A condenação de uma mulher trans pelo estupro de uma menina de 10 anos em Wyoming, nos Estados Unidos, reacende o debate sobre a opção por banheiros unissex. O estado é um dos que decidiu por essa política para acolher pessoas transexuais, comum em várias partes do mundo e estabelecida sem que as mulheres fossem ouvidas ou que fossem analisadas as consequências no público feminino.
A questão toda girava em torno de como fazer para acolher pessoas que se identificam, por exemplo, como mulheres e se vestem de mulheres mas tinham de entrar num banheiro masculino em lugares públicos. Depois de muito debate ideológico e quase zero análise de dados, como ocorre com toda política pública lacradora, decidiu-se que o melhor eram os banheiros "sem gênero". Melhor para quem? Sem dados, ninguém sabe, mas o discurso pareceu sensacional e modernoso até as consequências chegarem - para mulheres e meninas, obviamente.
Na semana passada, Michelle Martinez, que nasceu Michael Martinez, recebeu uma condenação de mais de 30 anos de cadeia por estuprar uma menina de 10 anos no banheiro, em 2017. A condenação incluiu também a obrigação de ressarcir os US$ 3 mil gastos com o socorro à menina na rede pública. Não era um banheiro público nem unissex, era o da casa da garota. Martinez convidou a menina a ir ao banheiro, a tocou e depois a penetrou. Quando conseguiu se desvencilhar, a vítima desceu as escadas da casa e contou à mãe o que estava acontecendo. Ela chamou a polícia.
Martinez fez o discurso de que o julgamento era sobre a população LGBT. Não era. Quando deu a sentença de prisão, a juíza lembrou que era necessária devido ao passado de violência doméstica de Martinez. Já havia uma denúncia em 2014 e outra em 2015. Na última, um homem coberto de sangue denunciou à polícia que havia sido espancado pela namorada, que era Martinez. O caso específico não era de um banheiro unissex, mas a questão veio à tona por uma razão lógica: o que impede criminosos responsáveis por diversos casos de violência sexual de frequentarem o mesmo banheiro que meninas pequenas? Nada.
No Reino Unido, 90% dos casos de estupros e abuso sexual em piscinas e centros esportivos públicos foram em vestiários ou banheiros unissex. Deputados já dizem que se tornaram um "ímã" de estupradores.
O levantamento, com casos referentes aos anos de 2017 e 2018, foi obtido pelo jornal Sunday Times com base em um dispositivo parecido com a nossa Lei de Acesso à Informação. Foram 134 as queixas de abuso e assédio sexual no período e 120 delas foram em piscinas ou centros públicos de esporte que têm banheiros unissex. E é importante notar que essas áreas mistas são poucas, menos da metade do total e, ainda assim, concentram quase 90% dos ataques sexuais.
No entanto, essa solução está sendo cada vez mais usada no Reino Unido por 2 motivos: acolhe com mais facilidade a população trans e é mais barata. Em Wales, no entanto, organizações que representam pais de alunos reportam que as consequências têm sido desastrosas para meninas. Muitas delas pararam de tomar água para não ter de ir ao banheiro misto e os meninos fazem bullying com as que estão menstruadas, por isso muitas delas fogem da escola nesse período.
São as organizações feministas que estão brigando para manter banheiros exclusivos para mulheres, que não foram consultadas ao longo de todo o processo de mudança.
Os dados sobre violência sexual, absenteísmo e consequências de saúde e saúde mental para as estudantes existem, mas não são sequer levados em conta na política dos banheiros unissex. É por isso que o tema colocou do mesmo lado políticos conservadores e organizações de defesa dos direitos das mulheres ligadas a esportes, educação e combate à violência. Não faz sentido dar aos homens pleno acesso aos locais onde mulheres estão nuas sem sequer perguntar a elas o que pensam ou ponderar o impacto disso na vida das meninas e mulheres.
Há uma corrente que argumenta sobre outros benefícios dos banheiros e vestiários unissex, além de custarem menos que ter dois deles e encerrarem a polêmica sobre qual banheiro deve ser utilizado por uma pessoa trans. Seriam uma grande oportunidade para quebrar tabus sobre o relacionamento entre homens e mulheres e também ensinar sobre respeito e limites. O argumento é feito inclusive por grandes lojas de departamentos - como a Top Shop - que agora têm um banheiro só. Parece uma coisa muito bonita e bem intencionada, mas não tem um único número, pesquisa ou projeto piloto que mostre como isso é feito e se dá certo.
Podemos achar que é algo muito longe da nossa realidade mas já há casos de banheiros unissex aqui no Brasil. O primeiro que eu vi, ainda na década de 1990, era da boate paulistana A Loca, que fechou há alguns anos. O banheiro unissex era um atrativo a mais para o público LGBT da casa, cujo estilo era mais que fiel ao nome "A Loca". Uma escola é um ambiente um tanto diferente - espero - e, por isso, não sei se é o caso de fazer a tentativa de implantar o banheiro único. Fizeram e foi sem avisar os pais, no Distrito Federal. Até Ministério Público precisou entrar na história.
Políticas públicas e regras que valem para todos nunca podem ser feitas com base em boas intenções, militância emocional ou discurso de "especialistas". Fiquemos com os dados, que existem e são injustamente desprezados só porque derrubam por terra muito discurso apaixonado.