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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Terrorismo Woke?

Dave Chapelle atacado no palco: os zen-fascistas estão chegando

Arma utilizada para atacar o humorista Dave Chapelle no palco (Foto: Polícia de Los Angeles - LAPD - Divulgação)

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Todo extremismo produzirá, inevitavelmente terroristas. Pessoas moldadas num coletivismo divisionista em que fazem parte do grupo do bem lutando contra o grupo do mal são incapazes de ver sentido em fraternidade e liberdades individuais. Você provavelmente soube do ataque ao comediante Dave Chapelle. O que não soube é que o autor foi criado por uma das estrelas do Movimento Negro americano e deixado à própria sorte aos 14 anos, quando ela morreu.

Os casos de terrorismo islâmico e de extrema-direita nos últimos anos já nos mostraram um erro terrível que tem sido cometido com a juventude, o da falta de propósito. Teorias divisionistas que dêem um sentido de heroísmo a vidas vazias têm promovido tragédias no mundo. Quando ideologias substituem a família, a comunidade e o sentido de sociedade, chegamos a casos como o do rapper Isaiah Lee, criado pela avó paterna, a ativista Mamma Joy Chatel.

O ataque felizmente não deixou feridos. A Netflix gravava seu primeiro especial com vários comediantes, chamado Netflix is a Joke. Chapelle antecedia a performance de Chris Rock. Uma pessoa pulou no palco de repente. Nas redes sociais, vários vídeos da plateia mostram pessoas em dúvida sobre se era ou não uma piada. Seria uma performance para tirar sarro de Will Smith? Não era.

O artista que tem um canal no Spotify e outro no YouTube com o nome No Name Trapper, saltou da plateia usando um revólver falso que, na verdade, é uma faca. Isso seria violência que justifique a derrubada dos canais? Claro que não!!! Continua tudo lá e oficial. Ao contrário dos perigosíssimos Joe Rogan e Monark, o rapper só tentou matar alguém a facadas. Não conseguiu porque a vítima se esquivou e ele tomou uma surra dos seguranças e do ator Jamie Foxx.

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Eu vi diversas reportagens mostrando como esse anjo ficou ferido. Estava ensanguentado na ambulância, teriam exagerado na surra. Como é que você sabe se está exagerando ou não diante de um ato de terror? Uma pessoa que vai armada num show com entrada controladíssima e sobe no palco tentando matar o artista em plena performance é capaz de tudo. E parecia estar com um revólver, o que o deteria? O Django de Tarantino.

O show, aliás continuou. Dave Chapelle voltou ao palco e ainda fez piada. Chris Rock aproveitou para fazer piada com Will Smith. Estamos pagando um preço alto pela perda de noção de proporção na sociedade. Você deve ter visto quando o Fantástico concluiu que o soco de Will Smith era equivalente à violência da piada de Chris Rock. Se tudo for violência, nada é. Portanto, se vale botar um monte de comediante polêmico no palco, vale dar uma facada também.

Ninguém ainda sabe o que está por trás do ataque e quais seriam as motivações. Há 2 anos, o rapper fez uma música chamada Dave Chapell. Como todas as outras letras dele, é um sarapatel de coruja. Você não consegue entender o que ele quer dizer, não é uma história como a maioria dos raps. Mas, na dedicada a Chapelle, parece que ele gosta do comediante. Na de Trump, parece que ele é trumpista. E na capa de outro álbum ele está em pé no capô de uma viatura policial. Façam suas apostas.

Vivemos tempos em que muitas pessoas crêem que ideologia e militância política são capazes de salvar a alma humana. Aliás, é por isso que tem identitarismo em tudo quanto é campanha de publicidade. Produto perfeito para almas vazias, mas ineficaz. Isaiah Lee é herdeiro de um dos símbolos da luta abolicionista de Nova Iorque. Também herda chagas de uma infância problemática e uma família destruída. A experiência humana é mais complexa do que ideologias.

Não há erro maior que julgar os outros - e, por consequência, a si próprio - pela ideologia. Fulano não presta porque é conservador. Sicrano não presta porque é de esquerda. Beltrano não presta porque empunha bandeira LGBT. Esta é apenas uma das dimensões da experiência humana e quase nunca a que define o caráter.

Os laços familiares, comunitários e com a sociedade falam muito mais sobre uma pessoa do que a ideologia em que ela acredita no momento. Aliás, é sempre importante observar se esses laços, valores e princípios morais estão ou não acima de ideologias. Todos nós podemos evoluir no pensamento. É muito corriqueiro o jovem ser contestador e de esquerda para depois, com a experiência, aquietar a chama revolucionária. Nada disso mede caráter.

A história de militância política de Mama Joy Chatel continua viva e ela é lembrada por lutar pela preservação histórica dos marcos abolicionistas. Morreu aos 66 anos, vítima de câncer. Só os documentos judiciais de herança mostram um outro papel importantíssimo que ela desempenhou, o de mãe. Ela cuidava de Isaiah Lee, que tinha transtornos psicológicos. Quando morreu, ele tinha 14 anos e entrou em uma espiral de violência. Continuaram a militância, mas não a maternidade.

