Ouça este conteúdo
Na volta às aulas, recebi um comunicado curioso da escola: "circular sobre a epidemia de coronavírus". Achei estanho porque não temos casos no continente. O documento informava que não deveriam ir às aulas crianças que tiveram contato com familiares que foram à China. Também sugeria que, por precaução, mandássemos álcool em gel na mochila das crianças. Trata-se de excesso de zelo e, conforme me explicaram, foi necessário porque havia muitos pais preocupados.
Em surtos de doenças desconhecidas há, além do desafio de saúde, o desafio da comunicação para o Poder Público e jornalistas. É necessário ter o máximo possível de transparência e usar as melhores técnicas de comunicação para que a população saiba com clareza que doença é aquela, como identificar, como se prevenir e o que fazer caso suspeite de contágio. Só que, ao mesmo tempo, é preciso ter um cuidado enorme para não gerar pânico. Pânico paralisa e, numa situação que requer detalhes e cuidado, pode causar tragédias.
Há perguntas que, se feitas por profissionais da imprensa a autoridades públicas, podem mais confundir que esclarecer. Por quê? Porque parece que não é algo espontâneo, uma dúvida normal, mas alguma informação que o jornalista recebeu e está tentando confirmar com a autoridade. Um exemplo prático para evidenciar o problema: "Tem risco de contágio recebendo encomenda da Ali Express?" Eu sei que muita gente tem dúvidas desse tipo e também sei que seria um desastre fazer um texto com esse tipo de tema, mas arrumei uma solução.
Pedi que meus seguidores enviassem as perguntas e as entreguei a um dos melhores infectologistas do Brasil, Jean Gorichteyn, do Instituto Emilio Ribas, centro de excelência nacional em infectologia. Abaixo, as respostas.
"Tosse, febre, dor no corpo, dor nas juntas. As pessoas deixam de fazer as suas atividades e podem evoluir com desconforto respiratório, falta de ar, baixa de oxigenação, precisando muitas vezes até de internação em Unidade de Terapia Intensiva."
"Não existe risco nenhum de contaminação de produtos oriundos da China e que, porventura, tragam consigo coronavírus, uma vez que, assim como todos os vírus, ele não resiste muito tempo às superfícies e objetos. Eles precisam estar dentro do corpo humano para se manter".
"É importante lembrar que as vacinas estão sendo desenvolvidas, tanto na China quanto na Austrália e nos Estados Unidos, uma vez que se trata de um vírus novo. Nós temos quase 30 dias da descoberta desse vírus. O vírus acaba sendo identificado e as vacinas podem ser formuladas de forma enfraquecida, garantindo assim que o indivíduo que receba não vá desenvolver o risco de doença".
"É natural que os vírus respiratórios tenham uma facilitação onde o clima tenha as temperaturas mais baixas. Ou seja, à medida em que eu tenho as temperaturas mais baixas, as pessoas se confinam e existe uma maior circulação de vírus respiratórios, inclusive o coronavírus. E foi exatamente isso um dos grandes facilitadores na China, uma vez que as temperaturas são extremamente baixas, um país extremamente populoso, facilitando assim a disseminação de vírus. Isso ajuda muito para que não haja, às vezes, a disseminação em outros países em que as temperaturas são mais altas e as pessoas se aglomerem menos".
"A demora do diagnóstico do coronavírus se deve ao fato de nós termos algumas etapas a serem seguidas. Uma delas é o que a gente chama de painel viral, que é exatamente descobrir se esse indivíduo - que é um indivíduo suspeito - tem sintomas respiratórios, tosse, febre e eventualmente falta de ar e que veio da China ou que entrou em contato com alguém com esses sintomas e que veio da China e que claramente precisa se avaliar se são outros vírus respiratórios, né? A gente tem vários vírus que causam os mesmos sintomas: o adenovírus, o rinovírus, o coronavírus não-mutante e os vírus da gripe, que também circulam na China, como o influenza B. Então, com isso, é feito primeiro uma análise para esses vírus. Se tudo vier negativo, então segue-se para avaliação de um teste que a gente chama de molecular para identificar o coronavírus diretamente. Por isso a demora."
"O coronavírus, na maioria dos casos, ele é muito benigno, ele dá como se fosse um resfriado: tosse, febre, uma febre baixa e dor de garganta. Mas, em 20%, ele pode ter uma manifestação mais peculiar - até mesmo mais grave -, dando desconforto respiratório, oxigenando menos os pulmões e o risco inclusive da pneumonia. Apenas 2% de mortalidade. Quer dizer, a mortalidade é baixa frente aos outros coronavírus modificados, mutantes, o que tivemos em 2002 tinha 10% de mortalidade. É diferente do coronavírus modificado em 2012, que foi responsável pela MERS, a Síndrome Respiratória do Oriente Médio, que levou a 36% de mortes. Só para lembrar que o vírus da gripe mata de 20 a 23% desse público, que é um público mais vulnerável: idosos, crianças de tenra idade, gestantes, pessoas com problema no pulmão, coração e diabetes."
"É muito importante que todas as medidas que têm sido feitas, seja pela Organização Mundial de Saúde e, especialmente, a sequência que tem sido tomada pelo Ministério da Saúde são extremamente prudentes. Afinal de contas, é um vírus novo. A partir do momento em que você tem um vírus novo, com que as pessoas nunca tiveram contato, a chance de dispersão acaba sendo maior e, por isso, todos os cuidados em portos e aeroportos e o Brasil não está fazendo diferente, muito pelo contrário. O Brasil já se antecipou às medidas, criou medidas de emergência mesmo sem nenhum caso no território exatamente para facilitar e programar uma eventual ocorrência, garantindo dessa forma que a população não esteja em risco."
E, para finalizar, o lembrete do infectologista Jean Gorichteyn: não podemos perder de vista onde está o risco - e é na China, mas não no país todo.
"Muito importante lembrar que toda a preocupação que a gente fala de China é especialmente em algumas regiões, especialmente na província de Wuhan, que é onde é o epicentro dessa epidemia e, com isso, maior número de casos e maior chance de dispersão do vírus. Para pessoas que vêm de outras áreas em que a circulação do vírus é muito pequena e em que esses pacientes já estão sendo mantidos no isolamento, são pessoas que podem estar vindo para seus países, como o Brasil, sem necessidade de isolamento. Isso vale tanto para esta pessoa quanto para seus familiares".
Para saber mais sobre a epidemia de coronavírus, confira O ESPECIAL DA GAZETA DO POVO, atualizado diariamente.