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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

CPIpalooza: estamos viciados em política e corrupção como espetáculo?

(Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

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Não acompanhar a CPI da Covid equivale socialmente a não ver Big Brother. Você está fora de todas as conversas que interessam. Se você entende de verdade de política, funcionamento de CPI ou pandemia, também estará fora de todas as conversas que interessam. Quais são elas? Entretenimento.

Percebi isso porque, pela primeira vez em 25 anos, não faz parte do meu trabalho diário assistir, anotar, editar, repercutir, checar documentos e reportar a CPI da vez. Confesso que agradeci ao Senhor. Peguei birra da CPI da Covid por motivos muito parecidos com aqueles que me afastaram do Big Brother.

Se é para ver baixaria, vejo Casa dos Desesperados, do Sergio Mallandro. Essa baixaria morna do Big Brother me incomoda profundamente. Com CPI é o mesmo. Eu já vi acareação de Roberto Jefferson com José Dirceu. Não venham me chamar para ver uns rapazes que parecem se embananar até com sanduicheira elétrica.

O caso é que mesmo sendo um catadão dos piores vilões e piores heróis que já tivemos em CPIs, ela empolga muito os brasileiros. Vi amigos queridos discutindo apaixonadamente todas as consequências para a humanidade da prisão ou não de Fabio Wajngarten por mentir na CPI. Alegavam que era uma perda de respeito total.

Lembrei-me do deputado João Alves, num histórico depoimento à CPI dos Anões do Orçamento, justificando a origem de seu impressionante patrimônio. Explicou aos colegas que ganhou na loteria algumas centenas de vezes porque Deus o ajudou.

Como me lembrou outro dia meu amigo Claudio Manoel, CPI é remédio para curar todo tipo de dor do brasileiro. Até quando a gente perde Copa do Mundo acha que precisa de uma para resolver. Lembram da CPI da Nike? Foi lá que tentamos entender o que se passou com Ronaldinho na final da Copa da França.

Muita gente reclama que CPI não dá em nada, acaba em pizza. Talvez ela não cumpra a finalidade para a qual foi criada porque nós já demos a ela outra. Ali é feita, de tempos em tempos, a catarse coletiva da nossa indignação com os políticos que nós mesmos escolhemos. Definitivamente misturamos política com entretenimento.

Até demos um tempo de CPI durante o tempo que durou a Lava Jato. O Brasil vibrava com depoimentos aos juízes, intervenções dos promotores, entrevistas coletivas, buscas e apreensões. Ainda bem que tinha um Big Brother começando logo que jogaram a pá de cal na Lava Jato, senão o Brasil não aguentaria.

Acabado o Big Brother, a CPI mobiliza mais o brasileiro do que a novela da Globo. Já houve época em que a gente desejou isso sem imaginar como é implacável nossa capacidade de esculhambar tudo. Queríamos que o brasileiro largasse a novela para acompanhar a política. Isso realmente aconteceu. Só que estamos tratando a política como se fosse novela.

Não é só uma analogia. O Congresso virou uma espécie de Projac em que escolhemos ídolos populares para que se revezem nas funções de mocinhos e vilões, como atores famosos. Torcidas apaixonadas se formam pelo país e votarão por mais espetáculo. Defenderão toda e qualquer indecência dos seus e piorarão a política a cada safra.

Agora temos uma safra de CPI meio fim de feira. Já tivemos cenas memoráveis. Roberto Jefferson com o inesquecível olho roxo na CPI, equipe médica ajeitando o curativo dele durante o depoimento. Jane Mary Corner, a cafetina mais íntima dos políticos de Brasília, depondo a alguns de seus clientes mais ilustres sobre outros de seus clientes mais ilustres.

O tema agora é meio sério demais para ser tratado como espetáculo. Ou, de repente, eu é que sou chata demais mesmo. Se quer documentar ações e omissões do Governo Federal na pandemia de Covid. Me parece um tema tão dolorido e pesado quanto foi, por exemplo, o da CPI da Exploração Sexual Infantil. Ainda assim, tornou-se entretenimento. Obviamente não pelo tema em si.

A forma como o público lida com o espetáculo CPI mostra que o nosso problema é bem mais profundo que os políticos. Não somos capazes de manter por meia hora princípios pelos quais bradamos apaixonadamente. A esquerda brasileira está celebrando o golpista Renan Calheiros como herói enquanto bolsonarista vai ao STF (não era para fechar?) pedir habeas corpus para calar em CPI.

Jamais acreditei que o brasileiro é contra a corrupção, infelizmente. Somos contra a corrupção do inimigo e a guerra contra os corruptos é o melhor combustível político para eleições presidenciais. Bolsonaro não criou essa história. Collor era o caçador de marajás. Até Jânio Quadros se elegeu com a vassourinha que varria a bandalheira da política.

Tratar a política como entretenimento nos coloca em times. Assumimos um lado e ele passa a poder tudo, inclusive trair os próprios princípios. Renan Calheiros assumiu a presidência da CPI com objetivos políticos obviamente. Talvez não imaginasse que tão rapidamente viraria herói da esquerda que xinga até urso de pelúcia de golpista. Ele que deu a mão e gritou um "tamo junto" na posse de Temer.

Jair Bolsonaro repetiu "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" mais do que todos os pregadores cristãos do planeta. Daí pessoas que foram importantes no governo, próximas dele, mentem até diante de vídeo, na cara dura. Fazia o maior escândalo com réu que ia ao STF para ficar calado em CPI e agora os seus vão. Talvez ele não imaginasse que os bolsonaristas fingiriam tão bem não ver isso.

Nós ensinamos aos nossos políticos que eles não precisam ser sérios. Cobramos sempre que os adversários daqueles em quem acreditamos sejam mais sérios. Por que eles fariam isso? Vão ouvir quem nem vota neles? De jeito nenhum, ouvem o eleitorado deles, que não cobra deles um pingo de seriedade.

Nós somos esse povo que diz ser contra a corrupção mas arruma justificativa moral para mentiroso, corrupto e ladrão quando convém. Ganhar o bate-boca, dizer ao cunhado que estava certo e meu timinho político é melhor vale mais que tudo. Danem-se os princípios e até o futuro do nosso país. O que importa é esse frisson, essa diversão, essa luta travada no universo simbólico.

Talvez sejamos viciados em CPI e em combate à corrupção como espetáculo porque nos convence de que somos bons, queremos um país honesto. Se quiséssemos, acompanharíamos as atitudes daqueles em quem votamos com muito mais atenção do que as atitudes dos adversários. Prestaríamos mais atenção em ações do que em discursos. Talvez até tivéssemos mesmo de agir como pregamos.

Não me meto a apostar sobre onde chegará a CPI. Algumas conclusões, no entanto, ela já tem. Temos um eleitorado adultescente, que se sente importante fingindo entender sobre política enquanto passa vergonha em rede social. Talvez tenhamos a maior população de constitucionalistas da galáxia. A maioria não faz a menor ideia de para que serve uma CPI, mas acreditará no que disser seu político de estimação.

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