento com bloqueadores hormonais em comparação com um dos seguintes tratamentos ou combinação: apoio psicológico, transição social para o desejado gênero ou nenhuma intervenção?
- Em alguns estudos não havia nenhuma evidência de maior eficácia e outros simplesmente pararam de acompanhar os pacientes.


2. Em crianças e adolescentes com disforia de gênero, qual é a segurança de curto prazo e longo prazo dos bloqueadores hormonais, comparada com um dos seguintes tratamentos ou combinação: apoio psicológico, transição social para o desejado gênero ou nenhuma intervenção?
- Não houve comprovação de que bloqueadores hormonais afetam a densidade óssea, não há dados para saber se afetam o fígado, não há dados que indiquem melhora da função cognitiva, não há informações seguras sobre efeitos colaterais.


3. Em crianças e adolescentes com disforia de gênero, qual é o custo-benefício dos bloqueadores hormonais, comparada com um dos seguintes tratamentos ou combinação: apoio psicológico, transição social para o desejado gênero ou nenhuma intervenção?
- Não foi feito estudo sobre o custo-benefício do tratamento com bloqueadores hormonais e crianças e adolescentes.

4. Entre os grupos estudados, há algum subgrupo de crianças e adolescentes com disforia de gênero que pode se beneficiar do tratamento com bloqueadores hormonais mais do que os demais?
- Estudos comparativos entre nascidos meninos e meninas não mostram diferenças de efeitos colaterais do tratamento. Não foram comparados, no entanto por: duração da disforia de gênero, idade do paciente, diagnóstico de autismo e diagnóstico de saúde mental.

5. A partir das evidências selecionadas,
(a) quais são os critérios usados ​​pelos estudos de pesquisa para definir disforia de gênero, transtorno de identidade de gênero e incongruência de gênero de infância
(b) quais foram as idades em que os pacientes iniciaram o tratamento com bloqueadores hormonais?
(c) qual foi a duração do tratamento com bloqueadores hormonais?

- Em 3 dos estudos não havia nem a definição utilizada para disforia de gênero, as idades dos pacientes eram entre 11 e 18 anos, a duração do tratamento foi de meses até 5 anos mas não constava da maioria dos estudos a informação.

Segundo o relatório da NHS, os estudos sobre bloqueadores hormonais em crianças e adolescentes são pequenos, baseados em observação subjetiva, sem controle científico e altamente sujeitos à vontade de que estejam certos. "Todos os estudos incluídos relataram de forma muito precária aspectos físicos e mentais, comorbidades e tratamentos concomitantes. Por exemplo, há poucos dados sobre crianças e adolescentes que precisaram de suporte adicional de saúde mental e por quais motivos, se precisaram de intervenções adicionais (por exemplo, tratamento medicamentoso ou aconselhamento), por quais motivos, de que forma e a duração. Este é um possível confundidor para os resultados do tratamento nos estudos porque as mudanças são críticas e importantes mas os resultados podem ser atribuíveis a cuidados externos, em vez de apoio psicológico ou bloqueadores de hormônios usados nos estudos", diz a publicação chancelada pela NHS.

O negacionismo científico da Igreja Identitária virou uma potente máquina de fazer dinheiro nos últimos anos. Milhares de crianças e adolescentes foram submetidas a terapias sem nenhuma comprovação e impactos para toda a vida. A clínica Tavistock recebia, no ano de 2007, 97 casos anuais de disforia de gênero em crianças e adolescentes. Em 2018, foram 2519, a maioria submetida aos procedimentos experimentais cujos efeitos sequer eram acompanhados ou comparados a outras possibilidades de tratamento. Pense agora nos influencers, livros, palestras, movimentos, institutos e produtos que foram criados em torno do tema. Não se sabe o quanto essa indústria movimenta nem quantos ganham com ela.

A Igreja Identitária consegue colocar sua doutrina acima da ciência. No Canadá, a Justiça manda prender pais que se opõem à utilização dos filhos menores como cobaias de um tratamento experimental que sequer é acompanhado como deveria. Depois de obrigar uma família a aceitar a prescrição de bloqueadores hormonais e redesignação sexual de uma menina de 14 anos, o Canadá mandou prender o pai que reclamou. A única "comprovação" de eficácia do tratamento experimental é ideológica e subjetiva, como prova agora o estudo da NHS.

O uso de pessoas como cobaias é tema recorrente de livros e filmes de terror. Nos momentos mais sombrios da história da humanidade aparecem por aí os que têm prazer na atividade de mercadores do sofrimento e da desgraça humana. Existe a alegação de que os médicos têm autonomia para prescrever os bloqueadores hormonais e que, respeitando a relação médico-paciente, informam que o tratamento é experimental. Parece razoável, né? Não é.

Existem protocolos para realizar tratamentos experimentais até em animais. Não acompanhar os casos da forma como deveriam é tratar um ser humano com menos respeito do que dedicamos a um cachorro. Os estudos são coalhados de trechos em que relatam como meninos e meninas ficaram contentes com o corpo ou se sentiram bem após o uso de hormônios e redesignação sexual. Não há, no entanto, qualquer evidência científica de que realmente tenham ficado melhor ou que essa sensação foi decorrente do tratamento. Aliás, o espanto é porque nem se buscou essa evidência, não se avaliou.

O psicólogo norte-americano Jonathan Shedler diz que o ensinamento mais importante aprendido por ele é sobre uma habilidade específica das personalidades mais perversas. Psicopatas, sádicos e narcisistas jamais acham que estão errados, buscam uma justificativa moral para seus atos. Não raro, encontrarão grupos que vão aplaudir as práticas, ainda que desumanas ou cruéis, mas sempre em nome de um "bem maior". Estamos diante desse processo ou de um engano honesto? Só o tempo dirá.

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