Vivemos a experiência inédita de tentar manter as crianças estudando durante uma pandemia. Nunca foi feito. Na última pandemia, no século passado, da gripe espanhola, o mundo era outro em termos de tecnologia. Qual foi a solução brasileira? Passar todas as crianças de ano em 1918, uma proposta que geraria polêmicas infinitas nos dias de hoje. Optamos por levar para o universo infantil algo que naturalmente foi tomando conta do mundo do trabalho: reuniões online. Agora a questão é como medir se funciona.
Nós, mães e pais, já descobrimos que não somos pedagogos e a medida é o imenso volume de piadas e memes sobre a nossa relação com as aulas online dos nossos filhos. Descobrimos que a velocidade das descobertas científicas é maior do que nos demos conta. Dos anos 80 para cá, muita coisa mudou nas matérias escolares: descobriram bichos, verificaram por satélite que o rio mais extenso do mundo não era o mais extenso, planeta deixou de ser planeta, acharam planeta novo. Além das novidades tem também a parte que a gente simplesmente esqueceu e muita gente finge que sabe para não passar mais essa vergonha.
Já sabemos que nós, pais, não temos a menor condição de medir com objetividade se nossos filhos estão aprendendo ou não durante a pandemia. Quem vai fazer isso e como? A Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação está desenvolvendo e testando diversas metodologias.
Na Nota Técnica 88/2020 do Ministério da Educação, assinada pela Secretária de Educação Básica Ilona Becskeházy e pelo Coordenador-Geral de Ensino Médio Augusto Coelho, emitida em resposta a um ofício do deputado Professor Israel Batista (PV-DF), que é da área educacional e fez questionamentos técnicos e precisos sobre a avaliação dos alunos, principalmente daqueles que vão prestar o Enem e do levantamento sobre o percentual que tem efetivamente acesso a aulas durante a pandemia. Há uma intensa troca de correspondências oficiais com dados muito interessantes entre o Congresso e o Ministério da Educação que acaba ofuscada pelo noticiário do dia-a-dia.
Lendo o noticiário, às vezes temos a impressão de que nossas crianças estão largadas e ninguém sabe direito quem está fazendo aula ou não. O cenário real é muito diferente. Além do Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais e Municipais, há muito trabalho sério desenvolvido em parceria com Organizações da Sociedade Civil, fundações, empresas e Organizações Internacionais. Um desses trabalhos é o levantamento "Desafios das Secretarias Municipais de Educação na oferta de atividades educacionais não presenciais", realizado pela Undime, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, com apoio do Unicef, da iniciativa privada e de Organizações da Sociedade Civil.
Entre 27 de abril e 4 de maio, a Undime fez uma coleta sistemática dos dados de como as Secretarias Municipais de Educação estão efetivamente enfrentando a pandemia. A pesquisa tem 5 eixos centrais: o que os governos locais determinaram com relação à pandemia, quais as estratégias de aprendizagem remota, os principais desafios do ensino remoto, os planos para monitoramento das atividades e os pontos em que mais se precisa de ajuda. Participaram do levantamento 71% dos municípios brasileiros, 3978 redes municipais, abrangendo 14 milhões e 400 mil alunos. As respostas eram voluntárias.
Embora seja destinado à pandemia, o estudo descortina uma realidade social e da educação na qual não gostamos de pensar. Hoje, família com renda de mais de 2 salários mínimos por pessoa já se esforça para pagar ensino particular. A imensa maioria dos alunos de escolas públicas, 83%, é de famílias que ganham até 1 salário mínimo mensal por pessoa.
O acesso à internet também é um fator complicador, embora seja bem mais amplo do que muitas pessoas pensam. Atualmente, 79% dos alunos da rede pública brasileira têm acesso à internet. O problema é outro: acesso de qualidade. Se muitos profissionais reclamam diariamente nas redes sociais da lentidão das conexões, avalie o problema dos estudantes. A maioria não tem computador em casa, principalmente não tem um para cada filho que precisa estudar, o que limita as possibilidades de ensino remoto. Além disso, a maioria tem acesso pelo plano do celular mesmo, não por banda larga.
Na época em que a pesquisa foi feita, apenas 9 dos 3978 municípios que responderam a pesquisa mantinham aulas presenciais. Vale lembrar que àquela altura, início de maio, havia inúmeras cidades que não tinham um único registro de coronavírus no Brasil. A maioria havia optado de cara pelo recesso com aulas remotas (60%) mas um grande percentual (40%) apenas suspendeu aulas e não conseguiu decidir àquela altura o que faria depois. Muitos optaram por antecipar as férias de julho para ter esse tempo de tomar uma decisão mais embasada.
