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Desde que o presidente Jair Bolsonaro falou o termo "cristofobia" em discurso na ONU, ele passou ao debate público. Eu sou da turma que não gosta desse termo e é sempre voto vencido nessas questões. Minha resistência a termos como "empoderamento", "homofobia" e "gordofobia" ensinou que há palavras que fazem sucesso ainda que, na minha visão, venham a servir no médio e longo prazo para o contrário do que pretendem os criadores desses termos. Tomo emprestada da matéria excelente do colega Leonardo Desideri a explicação que resume minha implicância com esses termos:
“O que é homofobia? É muito abrangente. Daqui a pouco, se eu disser que não concordo com o casamento homossexual, eu posso ser tachado como homofóbico. Se eu disser que a religião evangélica não representa a religação com Deus, daqui a pouco isso vai ser cristofóbico. Não estou dizendo que concordo com isso, mas, se a gente for usar a definição de homofobia como ponto de partida para o que é cristofobia, aí nós temos cristofobia no Brasil”, afirmou o presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, Thiago Rafael Vieira.
Por que a comparação? Porque, juridicamente, ambos os grupos são protegidos pela mesma lei. No ano passado, o STF decidiu que a Lei contra o Racismo (Lei 7716/1989) também protege o crime de homofobia. A mesma lei, não por decisão do Supremo, mas por determinação do Congresso, versa sobre preconceito religioso. É óbvio que, sob o ponto de vista legal, são punidos os casos graves cujas provas sejam concretas. Temos de reconhecer que, além dos casos em que é necessário envolver o Poder Judiciário e falar até em prisão, existem inúmeros muito menos graves.
Faço um desafio: nos comentários públicos a seguir substitua a fé religiosa pela orientação sexual. São reações a uma reportagem sobre a fé cristã dos dekasseguis, imigrantes brasileiros no Japão. Se não fossem sobre fé, mas sobre outro bem jurídico protegido pela mesma lei, como raça ou orientação sexual, qual seria a reação aos comentários?
É necessário fazer a ressalva importante de que a reportagem não conduz a nenhuma conclusão negativa, é factual e com base no estudo de um sociólogo japonês. A fé cristã é um instrumento importante de identidade dos brasileiros que vivem no Japão e também se aborda como essas instituições representam um suporte social e emocional para os dekasseguis, relatando uma multiplicidade de histórias individuais. Conclui, então, que muitos assumiram a vocação missionária, ou seja, tentam levar sua fé aos japoneses. Ainda assim, a maioria dos comentários é pejorativa e preconceituosa, já que atribui aos cristãos e àquele grupo específico, adjetivos e atos que não estão na reportagem.
É inegável que, apesar da proteção legal, a expressão do preconceito religioso é tolerada socialmente e até serve como fator de união de determinados grupos. Equiparar projetos de poder e desvios de conduta de algumas lideranças religiosas ao caráter de todos os cristãos, inclusive dos que se insurgem contra esses líderes, é um ato de intolerância por excelência. E não há o menor pudor nem qualquer inibição social para que a fina flor do preconceito religioso seja publicamente expressada no Brasil.
Se um comentário como, por exemplo, "que sejam corridos de lá na ponta da katana", fosse direcionado a outro grupo protegido pela mesma lei do Racismo, quais seriam as reações? Se estivesse falando de homossexuais ou negros, esperaríamos declarações semelhantes em público? Todos temos preconceitos, os demais é que não são obrigados a recolher diariamente o lixo emocional de visões autoritárias de mundo.
Há os que dizem que as reclamações contra machismo, homofobia, racismo e, agora, cristofobia, não passam de mimimi. Considero que mimimi possa ser traduzido como a dor do outro que não me dói. As pessoas têm direito de ter seus preconceitos internamente e acredito que a grande maioria faz o melhor para superar quando a prioridade de uma sociedade ou de um grupo é o respeito à dignidade humana.
Muitos de nós fomos educados em ambientes em que o uso de palavreado degradante para se referir a determinados grupos de pessoas era motivo até de piada. Ocorre que o mundo evolui no respeito à dignidade humana. Houve os que reclamaram e os que souberam ouvir com compaixão, reconhecer que não há por que legitimar o comportamento de quem insiste em tratar como indigno determinado grupos de seres humanos.
Porque, atualmente no Brasil, há uma patrulha rigorosa sobre as menções e o uso de palavras que possam ofender homossexuais, pessoas de determinada etnia ou mulheres mas se considera normal usar todo tipo de vocabulário ofensivo contra evangélicos? Porque a medida não é a do razoável nem a da coerência, é a aprovação do grupo. Importante não perder de vista que o risco de reagir à hostilidade pagando em dobro existe em todos os grupos.
Eu sou contrária à patrulha de linguagem, mas favorável ao avanço da humanidade tendo como norte a dignidade humana. Posso ter minha fé e minha verdade e respeito a dignidade de quem pensa diferente, levando em conta, inclusive, meus caminhos e tropeços até aqui e os que ainda me aguardam adiante. E é por isso que considero minha obrigação alertar as pessoas sobre a necessidade de respeitar a dignidade de cada um e, portanto, de todos nós.
Tente dizer, em um grupo que cala diante de uma agressão aos evangélicos que isso não é adequado ao mundo de hoje ou que você considera falta de respeito a colocação. Eu já tentei em grupos progressistas e identitários e, na imensa maioria das vezes, há uma pronta recusa em reconhecer como ser pensante qualquer pessoa que se posicione como evangélica. Às vezes, um ou outro herói vem dizer que nem todo evangélico se chama Silas Malafaia e que evangélicos são seres humanos. Corre grande risco de ser ridicularizado.
Se nem toda ofensa termina em violência, toda violência tem origem no verbo, na palavra. A elite brasileira, cultural e intelectual, tem exagerado na permissividade às manifestações mais legítimas de preconceito religioso contra cristãos. Ocorre que os cristãos são 90% da sociedade e, na maioria, de grupos que os progressistas dizem proteger, como mulheres negras e habitantes das periferias. Eles não precisam de "proteção" porque não são menos, como quer a intelligentsia tupiniquim, precisam só do respeito que é devido mesmo pelos que se consideram mais que os outros.