Mama Joy Chatel tinha uma casa no Brooklyn, em Nova Iorque, que pertenceu aos famosos abolicionistas Thomas e Harriett-Lee Trusdell. Havia um plano da cidade no início do século XXI para derrubar tudo e fazer incorporação imobiliária. A ativista montou um grupo de cidadãos dedicados a preservar os marcos históricos e fazer dali um museu contando a história dos abolicionistas para as próximas gerações.

Ela conseguiu e virou uma das lideranças famosas do movimento negro dos Estados Unidos. Também virou uma dessas milhares de avós que criam netos em famílias destruídas. Teve 8 filhos e criou todos com o marido. Dois deles abandonaram os próprios filhos no Serviço Social dos Estados Unidos. Mama Joy assumiu a criação de 5 netos entre os anos de 1993 e 1994.

Quando ela morreu, toda a estrutura familiar colapsou. Os netos não foram acolhidos pelos tios como eram pela avó. Todos eram filhos dos dois filhos mais problemáticos. Entre os outros seis, dois brigam seriamente pelo legado de ativismo da mãe. Na Justiça, querem o poder para controlar o que seria um Museu Abolicionista em Nova Iorque. Os dois são grandes educadores, influentes na comunidade. E isso, infelizmente, não foi suficiente para salvar os sobrinhos.

Isaiah Lee, que tem o mesmo nome do pai, queria ser rapper. Morava entre idas e vindas com o irmão Aaron e a namorada dele em Redondo Beach, na California. Ali, era conhecido pelos vizinhos como encrenqueiro. Sozinho, agitava a rua com brigas dentro de casa e também com os vizinhos. Foram diversos episódios em que a polícia foi chamada e teve de intervir.

Acabaram expulsos do prédio por arrebentar uma porta do condomínio. O dono do apartamento alugado para eles os descrevia como muito problemáticos e instáveis. Afirmava ser evidente que tiveram problemas na infância e estavam fora de controle. Iam da calma à fúria total com um estalar de dedos.

Aos 23 anos, Isaiah Lee não conseguiu ser um rapper como queria. É herdeiro de um dos principais marcos históricos do abolicionismo norte-americano. Além disso, passou a ser um dos criminosos mais famosos do país. Neste ano em que a temperatura política vai à ebulição, precisamos nos lembrar que nosso papel mais importante não é o de militante. Esse caso deixa isso claríssimo.

A falência moral ocorre quando se imagina solucionar todos os problemas do mundo reduzindo a sociedade a uma luta de oprimidos contra opressores. A base de uma sociedade é a família. Está no artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado". Família precisa estar acima de ideologias.

O episódio com Dave Chapelle lembra muito uma teoria do livro "La Traición Progresista", de Alejo Schapire. Ele tem uma teoria de que a derrocada moral que desemboca no identitarismo começa com o episódio do livro "Versos Satânicos", de Salman Rushdie. Por causa do livro dele, em 1989 o Aiatolá Khomeini, soberano da revolução islâmica no Irã, emitiu uma "fatwa". É uma espécie de lei sagrada em que, resumidamente, ele mandava todo muçulmano tentar matar o escritor.

O Irã do Xá Rehza Pahlevi tinha liberdades muito parecidas com as ocidentais daquele mesmo período. A islamização do mundo persa e consequente perda de direitos de mulheres e minorias ocorre na revolução liderada por Khomeini. Ao lado de quem vocês acham que Hollywood ficou? Dos Aiatolás. Alejo Schapiro lembra do contorcionismo de progressistas colocando Rushdie como opressor e justificando a ordem de assassinato contra ele por causa de um livro.

Novamente vimos contorcionismo semelhante na tragédia do jornal Charlie Hebdo, em que extremistas assassinaram cartunistas. Você pode achar o cartum ofensivo, não gostar, entender que merece até punição. Mas não se pode equiparar o estrago causado por uma piada à execução de seres humanos. Não se pode equiparar a nenhum tipo de violência física ou tentativa de eliminação de vidas.

Essa distorção, segundo Alejo Schapiro, começa a vir quando Hollywood adota a categorização do mundo na dicotomia oprimidos x opressores. Os oprimidos tudo podem porque são oprimidos. Os opressores tudo merecem, menos proteção ou consideração humana, já que são opressores. Assim se justifica um Chefe de Estado emitir uma ordem religiosa para matar ou um terrorista assassinar civis.

Pouco a pouco esse pensamento se dissemina e vai corroendo a moral, a começar pelos meios de comunicação. Equiparar Chris Rock contar uma piada a alguém da plateia levantar e ir até o palco dar um murro na cara dele é parte desse contorcionismo moral. Não assusta que pouco tempo depois alguém perturbado tenha pensado em invadir um palco de Hollywood com uma faca. E as notícias nos jornais falam mais sobre os ferimentos que ele sofreu do que sobre o ato que cometeu. Como reverter esse processo?

Não sei se há uma resposta, o caminho se faz ao caminhar. Parece claro e urgente que precisamos nos voltar a princípios e propósitos e parar de aceitar massificação e relativização. O que é certo é certo, o que é errado é errado. Palavras machucam? Sim, mas não são equivalentes a um tiro. Racionalidade vem do grego ratio: proporção. Para evitar uma escalada rumo à barbárie é preciso saber avaliar em que degrau estamos.

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