A modalidade mais popular de ensino remoto é uma mistura de materiais impressos com conteúdo digital e videoaulas gravadas. As estratégias para atender os alunos e conseguir sucesso não podem ser nacionalmente padronizadas, dependem primordialmente de realidades regionais. A videoaula ao vivo, essa que é a principal tônica das piadas de whatsapp entre os pais, é uma realidade de escolas particulares, mas não da escola pública. E muito cedo o sistema de rádios e televisões públicas começou a ser acionado.
Avaliar se o sistema está funcionando faz parte do dia-a-dia do ensino. Àquela altura, ainda no início de maio, 90% das Secretarias da Educação já tinham algum método ou plano de monitoramento da efetividade das aulas remotas. Apenas uma minoria admitiu que não estava conseguindo fazer. A falta de normativas foi apontada como a grande dificuldade para conduzir o ensino à distância e também como a área em que mais as escolas precisam de ajuda.
O Consed, Conselho Nacional de Secretários da Educação, que reúne as Secretarias Estaduais e o Distrito Federal também participou do levantamento. Na maioria dos municípios, as prefeituras são responsáveis por creches e primeira porção do Ensino Fundamental enquanto o governo do Estado se encarrega da educação dos mais velhos. Os estudantes do Ensino Médio são os que estão em situação mais preocupante porque mudam radicalmente de fase, precisarão prestar ENEM e vestibular. Os demais, ainda que tenham todos os desafios que já sabemos, continuam no mesmo sistema.
Para que seja mais simples acompanhar o que tem sido feito em todo o Brasil, o Consed lançou um site de monitoramento em tempo real das atividades, regulamentações e decisões, Estado a Estado. Há um monitoramento de suspensão das aulas que contém todos os decretos estaduais falando em reabertura. Também há informação sobre qual o sistema de ensino remoto cada Estado optou por usar, as regulamentações, como lidar com a questão da alimentação e um banco de plataformas digitais que podem ser usadas pelos educadores. No site do Consed há uma seção especial mostrando como cada Estado decidiu resolver a vida de quem está terminando o Ensino Médio em 2020.
É com base nesses dados que o Conselho Nacional de Educação fez dois pareceres, o 5 e o 11 de 2020, para orientar as secretarias municipais e estaduais tecnicamente sobre possibilidades de aulas remotas, obrigações mínimas, questões técnicas para avaliar reabertura e como avaliar os alunos depois desse período.
Sempre vale lembrar que, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Ministério da Educação não "manda" nas escolas municipais e estaduais, traça diretrizes que são implementadas pelos governos locais, que têm total autonomia dentro do respeito à lei nacional. O primeiro parecer, o 5, já foi emitido e tem basicamente orientações pedagógicas com várias possibilidades de ampliar os sistemas de atendimento escolar à distância. Ele já saiu com orientações para que as escolas e secretarias implementassem sistemas de monitoramento do aprendizado nesse período.
O parecer 11/2020 ainda não foi finalizado e é um passo além. Ele já traz um diagnóstico do que realmente ocorreu com a educação básica no Brasil durante a pandemia, traz um complemento às orientações pedagógicas anteriores e aborda o planejamento tanto para a volta às aulas presenciais quanto para a avaliação que terá de ser feita com os estudantes depois que as aulas voltarem. Até que o nosso mundo volte ao normal ou que comecemos a viver de outra forma, não sabemos se a ideia de continuar a educação durante a pandemia teve resultados práticos na área de conteúdos.
Há um questionamento efetivo do Congresso Nacional sobre se os estudantes do Ensino Médio estarão prontos para fazer o ENEM. Embora o debate na internet seja forrado de verdades absolutas, dados objetivos ainda não existem. E, se não estiverem preparados, qual é a alternativa? A fila para criticar sempre é maior que a fila para fazer.
A alternativa até o momento, a única possível, infelizmente, é acompanhar o que outros países que já retomaram as aulas têm feito para avaliar seus alunos. No caso dos que passam do Ensino Médio para a universidade, o desafio é ainda maior porque os sistemas de seleção são muito diferentes entre os países e, por isso, as soluções tendem a ser adequadas a cada sistema. "Face ao ineditismo dos eventos que se sucederam face a esta pandemia; não é possível afirmar que existauma base de dados ou informações suficientes para tal compreensão. Porém observa-se que há um esforço das redes estaduais e municipais para garantir aos jovens a continuidade dos estudos, o que inclui atividades com foco na preparação para o ENEM", diz a Nota Técnica do Ministério da Educação.
É difícil admitir até no nível pessoal que não temos controle do que vai acontecer e não temos como nos planejar. O brasileiro, que tem uma educação cidadã fundamentada no Estado babá e em salvadores da pátria, terá especial dificuldade em admitir que há momentos em que nem essas duas instituições nacionais têm controle e sabem como se planejar para o futuro. Sorte que, longe do barulho apaixonado das manchetes e dos debates acalorados de redes sociais, tem muita gente trabalhando duro.
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